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Bate-pronto com Sepideh Farsi
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Bate-pronto com Sepideh Farsi

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Sapideh Farsi foi presa aos 16 anos, por esconder uma colega da escola, dissidente do regime, durante os massacres no Irã entre 1981 e 1982 (Foto: Aris Ramos)
Foto: Aris Ramos Sapideh Farsi foi presa aos 16 anos, por esconder uma colega da escola, dissidente do regime, durante os massacres no Irã entre 1981 e 1982

O POVO - No seu filme você diz que sabia que cada conversa com Fatem poderia ser a última. Quando você soube da morte dela e como isso te afetou?

Sepideh Farsi - Não foi uma morte. Foi um assassinato, um ataque direcionado à casa dela pelo exército israelense. Ela foi morta na noite do dia 16 de março. No dia 15 tivemos nossa última conversa, quando contei sobre a seleção do filme em Cannes. Nós estávamos planejando levá-la ao festival, e ela tinha aceitado vir. No dia seguinte um colega me enviou a notícia e eu não acreditei. Fiquei em negação, ligando para ela o tempo todo. É uma perda enorme. Não entendo o porquê. Quem decidiu cometer esse crime? Matar uma pessoa só porque ela fazia fotos… isso não é "coisa da guerra". É um crime contra a humanidade. Mataram ela e toda a família simplesmente porque ela fotografava. Ela era uma
pessoa extraordinária: fotógrafa, poeta, escritora, um ser humano incrível. Então, faço o máximo que posso para acompanhar o filme e compartilhar a mensagem dela
com o mundo, para tentar preencher o vazio que ficou após sua ausência.

OP - A mídia ocidental quase nunca humaniza o povo palestino. Vemos bombas e destroços, mas não vemos pessoas. Para enxergar vidas palestinas, muitas vezes dependemos de filmes como o seu. Quais são os desafios de criar imagens de Gaza, e qual é o papel do cinema nesse contexto?

Sepideh - É exatamente aí que meu filme se posiciona. A mídia não tem feito seu trabalho. Há um processo enorme de desumanização e apagamento dos palestinos das narrativas. Eu tentei preencher essa lacuna, mas do jeito que a arte faz. No cinema temos tempo, e isso é fundamental. As notícias são rápidas, parciais, controladas. O cinema permite liberdade, profundidade, a chance de conexão humana. Quis devolver humanidade a ela e aos palestinos, e colocar o público na minha posição. Não podemos entrar, eles não podem sair. É como um campo de concentração. O formato também é essencial. O filme foi feito de maneira muito minimalista porque era a melhor forma de expressar a fragilidade dessa conexão.

OP - Nesta semana falei também com Jafar Panahi sobre ditaduras e violência de Estado. Ele disse que o filme dele é sobre o Irã, mas também sobre o mundo. Você, como uma cineasta iraniana fazendo um filme sobre Gaza, de que forma seu filme fala do mundo para além de Gaza?

Sepideh - Meu filme fala além de Gaza porque minha própria vida está ali. Eu compartilho minha experiência com Fatem. Fui presa no Irã, depois impedida de estudar, e acabei deixando o país. São experiências muito diferentes das dela, mas com pontos em comum. E isso vale para o mundo. Pessoas vivendo sob ditaduras reconhecem procedimentos semelhantes. É por isso que precisamos compartilhar experiências, criar uma cadeia de solidariedade através da arte. Não impede que tragédias aconteçam, mas gera consciência. E não é algo distante— até nos EUA hoje há ataques graves à liberdade de expressão. Estamos vivendo um momento muito peculiar da história humana, e precisamos estar conscientes de que nada nos protege totalmente, nem mesmo as democracias ocidentais.

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