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O POVO apresenta conto "O milagre na serrinha de Santa Maria", do escritor Bruno Paulino
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O POVO apresenta conto "O milagre na serrinha de Santa Maria", do escritor Bruno Paulino

O POVO apresenta o processo criativo por trás do conto "O milagre de Natal na Serrinha de Santa Maria", escrito por Bruno Paulino e ilustrado por Carlus Campos
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  (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos
 

 

Nem toda celebração precisa ser barulhenta. Há momentos importantes da vida cuja verdadeira comemoração encontra seu significado na paz, presença, reflexão, simplicidade. Nas emoções internas, enfim. Como uma graça inesperada ou um instante de conexão profunda, sem precisar de alarde ou plateia.

Para nos tocarem, o que algumas histórias pedem de nós é apenas tempo e silêncio. “O milagre de Natal na Serrinha de Santa Maria”, escrita por Bruno Paulino e ilustrada por Carlus Campos, é uma delas.

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Especial publicado nesta terça-feira, 23, na plataforma de streaming O POVO apresenta um conto em que palavra e imagem se encontram para lembrar que a festa também pode acontecer como a árvore acesa no alto da serrinha: longe do ruído, firme apenas na luz que sustenta.

 

 

O milagre nasce de um território real e simbólico: a Serrinha de Santa Maria, em Quixeramobim, no Sertão Central do Ceará, a 186 quilômetros de Fortaleza.

“É um lugar que tem um imaginário poético muito rico na região”, narra o escritor Bruno Paulino, que é quixeramobinense e conhece bem a vista.

Ele lembra que José de Alencar, “nome basilar do romance brasileiro”, ambienta parte de O sertanejo (1875) nessa geografia, “inclusive com narrativas mirabolantes como as histórias dos bois encantados”.

 (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos

E se no topo da árvore de Natal brilha uma estrela, no topo da serra acende-se a clareira de um lume verde. É desse lampejo que surge a personagem central do conto, dona Lúcia.

Ela foi inspirada em uma figura real que o autor conheceu anos antes, quando interagiu com moradores da serrinha durante uma expedição entre amigos.

“Era período natalino e ela havia construído uma árvore de Natal toda a partir de garrafas PET recicladas. Os enfeites também eram todos feitos de materiais recicláveis. Aquilo me chamou muito a atenção”, conta.

 (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos

Bruno puxou conversa e a senhora se mostrou alguém que vivia a própria companhia, sem acesso nem mesmo à internet: “Ela disse que não gostava, que não perdia tempo com nada que não a entretesse, que não fosse recíproco a ela. Mas que não era uma pessoa sozinha e nem infeliz”.

“Preferia, em vez de estar na internet, dar água e comida aos bichos. A casa dela era visitada por vários animais remanescentes da fauna da serrinha. A gente encontrou macacos no quintal dela. Eu fiquei encantado. Uma personagem dessas você não pode perder a possibilidade de um dia transformá-la em uma matéria literária”, descreve.

A narrativa se constrói, então, a partir de gestos, do silêncio e da rotina aparentemente simples. Bruno Paulino associa essa escolha à sua formação espiritual e literária.

 (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos

Devoto de Santa Teresinha do Menino Jesus, ele se apoia na noção de que “não existe gesto pequeno”. “Nenhuma ação é pequena se a finalidade daquela ação for o amor”, resume.

Soma-se a isso a influência de “um grande mestre da poesia e literatura brasileiras”, Manuel Bandeira: “Eu gosto de observar a poesia do ordinário, do dia a dia, do cotidiano”.

O silêncio, no texto, não é ausência. Para o escritor, é matéria. “Eu gosto de personagens que preenchem as narrativas com silêncios”, afirma.

 (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos

E acrescenta uma reflexão que atravessa o tempo presente: “Muitas vezes, o silêncio é a resposta. É uma coisa que tem nos faltado hoje, na sociedade pós-industrial. O silêncio é um grande luxo”.

A árvore de Natal feita de materiais recicláveis assume valor simbólico no enredo. “Tem um significado importante de que a gente possa dar importância às coisas desimportantes, como diria o poeta Manuel de Barros. Que a beleza das coisas não está na sua aparente utilidade, mas na importância que a gente dá a elas”, expressa.

Para ele, esse é um símbolo para se pensar o Natal: “O que é importante no período natalino? É uma pergunta que quase todo mundo se faz”.

 (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos

O questionamento se amplia quando o escritor fala de milagres. Ele recorre a Guimarães Rosa para contemplar que “os milagres acontecem a todo momento” e que “o cotidiano está cheio de pequenos milagres”. O desafio é aprender a vê-los.

A natureza simples, sábia e generosa do povo sertanejo atravessa a narrativa. “Eu sou, sobretudo, apaixonado pela ética do povo sertanejo e pela pureza da sua fé. Quando eu me encontro com um sertanejo, eu nunca sou professor, só sou aluno.”

No centro, o contraste entre tempos e modos de viver o Natal. Um contraponto aos dias atuais: “ruidosos, barulhentos, mercantilizados, expositivos”.

 (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos

Ao fim da leitura, Bruno espera que o leitor perceba que a vida “não precisa de grandes guinadas, nem de viradas épicas para continuar fazendo sentido”.

“E que, apesar de todos os contratempos, a vida vale muito. Ter essa compreensão de que a vida segue em frente é o grande milagre”, finaliza.

 

 

Coube ao ilustrador Carlus Campos traduzir visualmente a narrativa — o que não foi difícil. “O desafio fica fácil quando me encanto com o texto”, revela o experiente artista.

O processo foi conduzido pelo encantamento e a primeira imagem surgiu de imediato: “A casinha de dona Lúcia”.

Uma descrição de Bruno sobre as paredes foi suficiente para conectar a mente de Carlão, como é conhecido, às memórias de casas de interior onde morou na infância.

 (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos

A partir daí, os traços e as cores vão fluindo num lindo encontro entre palavra e imagem.

Mesmo após décadas ilustrando para o jornal, Carlus ainda vê cada texto como um recomeço.

“Ilustrar um conto é sempre uma experiência nova. No texto literário há mais liberdade e o ilustrador pode trabalhar com subjetividades.”

Para a diretora de jornalismo do O POVO, Ana Naddaf, que participou da concepção do especial, esse “mimo” em forma de narrativa captura o espírito de celebração e renovação da época natalina. O traço autoral de Carlus Campos, por sua vez, “é o laço final deste presente”.

“A escolha foi por um conto na sua melhor essência natalina. Não necessariamente como o clássico de Dickens, com personagem rabugento, nem o fantasioso de Hoffmann, com bonecos e ratos. Mas uma história que viesse do sertão, com cheiro de facheiros, de paredes queimadas de sol, de uma personagem que poderia ser convidada a estar à mesa de Natal conosco”, contempla.

A proposta, acrescenta o editor-chefe de Design, Gil Dicelli, foi “narrar um conto genuinamente nordestino — inédito, regional e profundamente ligado à nossa identidade e ao nosso jeito de celebrar”.

Neste especial, imagem e palavra foram pensadas como gesto de afeto. Texto e ilustração pensados como um presente poético.

Os dois elementos “caminham juntos para contar essa história, enquanto o design costura tudo como um livro”.

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