Ed Sheeran sempre foi um artista identificado pela simplicidade. O violão, as apresentações sozinho no palco, as letras sinceras e a proximidade com o público estão com ele o tempo todo. É curioso, portanto, que justamente tal simplicidade seja a base de um dos projetos mais ousados de sua carreira.
O documentário musical "One Shot", lançado pela Netflix no final de novembro e realizado em Nova York em um único plano-sequência, é ao mesmo tempo uma demonstração de técnica extrema e de espontaneidade. O resultado é um filme vibrante e com energia da rua, que reafirma o motivo de Sheeran, aos 34 anos, seguir como um dos maiores astros globais, com dezenas de milhões de seguidores e uma trajetória consolidada.
A direção é de Philip Barantini, chamado especialmente para o projeto, responsável pela premiada série "Adolescência" e reconhecido pela sua habilidade com a câmera. Barantini traz para o documentário sua marca registrada, apesar da filmagem não ter sido de uma ficção e, sim, vida real. A combinação entre a sua visão e a disponibilidade total de Sheeran resulta em um experimento muito bem sucedido e bonito. O documentário não tem cortes, não tem retomadas e, ainda bem, não tem a ilusão da perfeição. Tudo depende do imprevisível, do público, do trânsito, dos ruídos, das decisões de última hora e, principalmente, do próprio artista, que precisou cantar seus grandes sucessos, interagir e atravessar parte da cidade.
É impressionante saber que o projeto inteiro teve apenas três gravações contínuas, três chances para que tudo desse certo. A equipe estimada em mais de mil pessoas (confesso que me assustei quando descobri esse número), transformou a cidade em um gigantesco cenário. A técnica beira o absurdo: trocas de operadores de câmera em escadas, drone mergulhando de prédios e voltando para o nível da rua, técnico de som escondido no porta-malas de um carro, comunicação improvisada por quadros brancos indicando "corre", "estende", "encurta", "sobe", "desce". Tudo isso para sustentar a naturalidade do protagonista.
E é justamente aí que o documentário brilha. A Nova York que aparece na tela não é apenas a dos cartões postais, mas da coincidência, da confusão boa e ruim, do trânsito bizarro, da vida rolando sem pedir licença. Gente atravessando a rua, turistas surpresos, fãs que reconhecem Ed no meio do caminho, casais vivendo sua própria história e, sem saber, se tornando parte do filme. Há muitos momentos ótimos, como o pedido de casamento, quando a noiva não faz ideia do que está para acontecer ou a entrada de Camila Cabello em cena, esperando dentro do carro um Sheeran agoniado após tocar de surpresa em um aniversário numa cobertura espetacular.
Até quando pequenos erros aparecem - câmera tremendo, um membro da equipe surgindo no quadro, mudanças de rota no metrô - nada prejudica o resultado, pelo contrário. A enorme pré-produção, longe de enfraquecer a espontaneidade, constrói a estrada para que a improvisação seja protagonista. O espectador percebe que existe um roteiro de percurso e algumas pessoas que obviamente estavam aguardando em determinado local, mas sem saber quem iria parecer. O cantor, sem rigidez de roteiro, conduz tudo com carisma e capacidade de improviso de quem passou anos cantando em pubs, e ele deixa sempre claro como tem orgulho dessa história.
No fim, "One Shot com Ed Sheeran", funciona como uma peça audiovisual rara e alegre, um frescor necessário e que até merecia mais do que apenas 60 minutos. É um recorte de tempo pequeno, um registro de um artista no auge que decide cantar olhando no olho das pessoas e se expor em uma cidade tão imprevisível, como encantadora. Não é um filme perfeito, nem poderia ser, mas é inovador e honesto, revelando mais sobre Ed Sheeran do que qualquer entrevista controlada. Vale cada segundo, pode confiar.