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Entre o absurdo e o humano, 'Bugonia' é mais um grande trabalho de Lanthimos
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Entre o absurdo e o humano, 'Bugonia' é mais um grande trabalho de Lanthimos

Filme confirma que o cinema de Yorgos Lanthimos vive de rupturas e segue abrançando o desconforto
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Foto: IMDB/divulgação Filme "Bugonia" é estrelado por Emma Stone e dirigido por Yorgos Lanthimos

Yorgos Lanthimos nunca foi um diretor interessado no conforto de quem vê suas histórias e seu mais recente filme, "Bugonia", confirma isso logo nos primeiros minutos. Quem conhece trabalhos como "O Lagosta" (2015) e "A Favorita" (2018) - para citar dois dos principais - sabe que não dá para esperar mesmice de um cineasta que transita entre o grotesco, o surreal e uma humanidade sempre desconfortável.

Em "Bugonia", o ateniense mais uma vez abandona a zona de conforto para explorar um embate de ideias que se instala já na primeira virada dramática: o sequestro que coloca frente a frente os dois protagonistas.

A atriz Emma Stone e o ator Jesse Plemons assumem os papéis centrais - Stone como Michelle Fuller, a poderosa CEO de uma indústria farmacêutica, e Plemons como Teddy, um conspiracionista obcecado, que acredita que a rival é uma alienígena responsável por todas as desgraças de sua vida, incluindo as mortes em massa de abelhas e o domínio da humanidade. Justamente em função de tal ideia, ele a sequestra, contando com a ajuda do primo (a cena da captura de Fuller é sensacional).

Emma Stone ficou careca de verdade para o papel e já havia colaborado antes com Lanthimos em produções de enorme destaque, como "Pobres Criaturas" (pelo qual ganhou um Oscar de Melhor Atriz).

Jesse Plemons também já tinha trabalhado com Yorgos e se consolida na filmografia atual com personagens perturbadores, tanto no cinema, como na televisão (as séries "Breaking Bad" e "Fargo", por exemplo, contaram com atuações impecáveis e premiadas do ator, hoje 20 quilos mais magro por conta de ter feito jejum intermitente), trazendo ao papel de Teddy toda sua capacidade de mergulhar no absurdo, o que o torna ideal para o clima de paranoia que o filme exige.

Filme pulsa a partir do confronto

Antes do sequestro, Lanthimos apresenta, de maneira breve e funcional, quem são essas duas figuras. Mas é a partir do encontro forçado que o filme ganha sua pulsação real. O confronto entre eles é constante, direto, intenso, movido por visões de mundo completamente opostas. E é nesse conflito que o filme se constrói, ajudado por uma trilha sonora impactante, mas também por ser uma leitura do tempo em que vivemos.

Fake news, teorias da conspiração, debates ambientais, relações de trabalho, drogas lícitas e ilícitas, modos de vida radicalmente diferentes - tudo passa pelo choque entre esses dois personagens. Os diálogos são afiados, por vezes longos, mas nunca dispersos. Há sempre uma tensão subterrânea que impede qualquer acomodação.

A ironia, marca do diretor, aparece tanto nos pequenos gestos quanto na construção de algumas situações claramente exageradas, mas nunca gratuitas. Mesmo nos momentos mais agudos, o roteiro trabalha com inteligência, equilibrando humor ácido e densidade emocional. E o suspense, bem dosado, funciona como motor permanente: respostas surgem e, imediatamente, novas perguntas entram em cena, criando uma sensação de renovação constante do perigo.

É importante avisar: "Bugonia" tem violência e cenas de tortura. Algumas são bem pesadas, não gratuitas, mas certamente não recomendadas para espectadores mais sensíveis. O filme sustenta uma densidade emocional marcante, que acompanha o público mesmo nas pausas de silêncio, que aparecem como frescor no meio do caos.

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Sem spoilers, é importante dizer que, ao contrário de outras obras mais abertas de Lanthimos, este não é um filme que deixa lacunas para o espectador preencher sozinho. O roteiro oferece respostas claras para praticamente todas as dúvidas. Isso não significa que o final vá agradar - e talvez nem seja essa a intenção. Há uma ironia fina ali, quase cruel, que serve como ponto final e comentário derradeiro sobre tudo o que vimos.

"Bugonia" não é uma película que passa sem deixar rastros. É provocadora, incômoda e, sobretudo, muito consciente do mundo que satiriza. Lanthimos mais uma vez entrega algo que só ele saberia filmar.

 

"Bugonia"

Quando e onde: Ingresso.com

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