Natural de Fortaleza, Gabriele Gois Diniz - ou GG Diniz, como está estampado nos livros que publica -, se deparou com o universo da literatura desde cedo. Incentivada pela mãe, a dona de casa Lígia, e pelo pai, o professor e psiquiatra Tarcízio, ela viu nas obras literárias a possibilidade de conhecer histórias e, futuramente, poder contá-las.
Em entrevista ao O POVO, Gabriele conta que a leitura sobre crimes e mistérios foi o que mais lhe chamou atenção quando era pequena. Aos 14, ela começou a esboçar uma vontade de escrever e viu nas populares fanfics (termo em inglês para narrativas fictícias criadas por fãs), uma oportunidade de ter a escrita como profissão.
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Um dos textos publicados em inglês, em plataforma voltada a fanfics, atingiu 600 mil visualizações e viralizou. Ali, viu um primeiro retorno e incentivo para se aprofundar cada vez mais. "Aos 17 anos me arrisquei a escrever meu primeiro livro de ficção original, uma ficção cientifica", relembra.
A obra, entretanto, foi negada por uma editora. Em tom de brincadeira, ela agradece não ter sido publicada à época, pois não estava totalmente pronta. A negativa não a desanimou. Gabriele começou a explorar novas formas de escrita e entender assuntos diferentes, aspectos positivos para a carreira ainda iniciante.
Foi lendo os escritos de Octavia Butler, considerada a dama da ficção científica, que GG teve a sua maior inspiração: "Ela é negra e o estilo de escrita dela é muito parecido com o meu. Ela tem uma prosa mais direta". Outro modelo a ser seguido é Ursula Le Guin, autora que fala sobre problemas atuais em meio a ficção.
"Também tenho essa pegada. Claramente estou falando sobre temas sociais, culturais, políticos, que são caros, principalmente mudança climática", complementa. Gabriele fez curso técnico em Química no Instituto Federal (IFCE) e cursou a faculdade de Química Industrial na Universidade Federal do Ceará (UFC), com formação em 2023.
Embora nunca tenha atuado na área, a formação lhe agregou conhecimento. "Tanta coisa legal que aprendi estudando química, que influencia o jeito que eu escrevo", considera. Após atuar por dois anos como designer, hoje ela se dedica a literatura e equilibra com o trabalho freelancer em uma editora, além de também cursar Letras na Universidade Estadual do Ceará (UECE).
GG é autora de "A Diplomata" (2023), "O Colonizador" (2020), "Não Tem Wi-fi no Espaço" (2023) e "Raízes do Amanhã" (2021). Dois livros estão a caminho, além de publicações on-line. Para quem deseja começar a escrever, ela aconselha: "Paciência e gostar de escrever. A maior parte do trabalho do autor é escrever". A constância na escrita é o segredo para o sucesso, compartilha.
A história de Gabriele ensina a não desistir no primeiro não, e ir se aprofundando e construindo referências. Assim, um escritor pode evoluir. "O que você quiser escrever vai ter gente querendo ler, toda obra tem o seu público. Tem muita gente interessada em ler coisas novas, em entrar em contato com literaturas diferentes. Escrever o que a gente tem vontade. Os leitores virão", conclui.
Agora, o foco da escritora está voltado para terminar de rascunhar a primeira sequência do livro "Diplomata 2", com início e fim já definidos. Na nova produção, GG planeja explorar mais sobre questões que ficaram abertas no primeiro. A obra deve ser finalizada em 2026.
Um futuro positivo de se imaginar
Co-criadora do Sertãopunk, ela explica que o gênero “nasceu meio ao avesso” em comparação a movimentos culturais conhecidos. A ideia de inventar um novo universo literário ao lado de mais dois autores, Alec Silva e Alan de Sá, foi desenvolvida em um conceito principal que leva o afrofuturismo como ponto de partida.
O movimento cultural e artístico foi criado para reimaginar o futuro a partir de uma perspectiva das pessoas negras, com ficção, fantasia, mas também elementos das culturas africanas. "Nós três somos negros e a gente pensou: não tem como a gente imaginar o futuro do Nordeste se a gente não imaginar as pessoas negras, como a cultura negra influencia na cultura do Nordeste", elabora.
O segundo pilar consiste no movimento Solarpunk, ideia que projeta um futuro onde a tecnologia e a natureza coexistem, tendo a sustentabilidade e o otimismo como base.
O realismo mágico foi o último pilar pensado. O estilo artístico mistura elementos do cotidiano com fantasia, apresentando o extraordinário em algo comum, do dia a dia. Essa ideia surgiu na América Latina, sendo mais próxima para adaptação ao Nordeste.
O conto "O Sertão Não Virou Mar" deu início ao movimento literário, que repercutiu positivamente na carreira de Gabriele. "Inclusive fui a primeira pessoa que fez algo no Sertãopunk. A gente chegou no ponto que as pessoas estavam se interessando pela ideia, mas não tinha assim um exemplo concreto do que seria".
"O Sertãopunk é sobre o Nordeste Plural. A gente queria que as pessoas pudessem realmente falar como elas vivem, no que é da realidade delas. O Nordeste é uma região enorme, com muitos sotaques, muitas cidades, muitos estados, muitos biomas. Explorar tudo isso sem essa visão única". A criação do conceito nordestino tenta combater uma barreira geográfica que dificulta o mercado literário no País: "Infelizmente o mercado literário ainda está muito concentrado no eixo Rio-São Paulo".
Embora a situação tenha melhorado, com a região tendo mais visibilidade, ela comenta que ainda existe muito progresso para acontecer. Com as publicações independentes e plataformas como a Amazon permitindo vendas de e-books, a expansão do mercado acabou sendo facilitada e a abrangência do conteúdo também aumentou.
Gabriele projeta um futuro com mais editoras de peso na região nordestina, como uma forma de descentralizar. Politicas publicas voltadas para o incentivo a literatura também foram citadas pela escritora. "Eu acho que isso seria a solução real para o problema, mas no curto prazo, realmente, editoras de São Paulo, Rio de Janeiro, estarem publicando autores nordestinos".
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