*Texto de Taís Lutosa/Especial para O POVO
Escondida no fundo do palco, sempre atrás dos músicos, a bateria é um aparelho difícil de carregar e que intimida, pelo seu tamanho e complexidade, aqueles que encaram à primeira vista. Um "Frankenstein" formado por um conjunto de peças de percussão, o aparato exige do músico coordenação, atenção e técnica. E foram essas características que fizeram com que Carolina Maia se apaixonasse pelo instrumento.
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Nascida em Teresina, no Piauí, porém com um coração que se autodeclara cearense, Carolina Rodrigues Maia atua na cena de Fortaleza como musicista, baterista e professora. Seus principais trabalhos incluem um projeto instrumental, com Gabriel Gezti (piano) e Carlos Hardy (baixo), o trio Guaimbê, e a banda Lavandas, que fez estreia oficial no Ciclo Carnavalesco da Capital este ano e que se apresenta no domingo, 7, na Estação das Artes.
Aos 42 anos, a musicista soma quase 30 anos de envolvimento com a bateria, seu instrumento principal. Contudo, a relação com a música sempre se fez presente na jornada. A influência da mãe foi essencial para alimentar esse sentimento. Batizada de "Carolina" em homenagem à canção de Chico Buarque, a menina observou a figura materna aprendendo a tocar violão e tratou de começar a trilhar o mesmo caminho.
Quando completou 12 anos, o colégio onde estava matriculada inaugurou um estúdio de música. Ela, então, se viu na figura de George Harrison, e suas amigas - igualmente "beatlemaníacas" - assumiram a pele dos demais membros de The Beatles. Porém, frente a dificuldade da colega que assumia o papel de baterista, Carolina resolveu trocar de instrumento. "Ave Maria, depois disso eu enlouqueci! Mudei de George Harrison para Ringo Starr", conta entre risos.
A descoberta da paixão instigou o desejo da adolescente de cursar Música; o medo, no entanto, se fez presente. "Naquela época, eu não sabia como conseguir trabalho, não sabia como viver disso", afirma.
Vencida pelo medo, Carolina iniciou sua trajetória profissional na graduação em Arquitetura e Urbanismo. Formou-se pela Universid (Unifor) em 2011, e atuou como freelancer na área, mas sem largar de mão da bateria. Entre aade de Fortaleza universidade e a inserção no mercado de trabalho, viveu uma "vida dupla", dividida entre o desenho arquitetônico e a vida noturna de artista.
Foi com ajuda do amigo e músico Wladimir Catunda que começou, de fato, a se aperfeiçoar na bateria. As aulas despertaram mais curiosidade pelo instrumento: "Queria ter aula com outras pessoas, queria ter experiência com outros professores, ver as pessoas tocando, ver outras coisas".
Em 2015, decidiu passar alguns meses em São Paulo - mas a estadia acabou durando cinco anos. A princípio, a mudança veio com a "desculpa" de fazer um curso de extensão para complementar a formação em arquitetura, porém, mais uma vez, precisou tomar decisões. Um novo medo despertou. Poderia voltar para Fortaleza e continuar levando uma vida dividida e sem foco; ou poderia ficar na "Terra da Garoa" e se especializar na bateria junto de Lilian Carmona - reconhecida como a primeira mulher baterista profissional do Brasil.
"Eu nunca tive aula, eu não tenho um estudo formal de música, eu não sei ler [partitura]. Eu tenho noção, eu sabia pegar um método e ler, entender o que ele tá dizendo, mas eu não sou fluente em leitura, eu ia passar uma vergonha", disse Carolina.
Aos poucos, foi convencida, mesmo carregando aquele medo, de que a paixão falava mais alto. Entre risadas, conta que o primeiro contato com Lilian foi difícil: "Toda vez que eu ligava para ela e atendia, eu desligava. Até que um dia eu falei, a gente marcou, fui lá. Mudou a minha vida. Comecei a ter aula regularmente, eu não queria mais desenhar, só queria tocar, só queria estudar [bateria]". Foi alfabetizando Carolina na música - repassando conceitos básicos e de diversos ritmos brasileiros - que Lilian a preparou para um mercado de trabalho exigente e, ao mesmo tempo, escasso.
Dominando um instrumento usado majoritariamente por homens, Lilian se apresentou como uma inspiração. "É muito incrível poder ter uma referência tão massa de mulher na música", elucida Carolina.
Atualmente professora da Musiqueria, escola de música localizada em Fortaleza, ela se alegra ao ver meninas e mulheres começando a integrar esse universo desde cedo. "A base vem forte, ainda bem! Por causa das mães, das alunas também, dos pais das alunas. Mas poucas gerações atrás era bem raro de ver".
Vivendo exclusivamente de música e para a música, ainda hoje, a baterista sente dificuldade de entender como seguir trilhando esse caminho. Ao longo de sua trajetória, viu a necessidade de aprender a encaixar o instrumento em novos estilos, a gravar a si mesma - "e agora eu tô em uma de entender o calendário dos editais, de entender como escrever para um edital, como fazer um bom portfólio". E finaliza: "O meu trabalho hoje não é tocar, quando eu sento na bateria para tocar é a parte boa, é a melhor coisa; o meu trabalho hoje é conseguir trabalho".