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Teatro musical se expande Brasil e ganha as escolas do Ceará
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Teatro musical se expande Brasil e ganha as escolas do Ceará

Fruto das operetas europeias, as peças musicais ganham destaque no Brasil. Em 2025, montagens ficaram no centro do mercado com plateias lotadas e repercussão
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Mel Lisboa em "Rita Lee - Uma autobiografia musical"
 (Foto: Priscila Prade/Divulgação)
Foto: Priscila Prade/Divulgação Mel Lisboa em "Rita Lee - Uma autobiografia musical"

"Sem uma canção ou uma dança, o que seria de nós? Então, eu digo, obrigada pela música, por ter me dado ela". Os versos da banda sueca ABBA ecoam como uma síntese do que move o teatro musical: o encontro entre voz, dança e atuação para compartilhar histórias.

O gênero se desenvolveu no século XIX com as operetas europeias, mas ganhou força nos Estados Unidos com a peça "Show Boat" (1927). As informações constam na Revista Música Hodie, periódico científico especializado no segmento. Trabalho consolidado a partir da parceria entre o compositor Richard Rodgers e O letrista e dramaturgo Oscar Hammerstein II. O sucesso da parceria guia o atual formato de teatro musical.

No Brasil, os musicais ganharam força no fim do século XIX com o "Teatro de Revista", mas a primeira adaptação de uma peça da Broadway foi "Minha Querida Lady" (My Fair Lady), com Bibi Ferreira e Paulo Autran. Em meados dos anos 1960, o teatro nacional passou a investir em produções originais brasileiras, como "Roda Viva" e "Ópera do Malandro".

Apesar do declínio do número de produções durante os anos 1980 e 1990, no começo dos anos 2000 o gênero retomou o destaque sob os palcos brasileiros novamente, com produções como "A Chorus Line" e "Hair"

Enquanto brasileiros se destacam no Exterior, o País acumula talentos que atuam nacionalmente e levam uma legião de espectadores aos teatros. Com os atores compartilhando as rotinas nas redes sociais e temporadas estendidas, é cada vez mais perceptível o esforço físico e psicológico necessário para se manter nos palcos.

Foi sobre essa dedicação que o ator, cantor e dançarino Sérgio Blur falou ao O POVO. O fortalezense construiu sua base no curso de graduação em teatro da Universidade Federal do Ceará e, desde então, se dedica ao teatro musical. Seu primeiro espetáculo foi "Fora do Ar".

Para adicionar a dança na formação, ele ingressou no curso técnico da escola de formação Porto Iracema das Artes, instituição da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult). "Costumo dizer para todo mundo aqui que a gente tem um polo de formação de artistas em Fortaleza muito aquecido, muito forte".

A opinião é compartilhada pelo produtor André Gress, que trabalhou em Fortaleza gerindo a escola The Biz. Para ele, a Cidade "se encontra ainda em um espaço de muito entusiasmo, porém é muito difícil produções ficarem em cartaz", como ocorre no eixo Rio-São Paulo.

"São pessoas que são ávidas, que querem muito fazer isso acontecer, mas pouquíssimos lugares no Brasil têm o investimento e muito do conhecimento para fazer isso acontecer", elenca André.

A formação de Sérgio em Fortaleza o levou a alcançar o posto de "swing" na terceira montagem brasileira de "Wicked", em cartaz até 21 de dezembro no Teatro Renault, em São Paulo. "Swing" é o termo técnico usado para designar o ator/atriz que substitui qualquer membro do coro, para evitar desfalques no elenco.

"Eu sou responsável por cobrir 11 membros do elenco masculino. E, nesta temporada de Wicked, já cobri todas. Já consegui fazer tudo que eu poderia fazer ali dentro", celebra.

"O teatro musical é uma orquestração de muitas frentes", assim define a atriz e cantora Gabriella Di Grecco. A artista, que atua em musicais desde 2013, interpretou a Lydia Hillard na montagem de "Uma Babá Quase Perfeita", que ficou em cartaz entre março e maio deste ano.

Para a personagem, Gabriella teve que incorporar uma adolescente dos anos 1990. Mesmo aos 36 anos, ela não poupou esforços para imergir no universo de Lydia, seja por meio das músicas da época ou até estudando as formas como os jovens se comunicam.

"O primeiro passo desse trabalho foi recuperar a energia que eu tinha quando eu tinha 15 anos, que é a idade da Lydia dentro daquele contexto. E essa energia eu encontrei na música", explica.

"Voltei a escutar todas as músicas que eu escutava na adolescência. Meu repertório era muito rock e muito metal, então eu voltei a escutar The Offspring, Night Wish e Iron Maiden, para voltar essa energia", adiciona a atriz.

Ela passou a ter atenção a como os jovens se comunicam e produzem conteúdo, para entender esse universo e levá-lo para o palco. Di Grecco brinca que devem ter estranhado uma pessoa na casa dos 30 anos consumindo este tipo de conteúdo:

"Comecei a seguir muitos jovens na internet. Deve ser muito esquisito para os criadores jovens assim, da internet, uma mulher de 36 anos consumido o conteúdo deles, mas é para entender de fato esse universo, ficar por dentro", argumenta.

Veterana de espetáculos de teatro musical, Gabriella também abordou os desafios e lições que suas personagens lhe trouxeram. Em suas primeiras produções, ela interpretou "C", uma garota com esquizofrenia grave, do musical "Cinza", dirigido por Jay Vaquer, em 2015.

"A 'C' foi o meu primeiro contato com o personagem de profundidade e densidade dramática. Fiz um trabalho bastante profundo de psicologia, de psiquiatria, de psicanálise, para entender o que essas pessoas vivem, experienciam de fato", explica a atriz.

E a chave para entregar essas personagens ao público, ela defende, é a dedicação aos ensaios, que servem para integrar os elementos de canto, dança e atuação.

"Sem treinamento, isso não acontece de forma alguma. Para levantar um personagem, eu estudo o texto e entendo o cenário da peça. Já chegar com as minhas falas estudadas, para quando a gente começar a ensaiar meu foco vai nas orientações da direção, na música, nas marcações e na coreografia", finaliza.

Por trás das coxias

Até chegar ao resultado aguardado, as grandes peças musicais exigem um intenso trabalho de planejamento e logística. Gustavo Nunes, produtor-idealizador do "Djavan - O Musical: Vidas pra Contar" aponta que "relevância de conteúdo e impacto social" são os principais aspectos que busca abordar em seu trabalho.

Apesar de atuar na produção cultural desde 2008 e contar com espetáculos de "casa cheia", o profissional destaca que: "Os desafios para produzir um musical são muitos, e o financeiro é um dos maiores. Produzir ficou muito caro depois da pandemia, desde o pequeno até o grande projeto".

De acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas em 2023, em São Paulo, houve um investimento total de R$ 141,2 milhões na organização dos espetáculos. Além dos impactos financeiros, o setor gerou mais de 13 mil postos de trabalho, sendo 9,8 mil diretos e 3,2 mil indiretos.

Gustavo ressalta a importância de projetos como a Lei Rouanet para a montagem de espetáculos. "Realmente não é possível, ainda no Brasil, elaborar um projeto sem lei de incentivo. Não tem viabilidade financeira: por mais bem-sucedida que seja a bilheteira, ela não custeia o que o projeto requer", reforça.

Ele destaca a necessidade de diferentes profissionais para uma montagem. "Além do financeiro, há o desafio logístico: é preciso um planejamento enorme, gestão de custos e coordenação de muitas frentes — logística, marketing, administração, elenco, produção, materiais, cenário e ativações para patrocinadores", encerra.

Já em Fortaleza, Marcelino Câmara, diretor da Escola de Atores e Cia de Teatro Catavento, e referência no ensino da modalidade, explica que falta o financiamento: "O grande problema é apoio, é financiamento de produção. Para preparar uma cenografia de um teatro musical, isso requer uma demanda financeira muito grande".

 

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