O termo cênico é originário do grego "skene", que significa palco, tenda ou estrutura usada para a encenação. Desde que a representação dramática passou a ser reconhecida como prática artística estruturada na Grécia Antiga, o Ceará tem abrigado e sido um território fértil para suas mais diversas manifestações.
Entre festivais, prêmios, despedidas e recordes de público, 2025 foi um ano de contrastes e afirmações para o teatro e a dança no Ceará. Dos grandes palcos às iniciativas independentes, o período revelou tanto a força criativa da cena local quanto os desafios de circulação e formação de plateia no Estado.
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Em um caderno que revisita música, cinema, literatura e televisão, dedicar um recorte específico às artes cênicas se impõe quase como necessidade, vista sua transversalidade com as demais linguagens. Nesta retrospectiva, relembre efemérides, os altos e baixos e os momentos que marcaram o ano da produção cênica cearense.
Entre prêmios e troféus
Considerado o "Oscar do teatro brasileiro", o Prêmio Shell condecorou, em 2025, dois projetos cênicos cearenses. A artista cearense Jéssica Teixeira venceu a categoria Direção com o espetáculo "Monga", pelo Júri de São Paulo, e o Grupo Pavilhão da Magnólia ganhou o "Destaque Nacional" pela montagem "A Força da Água".
Promovido pela Academia de Artes do Teatro do Brasil, o prêmio Cenym destaca produções que se sobressaem pela excelência artística e técnica. Neste ano, o espetáculo "O Beijo no Asfalto", clássico de Nelson Rodrigues com direção do cearense Hiroldo Serra, foi indicado em seis categorias.
No campo da dança, destaca-se a criação do Prêmio Porto Iracema das Artes, que homenageou 12 artistas fundamentais para a consolidação e fortalecimento da dança no Ceará. Em sua primeira edição, a Escola entregou o troféu Poéticas da Criação para nomes como o professor Ernesto Gadelha, idealizador do Curso Técnico de Dança, e a bailarina Andréa Bardawil.
Em prol da dramaturgia
No rol de mostras de esquetes, festivais infantis e iniciativas independentes realizadas, Fortaleza sediou mais de dez festivais de teatro ao longo de 2025.
Entre eles, o Festival de Esquetes da Cia Teatral Acontece (Fecta) realizou sua 19ª edição em julho, com 34 apresentações, divididas por espaços como os teatros da Praia, Morro do Ouro, B. de Paiva e Vila das Artes.
Com o tema "Fortaleza dos Coletivos: Entre Cenas e Memórias", a 16ª edição do Festival de Teatro de Fortaleza se espalhou pela Cidade entre 31 de agosto e 12 de setembro. Foram 37 espetáculos teatrais, com dois convidados nacionais, dois convidados locais e duas performances, ao longo dos 13 dias.
A Capital também recebeu a 23ª edição da Mostra Brasileira de Teatro Transcendental, entre os dias 2 e 5 de outubro. O evento aconteceu no Teatro RioMar Fortaleza, com seis espetáculos gratuitos dos gêneros infantil, drama e comédia, unindo arte, reflexão e espiritualidade.
Também em outubro, a Caixa Cultural Fortaleza recebeu a 14ª edição do Festival Internacional de Teatro Infantil do Ceará (TIC), que incluiu espetáculos nacionais e internacionais, oficinas e rodas de conversa, com acesso gratuito.
Existente desde 2003 e se consagrando como um dos mais longevos do Ceará, o Festival Nacional de Esquetes Bivar de Teatro realizou sua 22ª edição entre os dias 8 e 13 de dezembro, em Fortaleza.
Ao reunir 25 grupos na Mostra Competitiva e mais seis na Mostra Paralela, o festival levou arte, debate e formação para periferias que fogem do circuito central da Capital.
Dança em foco
No campo da dança, o Ceará foi marcado pela realização da XV Bienal Internacional de Dança do Ceará, entre os meses de outubro e novembro. Com 30 espetáculos, ações formativas e entrada gratuita, o evento levou companhias de dança locais e nacionais para as cidades de Fortaleza, Paracuru, Trairi, Baturité, Guaramiranga, Itapipoca, Pacatuba e Pacajus.
Descentralizando a expressão cênica da Capital, o Festival Internacional Semana Dança Cariri também celebrou sua 15ª edição nas cidades. De acesso gratuito, a programação contou com 23 espetáculos, com obras internacionais, nacionais e regionais, e performances, além de residências artísticas na área da dança.
Priorizando a vertente formativa, o Festival Internacional de Dança (Fendafor) também celebrou seus 25 anos, ocupando os palcos do Theatro José de Alencar e do Teatro Dragão do Mar. Apesar de ter suspendido a Mostra Cearense de Dança, a programação manteve a Mostra Competitiva. Com acesso pago, o programa ofereceu uma grade de cursos e oficinas, ministrados por um time de profissionais composto por bailarinos do Brasil e do exterior.
Despedidas
No dia 3 de novembro, o Ceará se despediu de Janne Ruth, coreógrafa, bailarina e assistente social cearense. Aos 63 anos, a artista vinha tratando um câncer nos últimos meses.
Baiana radicada no Ceará, ela foi uma das alunas de Hugo Bianchi na década de 1970 e também foi aprendiz de Dora Andrade, tornando-se professora na Escola de Dança Dora Andrade, em 1977.
Entre as principais iniciativas de Janne estão a criação do Festival Internacional de Dança de Fortaleza (Fendafor) e do Festival do Conselho Brasileiro da Dança (CBDD Fortaleza).
A coreógrafa também formatou a Companhia de Dança Janne Ruth, em 1991, e criou o Grupo Bailarinos de Cristo Amor e Doações (Bcad), fundado três anos depois, no bairro Bela Vista.
Na dramaturgia, o Estado também perdeu Augusto César Barreto de Oliveira, o Augusto Bonequeiro. Natural de Pernambuco, ele construiu mais de 40 anos de carreira como humorista e ventríloquo e foi precursor do teatro de bonecos.
Reconhecido como Mestre da Cultura do Ceará, ele convivia com o diagnóstico de Parkinson desde 2013, tendo seu estado de saúde agravado após a pandemia de covid-19.
Sozinhos em cena
Em 2025, os palcos do Ceará também abrigaram diversos monólogos, com artistas conhecidos do audiovisual que sustentaram sozinhos o discurso e a ação em cena.
Entre alguns dos vencedores de bilheteria estão "O figurante", de Mateus Solano, "Prima Facie", de Débora Falabella, e alguns retornos de temporadas bem-sucedidas, como "Virgínia", de Claudia Abreu, "Eu de Você", de Denise Fraga, e "Ficções", de Vera Holtz.
Além da identificação da plateia, que gosta de explorar esse formato de conexão com o público mais intimista, a ocorrência também revela uma necessidade do teatro brasileiro. Impedidos de circular nacionalmente com cenário, banda e grandes produções, a ideia de estar solo no palco surge como uma possibilidade menos onerosa e que possibilita temporadas maiores e de maior amplitude geográfica.
Ainda nas tendências, a procura do público por musicais também despontou em 2025. O reflexo é o êxito de montagens como "Torto Arado - O Musical", "Rita Lee - Uma autobiografia musical" e "Djavan - O Musical: Vidas", estes últimos dois, autobiográficos.
Circulação em números
Os dados levantados de circulação e lotação em 2025 ajudam a dimensionar o alcance das artes cênicas no Ceará.
O Teatro RioMar, um dos principais palcos privados do Estado, sediou parte da circulação de produções nacionais que, mesmo em menor número de sessões do que os eventos locais, responderam pela maior fatia de público, somando mais de 56 mil espectadores entre janeiro e outubro.
Já os eventos locais, mais numerosos em sessões, reuniram cerca de 18,5 mil pessoas, revelando um cenário de intensa produção, porém com desafios na ampliação de público.
No campo público, o Cineteatro São Luiz se manteve como um dos principais arsenais culturais do Estado, equilibrando a presença de espetáculos locais e nacionais em teatro e dança.
Enquanto as produções nacionais somaram mais de 22 mil espectadores, os trabalhos cearenses reuniram cerca de 7,2 mil pessoas, reforçando tanto a força de atração das montagens de fora quanto a importância do Cineteatro para a formação de plateia e a sustentação da cena local.
Bate-pronto com Tim Oliveira
Entre as coxias e os palcos, Tim Oliveira construiu um olhar que atravessa teatro e dança no Ceará. Fotógrafo cênico há dez anos, ele acompanha de perto a circulação, os desafios e as transformações da cena local, registrando não apenas espetáculos, mas os movimentos de um ecossistema artístico em constante reinvenção.
O POVO - Para além de Fortaleza, como você avalia a circulação do teatro e da dança em outros municípios do Ceará?
Tim Oliveira - Quando analisamos a cena fora da capital, percebemos que o Ceará vive dois momentos bem diferentes ao mesmo tempo. Por um lado, temos algumas cidades onde o movimento das artes cênicas é expressivo, como Sobral, Juazeiro do Norte e Guaramiranga, com festivais, teatros físicos e grupos que atuam e movimentam a cena local. É inegável que esses polos se tornaram referência, mas, na prática, essa força acaba um pouco ilhada.
Esses coletivos enfrentam dificuldades na circulação de seus projetos para além da própria cidade e dos municípios vizinhos. O custo de logística é alto e falta uma estrutura viária que conecte melhor o Norte ao Sul do estado. Além disso, há uma carência na formação técnica e artística de profissionais da cultura. Muitas vezes sobra talento no palco, mas falta mão de obra técnica qualificada nos bastidores das cidades menores.
Tudo isso acaba impedindo que os espetáculos durem e circulem em temporadas mais sólidas. A gente cai, com frequência, na lógica do evento pontual ou do festival. O grande desafio segue sendo transformar essa efervescência em uma agenda constante, que permita ao artista do interior viver do seu trabalho ao longo de todo o ano.
OP - Como você avalia o impacto do funcionamento dos espaços públicos no ecossistema teatral da cidade?
Tim - No final de 2025, a sensação é de que finalmente recuperamos um certo equilíbrio estrutural. A reabertura do Teatro Carlos Câmara foi um respiro necessário, desenvolvendo um espaço de experimentação que faz uma ponte vital entre a grandiosidade histórica do Theatro José de Alencar e a imponência técnica do Cineteatro São Luiz. Com o Teatro São José também em funcionamento, temos hoje um circuito físico bastante desejável.
Neste ano, foram muitas estreias, intercâmbios e um movimento perceptível de retorno do público ao teatro, impulsionado por ações de formação de plateia realizadas pelos próprios equipamentos culturais. A máquina voltou a girar, a produção artística está pulsante e os espaços estão abertos.
O problema é que todo esse esforço parece esbarrar em um teto de vidro. A comunicação e a publicidade desses espetáculos e festivais ainda estão longe de ser efetivas. Muitas divulgações não chegam ao cidadão comum, o que dificulta o conhecimento e o acesso às estreias e temporadas.
O transeunte que passa em frente ao Carlos Câmara ou ao São José, muitas vezes, nem sabe que ali dentro há algo potente acontecendo, gratuitamente ou a preços bastante acessíveis.
É frustrante perceber que, mesmo com equipamentos de ponta, seguimos alimentando uma bolha. A divulgação costuma ficar presa aos algoritmos das redes sociais, circulando apenas entre quem já é do meio, basicamente "artistas fazendo teatro e dança para artistas".
Trazendo isso para a realidade do mercado publicitário, essa falha tem raízes profundas, tanto nos editais quanto nas estratégias adotadas. Muitas vezes, a verba destinada à rubrica de comunicação e divulgação é inexistente ou insuficiente para uma campanha que realmente fure a bolha.
OP - Na sua experiência acompanhando espetáculos ao longo dos anos, o que mudou na cena do teatro e da dança no Ceará, em 2025, em relação à presença de público e à circulação das obras?
Tim - Ao longo da última década registrando a cena, percebo que 2025 foi um divisor de águas. Saímos da fase da resistência para entrar em uma fase de profissionalização da circulação. Com a execução mais ampla das leis de incentivo, como a Paulo Gustavo e a Aldir Blanc, o que mudou, na prática, foi a escala.
Grupos que antes montavam espetáculos para temporadas curtas em Fortaleza, neste ano investiram em logística para circular pelo interior e até por outros estados. Como fotógrafo, sinto isso diretamente na demanda: a imagem deixou de ser apenas um registro de memória e passou a ser uma ferramenta estratégica de "venda".
Os grupos entenderam que, para circular em festivais nacionais, a qualidade visual do material de divulgação precisa ser tão consistente quanto a dramaturgia, os figurinos e a atuação.
Contudo, 2025 foi um ano de muitas produções cênicas, mas nem tanto de público. O dinheiro dos editais garantiu a circulação, mas muitas vezes vi grupos viajando para cumprir exigências burocráticas em cidades sem estrutura técnica ou divulgação local. Fora as grandes estreias e os festivais gratuitos, a bilheteria média ainda sofre.
Criam-se espetáculos visualmente incríveis, prontos para a circulação, mas ainda estamos girando em torno da mesma bolha de espectadores, sem conseguir romper o bloqueio do grande público pagante.