Entre compromissos fechados e planos idealizados há um ano, 2025 foi, definitivamente, um período de reestruturação das dinâmicas comuns aos processos políticos por todo o Ceará.
Com o início de uma nova gestão municipal em Fortaleza, a capital acompanhou movimentações administrativas e sociais que devem prever o que a população irá receber nos próximos anos.
Nesta etapa, bairros fora do eixo central da Cidade foram evidenciados e a promessa é que a visibilidade artística e cultural em todas as 12 regionais seja contemplada no já popular plano de descentralização.
O interior cearense também foi destacado durante o ano que se conclui nos próximos dias, com fluxos e projetos no âmbito federal e estadual pensados em ampliar a atuação de políticas públicas em prol da arte pelo Estado.
Do litoral ao sertão, mudanças, regressos e realizações marcaram este ano no Ceará. A poucos dias de 2026, o Vida & Arte rememora alguns dos fatos que marcaram 2025 e que não devem ser esquecidos pelos cearenses.
Descentralizar como propósito
Na administração municipal, 2025 demarcou o primeiro ano da gestão de Evandro Leitão (PT) como prefeito de Fortaleza, este que nomeou Helena Barbosa - ex-superintendente do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC) - como nova titular da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor).
Com o projeto de descentralização das atividades e ações da pasta por toda a Capital, a secretaria enfrentou dilemas e comparações com a coordenação anterior e grandes expectativas para eventos tradicionais no calendário cultural, como o Ciclo Carnavalesco, o São João e o Réveillon.
Com a justificativa de não haver "informações no momento do relatório de transição" entre uma gestão e outra, as movimentações iniciais da pasta cultural liderada por Helena sofreram atraso ou foram realizadas em caráter de urgência. Ao O POVO, após completar o primeiro mês no cargo, a gestora detalhou o prazo de 30 dias para o planejamento e execução do Ciclo Carnavalesco na Capital - evento este que contou com shows no Conjunto Ceará no Pré-Carnaval e eventos em polos nas 12 regionais.
Marcando o lançamento do lema da atual administração, a descentralização das ações culturais seguiu durante o mês de junho, com a abertura do São João no bairro José Walter e apresentações dos festejos juninos por diversos outros bairros. No período de férias, o Festival Bora - anteriormente intitulado Férias na P.I e renomeado a partir da proposta de abranger novos espaços - também se colocou como realizador de atividades culturais por locais em Fortaleza.
Promovido pela Secultfor em parceria com o Instituto Cultural Iracema (ICI), o evento gratuito levou shows musicais, painéis, rodas de conversas com artistas e atividades sociais e culturais pela Barra do Ceará, Titanzinho, Praia de Iracema, Centro e Grande Mucuripe.
Celebração ansiosamente aguardada por turistas e fortalezenses, o Réveillon de Fortaleza conclui o primeiro ano do projeto de dispersão de ações pela capital cearense. O evento, que determina Fortaleza como o 9º destino do País mais buscado por viajantes brasileiros, este ano está sob a responsabilidade da Secretaria Municipal do Turismo (Setfor), e se mantém na proposta
de descentralização,
com atrações musicais no Conjunto
Ceará, além do tradicional palco
no Aterro da Praia de Iracema.
Ocupar e persistir
Uma cidade com mais de 2,5 milhões de habitantes, os cidadãos de Fortaleza se veem limitados aos espaços públicos e equipamentos culturais que repetidamente são cercados, modificados e interditados dentro de um plano de melhorias que nem sempre vai se concluir.
Neste ano que se encerra, no entanto, a capital cearense viu obras serem entregues, locais voltando ao circuito e uma população ansiosa em ocupar aquilo que lhes é de direito.
Na primeira semana de 2025, os visitantes do Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) foram surpreendidos com o fechamento repentino do espaço localizado no Centro, um dos principais palcos para artistas independentes e estreantes de Fortaleza.
Visando uma reforma estrutural e reconfigurações dos ambientes, o equipamento retornou com a programação no mês seguinte e, atualmente, foi renomeado para Banco do Nordeste Cultural (foto à direita), seguindo com agenda múltipla nas unidades de Fortaleza e Juazeiro do Norte.
Outro espaço que passou por reparos ainda no primeiro semestre foi o Centro Cultural Belchior (CCBel), na Praia de Iracema. Nomeado em homenagem a um dos compositores de maior destaque da música cearense, o equipamento se fixou como polo musical na orla e, desde a reabertura, recebeu programações de eventos variados - como o aniversário de Fortaleza, em abril, e os festivais Bora, em julho, e Elos, em dezembro.
Distante dos olhos da população geral, o Teatro Antonieta Noronha foi reinaugurado após seis anos. Instalado nas dependências da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), o local também abriga o Memorial da Resistência e está sob a gestão da multiartista Silvia Moura - que também assume o Teatro São José e traz como objetivo da condução dos dois equipamentos o "funcionamento pleno".
Com 51 anos de história, o Teatro Carlos Câmara também foi um dos agraciados com a conclusão da reforma e requalificação. A estrutura no Centro, ao lado do Centro de Turismo do Ceará (Emcetur) e do Complexo Cultural Estação das Artes, recebeu R$ 1,7 milhão de investimento para a obra e deve se posicionar como área de aproximação do turista com a produção artística de Fortaleza.
Longe do grande centro
Em meados de setembro, o Vida&Arte publicou que, dos 184 municípios do Ceará, apenas 49 possuem secretaria exclusiva para a Cultura. O dado aponta que, nos locais onde não há essa especificidade, ações de estruturação e planejamento de equipes e políticas públicas em prol de atividades culturais são mais desafiadoras devido ao conflito entre outras áreas, como Esporte, Lazer, Turismo, Juventude e Desporto.
A ausência de destaque para a Cultura afeta a produção e fomento de artistas do interior cearense, que apontam a falta de espaços voltados para a formação e apresentação, infraestrutura precária e a dificuldade em obter recursos para manutenção das atividades.
Em documento enviado ao O POVO, o Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura (Secult), antecipou o compromisso em "descentralizar os investimentos" a partir de iniciativas de "sustentabilidade própria" para o desenvolvimento cultural nos municípios interioranos.
Já na região do Cariri, o Ministério da Cultura (MinC) deu início, em julho, ao projeto de "índice de maturidade de territórios" para a economia criativa, que traz como proposta a qualificação da produção regional com foco na exportação da cultura brasileira.
O plano reúne lideranças e articuladores da economia criativa para alinhar demandas e projetar o fortalecimento e desenvolvimento sustentável desde a criação e comercialização até o consumo de bens e serviços produzidos no interior do Estado.
Quanto custa um legado?
Sérvulo Esmeraldo (1929-2017) é, de fato, o principal nome da arte do Ceará. Referência e inspiração para artistas de renome e estreantes pelo Estado, o "Menino do Crato" conquistou terras
nacionais e internacionais com as suas múltiplas formas e possibilidades
do fazer artístico.
Tamanha grandeza, no entanto, não é motivação para que suas obras sejam asseguradas pelo poder público. Somente em 2025, duas construções de Sérvulo sofreram com o desgaste e a desmemória do povo e de órgãos que deveriam protegê-las.
Em julho, "La Femme Bateu" foi danificada um ano após a reinstalação na Ponte dos Ingleses, na Praia de Iracema, a qual
teve estrutura prejudicada em 2018 devido a uma ressaca do mar. À época, a Secultfor definiu a "recuperação da escultura ainda este ano", junto ao "planejamento e catalogação das obras artísticas situadas em
espaços públicos
de Fortaleza".
Na região oposta, no bairro Edson Queiroz, um muro que cercava o Centro Administrativo Bárbara de Alencar (Caba), complexo que abrange prédios do Governo Estadual e está sob tutela da Procuradoria Geral do Estado (PGE-CE), foi destruído e substituído por gradil metálico (foto acima).
A construção datada de 1978 era de autoria de Sérvulo Esmeraldo e estava listada, junto a outras 36 obras, na solicitação de tombamento enviada em 2023 à Secretaria de Cultura do Ceará (Secult-CE) pelo Instituto Sérvulo Esmeraldo - organização que atua na preservação e memória do legado do artista e presidida por Dodora Guimarães, viúva de Sérvulo e curadora cultural.
De acordo com a PGE-CE, a derrubada do muro se deu por "comprometimento da estrutura e o risco de desabamento", além do desconhecimento de que a construção se tratava de "obra de arte". Da secretaria de cultura, foi informado que a "solicitação do pedido de tombamento das obras de Sérvulo Esmeraldo segue em análise pela coordenação da Secult-CE".
Como compensação, a Universidade Federal do Ceará (UFC) restaurou a escultura "Quadrados", instalada em 1987 na Praça Prisco Bezerra, na entrada do Campus do Pici da UFC. Um presente dado pelo artista à instituição de ensino superior, o reparo contou com melhorias na pintura e revisão do aço utilizado na obra.