Quarta-feira, 19 de dezembro de 2018. No Centro de Eventos do Ceará, na Avenida Washington Soares, uma pequena multidão de gente importante. De elogios a tapinhas nas costas, uma noite toda para risos e contemporizações. Desembargadoras, juízes, prefeitos, deputados, senadores e o governador do Ceará.
Todos ali trajados a rigor e desimpedidamente aglomerados a testemunhar a diplomação de uma leva de representantes, novos e nem tão novos assim, escolhidos pelo voto popular.
O ano que ainda ecoa nos ares do cotidiano do País se despedia sem que Camilo Santana (PT) imaginasse, por exemplo, que o segundo mandato adquirido num triunfo avassalador, com quase 80% da preferência das urnas, lhe reservaria bons problemas.
A nomeação de um secretário linha dura fez com que ele tivesse de contornar, em 2019, duas ondas de ataques perpetrados por facções criminosas. Mais recentemente, em fevereiro de 2020, um motim policial também se imporia no horizonte do petista.
Movimento paredista que, no ápice do estresse, alojaria duas balas na caixa torácica do antecessor e principal apoiador, o senador Cid Gomes (PDT), enquanto o pedetista tentava investir sobre amotinados a bordo de uma retroescavadeira.
No plano nacional, o belicismo de Jair Bolsonaro impusera delicada derrota eleitoral ao Partido dos Trabalhadores (PT). Aclamado como o próprio Messias em ruas e aeroportos, e com um exército ativo e questionável nas redes sociais, o ultradireitista conseguiu expurgar os vultos vermelhos que por 13 anos ocuparam o Palácio do Planalto e a Esplanada dos Ministérios.
Mais do que isso. O presidente Bolsonaro não só derrotou a maior organização partidária de esquerda da América Latina, já desgastada, como ajudou a inserir muitos de seus adeptos nos espaços de poder.
De volta à Washington Soares no 19 de dezembro de 2018.
A voz grave do cerimonialista anuncia um dos abençoados de Bolsonaro. Atrás de Alcides Fernandes, pai e pastor evangélico, André sobe ao palco da solenidade e cumprimenta a então presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE), desembargadora Maria Nailde Pinheiro, com quem posa para foto ladeado por Alcides, a quem convocou para o retrato com o olhar.
André havia completado 21 anos há exatos nove dias e recebera um presentão. O passaporte rumo à Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE) não fora carimbado de qualquer modo. O jovem ganhara em número de votos entre os todos os candidatos. O 17777 fora apertado nas urnas por 109.742 mil vezes.
De maneira inesperada, ele deu sinais de que a irreverência e o polemismo conservador, suas marcas no YouTube, também lhe acompanhariam ao Legislativo. Bradou:
Lugar de bandido é na cadeia!
Recebeu vaias e aplausos. O governador, repetidas vezes classificado por ele como “frouxo” nos vídeos para a Internet, foi cumprimentado com um aperto de mão breve. Os dois olhares se puseram esquivos àquele momento. O cartão de visitas estava dado.
André Fernandes de Moura tem 22 anos. Nasceu na Região Centro-Sul do Ceará, precisamente em Cariús, a 37,4 quilômetros de Iguatu, município que também permeia a trajetória dele.
O bolsonarista poderia ter percorrido os trilhos da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Chegou a ser aprovado no concurso de praças da corporação. Concluiu, entretanto, que o certo a se fazer era tocar os estudos mirando o concurso de oficiais.
André Fernandes de Moura
Nascimento: 10/12/1997
Onde: Cariús (Região do Cariri)
Profissão: Não trabalhou
Pai: Pastor da Assembleia de Deus, Alcides Fernandes
Mãe: Vendedora, Marilene Fernandes
Não agarrou uma coisa nem outra. Enveredou pelo Marketing, mas também se dedica à Ciência Política. Mais recentemente, cursou um MBA em Marketing Digital e Gestão de Mídias na Universidade de Fortaleza (Unifor).
Ali, pelo relato de um colega dele, que não quis se identificar, sempre se manteve compenetrado. Participava das aulas, demonstrava educação e comedimento com todos os colegas e professores.
Uma conduta oposta à do adolescente do Colégio Ruy Barbosa, da rede filantrópica Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (Cnec), instituição que fechou ano passado. Três professores do jovem foram unânimes em ressaltar ao O POVO, sob condição de anonimato, o aluno completamente indisciplinado com quem tiveram de lidar.
Um deles até suavizou o relato: “Isso é muito comum entre os jovens, né?”. Outro, menos benevolente, disse: “Esse cidadão sempre foi meio problemático, causava alguns aborrecimentos com a direção.” O terceiro completou sobre a vida estudantil do garoto, que teria sido convidado a se retirar de pelo menos uma escola no Interior:
“Ele estudou com dois irmãos. Tinha uma irmã (Cinthia, mais velha) muito educada e um irmão trabalhoso como ele.” Este professor atribui o mau comportamento à hiperatividade.
Também cogita como agravante do rendimento estudantil a morte do irmão do meio, Andriel Fernandes, em acidente na garupa de uma moto. O sofrimento dele e da família o teria desconcentrado das aulas.
A produção de vídeos caminhava intensa desde 2014, com 16 para 17 anos, e o número de seguidores só crescia. Hoje, ele totaliza mais de meio milhão no site de vídeos. A pauta conservadora, embora indiretamente presente, não era o centro da produção para as redes.
Foi com causos da vida escolar e títulos como “mãe quando recebe visita”, “Wesley Safadão mito” e “desafio de chulipa entre amigos” que ele concentrou os primeiros fãs ao redor de si. “E aí, seus mundiça, tudo bem com vocês?”, dizia introdutoriamente.
A combinação entre a carreira de youtuber e, posteriormente, a militância ativa na política conservadora ainda rendem provocações ao deputado por parte de opositores.
Osmar Baquit (PDT), por exemplo, que vive às turras quase que diariamente com ele na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), menciona sempre que possível o vídeo em que o ex-influenciador aparece com uma lâmina de barbear, numa espécie de tutorial de depilação íntima. André já apareceu nas redes sociais com o objeto em mãos, em post bem-humorado, para enfatizar que não dá trela para o deboche.
Com a extensa bancada de 15 parlamentares que possui, o PDT de Baquit move na Assembleia a segunda ação no Conselho de Ética contra o deputado. Fernandes acusou indevidamente o colega Nezinho Farias (PDT) de ser membro do Primeiro Comando da Capital (PCC), motivo pelo qual deve ser suspenso por 30 dias das atividades do mandato. A denúncia vazia foi arquivada prontamente pelo Ministério Público do Ceará (MPCE).
Listen to "#81 - A quebra de decoro dos deputados no tribunal da Assembleia do Ceará" on Spreaker.
Via Twitter, onde também é presença constante, atribuiu a Baquit em maio de 2020 relação com a Quadrilha dos Pipocas, grupo criminoso com atuação em Quixadá especializado em assalto a instituições financeiras.
Baquit e mais quatro, de fato, são denunciados pelo MPCE por envolvimento em incêndios a rádios de oposição ao prefeito do município, Ilário Marques (PT), do grupo político do pedetista.
Mas não são réus porque o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que crimes não condizentes com o mandato devem ser julgados pelas comarcas, e não pelos Tribunais de Justiça. O caso desceu e a Justiça de Quixadá devolveu a denúncia ao MPCE.
O neófito bolsonarista havia encaminhado, via assessoria, prints do site JusBrasil e de supostas decisões em que o adversário aparecia como réu. Depois de O POVO ir ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) averiguar a história e, com base em informações oficiais, publicar matéria desmentindo a acusação, o jovem e a equipe compartilharam mensagens em que O POVO aparecia como mentiroso.
PSDB e Psol são outras legendas que se mexem para, agora, fazer valer uma lição, mas por outra razão: Fernandes acusou Dr. Cabeto, titular da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), de promover o falseamento de atestados de óbito de modo a elevar os casos de Covid-19 no Ceará.
Ao O POVO, o deputado já havia respondido não temer a cassação do mandato.
Com a imprensa em geral, mas principalmente com O POVO, Fernandes guarda uma relação de tensão e ataques, seguindo à risca o modo como Jair Bolsonaro lida com os profissionais de veículos como a Folha de S. Paulo ou a TV Globo.
Das principais jornalistas do País, a repórter Patrícia Campos Mello move processo contra ele por ataques dos quais foi alvo no âmbito da CPMI das Fake News.
Em 11 de fevereiro, o depoente Hans River prestara depoimento na Comissão Parlamentar, oportunidade em que sugeriu que a repórter teria oferecido sexo em troca de informações sobre a empresa de disparos em massa de notícias fraudulentas para a qual trabalhou.
Por escrito, o deputado não tardou a provocar: “Se você acha que está na pior, lembre-se da jornalista da Folha de SP que oferece SEXO em troca de alguma matéria para prejudicar Jair Bolsonaro. Depois de hoje, vai (sic) chover falsos informantes para cima desta senhora. Força, coragem e dedicação Patrícia. Você vai precisar”.
A alegação dele é de que os profissionais de imprensa o perseguem, que os supostos ataques a ele, já que bolsonarista, são parte de um plano sistemático de desconstrução desonesta do presidente. O deputado foi procurado para esta reportagem no próprio celular e pela assessoria. Não houve retorno conclusivo.
O assessor e amigo, Fagner Leandro, argumentou que O POVO sabe que tem perseguido o assessorado, mas ponderou que encaminharia a solicitação de entrevista a ele.
As investidas para entrevistá-lo foram das mais variadas. Os pedidos foram de chamada de vídeo à ligação telefônica passando, em último caso, por áudios enviados pelo deputado por meio do assessor.
Na foto de perfil do WhatsApp, André aparece com semblante satisfeito ao lado do presidente, nos encontros cada vez mais comuns na Capital Federal. Ele usa uma hashtag no espaço da conta destinado às frases: “#Bolsonaro2022”. Ele recebeu perguntas do O POVO neste canal.
"Como analisa o período de Assembleia?"; "Pode se arrepender do modo como sustenta alguns posicionamentos?"; "O YouTube e a política já lhe deixaram rico?"; "O que era a política eleitoral para você antes de Bolsonaro emergir como postulante à Presidência da República?"; "Em quem já votou?"; "No plano municipal, neste ano, vai apoiar Capitão Wagner contra o grupo político da família Ferreira Gomes?"; "Do trabalho da imprensa, o que mais lhe incomoda?"; "Na política, onde é que objetivamente você quer chegar? Um mandato federal? Uma disputa majoritária?"; "Quais são os seus medos?"; "Quais são suas dores?" Silêncio foi a resposta às perguntas enviadas.
Fernandes segue o modus operandi de Bolsonaro até no modo de encerrar coletivas. Junho de 2019, durante entrevista a jornalistas para oficializar ruptura com Freire, encerrou abruptamente a sequência de perguntas quando elas já lhe pareciam entediantes.
Em uma das sessões de votação do processo administrativo do caso Nezinho, no Salão Nobre da Casa, André posicionou o assessor para que filmasse sua saída. O profissional chamou repórteres do O POVO e do Diário do Nordeste que estavam à porta do gabinete de Audic Mota (PSB), recém-saído da votação, porque Fernandes estava prestes a deixar a longa reunião do Conselho de Ética.
A dobradinha entre os amigos resultou na pergunta de André, que de soslaio já havia reparado em uma presença indesejada: “Tem Jornal O POVO?”. Ao ouvir que sim, deixou os dois repórteres a ver navios. O vídeo foi postado nas redes sociais do parlamentar logo em seguida.
A lógica da perseguição também é o cerne da argumentação que aplica contra o plenário do Legislativo cearense. Resumidamente, e com base no que o parlamentar sustenta em depoimentos públicos, a narrativa endossada é a de um político que quer trabalhar para mudar o Ceará e o País, mas é tolhido pelo sistema.
Os colegas de Casa e os jornalistas seriam os pilares desta engrenagem que se moveria a fim de moê-lo. Nos dias de rotina na Assembleia, longe da tribuna, das bravatas ou de qualquer holofote, Fernandes é taciturno.
Chega discreto e interage bem com os colegas. Os diálogos fluem com naturalidade. Ele já disse que não vê eficácia substancial em votações enfadonhas que aprovam nomes de rua, mas mesmo assim comparece às sessões.
Vaidoso, usa ternos bem cortados e sapatos brilhosos. O modo de andar transmite qualquer coisa de autoconfiança. O peito é estufado e os braços, semiabertos. O cabelo, regularmente cortado, tem as laterais em degradê, penteado usual entre jovens.
No Plenário 13 de Maio, ele se senta próximo a Delegado Cavalcante (PSL), um amigo para chamar de seu, e dos governistas Leonardo Araújo (MDB) e Bruno Gonçalves (PL), com quem entabula conversas descontraídas. Escuta atento o pronunciamento dos colegas quando a discussão lhe interessa.
E demonstra muito respeito ao presidente da Assembleia, o deputado estadual José Sarto (PDT). Quando se envolve em brigas com deputados à esquerda, pronuncia com energia as iniciais das legendas às quais os inimigos da hora pertencem: “pe-tê”, “pê-ce-do-bê”, "pe-dê-tê."
O Psol não entra nesta conta, porque Renato Roseno, único representante da legenda, nunca entrou em conflitos abertos e efusivos com o novato.
Era agosto de 2019 quando o socialista conseguiu convencer colegas a aprovar projeto de lei que limita a quantidade de balas por lote, de modo a viabilizar a elucidação de crimes via rastreio de munições, André Fernandes e Vítor Valim (Pros) – apresentador de programa policialesco na TV – foram contrários.
A votação havia encerrado e o jovem se aproximou para cumprimentar Roseno e dizer que não poderia votar a favor do projeto. Suas redes pipocavam àquela hora em repúdio ao que estava sendo proposto por um esquerdista. “Eu sei, você tem seu público”, respondeu Roseno.
Se sua presença na Casa tem sido sinônimo de confusões, o ingresso na política institucional, por outro lado, também significou melhora financeira na vida. O Onyx, um modelo da Chevrolet, usado na campanha de dois anos antes, foi aposentado por uma Toyota Hillux SWSRXA4FD, 177 cavalos-vapor.
André adequou até mesmo a placa do veículo ao líder máximo. Pagou para personalizá-la com letras que formam o som de um tiro (que aqui serão suprimidas pela segurança do perfilado). Os números fazem menção ao ex-partido do presidente.
A bordo do possante, já acumulou quatro multas de trânsito. A evolução patrimonial também se refletiu na casa, instalada num condomínio da área nobre no Eusébio. Piscinas com raia, sauna integrada, deck com churrasqueira, salão de festas, campo gramado.
Uma realidade impalpável para o adolescente membro do Iguatu Motogrupo, torcedor do Ceará Sporting Club e do Corinthians (SP). Fernandes gosta de acompanhar o time local no Castelão quando vaga horário na agenda, ao lado da esposa Luana Fernandes, a companheira com quem está junto há sete anos na soma de namoro, noivado e vida matrimonial. Juntos, os dois criam Teodóro, um cachorro golden com 1,4 mil seguidores no Instagram.
Deputado federal e adversário político dele, Heitor Freire é parte do grupo do PSL que rachou com o presidente. Ele não esconde a raiva que cultiva do ex-aliado estadual. Um sentimento de total reciprocidade.
Eles romperam no contexto de desavenças internas quanto aos rumos do PSL no Ceará. Fernandes e Cavalcante apontaram desmandos de Freire na condução da legenda, ainda em 2019.
Freire, que se mexe na Justiça contra André em razão de postagens ofensivas, alega que o ex-amigo queria ver a comissão provisória do PSL Fortaleza, que até chegou a presidir, transformada em diretório.
“Eu o conheci pessoalmente em 2017, mais ou menos pelo meio do ano, junho ou julho, num evento do movimento Direita Icó. Naquela época, fui candidato a vereador em 2016, não fui eleito, mas não parei a minha militância pela direita”, narra.
“Mas, em vez de fazer (militância) só em Fortaleza, eu comecei a expandir, levando Bolsonaro e bandeiras conservadoras pelo Ceará.”
E complementa: “Numa dessas viagens, no meio do ano, o pessoal organizou um movimento, fizeram uma lista de convidados, eu capitaneando. Como Icó é muito próximo a Iguatu, um amigo disse ‘Heitor, tem um youtuber daqui, o que você acha de convidar ele?”
A versão de Heitor é de que o casamento deu certo porque ele tinha na bagagem andanças e relações pelos confins do Ceará. André, bom manuseio e alcance nas redes sociais.
Os ciúmes começaram em 2018, na eleição em que o youtuber deveria apoiar Freire, mas deu maiores incentivos ao vereador Odécio Carneiro (SD), malsucedido na intenção de alçar voo a Brasília.
Freire minimiza a proximidade entre Fernandes e Bolsonaro. E alfineta que o mandato de deputado dele é imprestável. “Me diga um poço que ele levou pra algum lugar?”
A proximidade com o núcleo familiar do presidente da qual o dirigente do PSL deixou de usufruir é motivo de orgulho para André. No ano da campanha eleitoral, ele foi ao Rio de Janeiro visitar o deputado federal e candidato Bolsonaro, a quem tinha e tem na conta de ídolo.
A mando do pai, Carlos Bolsonaro – o filho “02”, que também tem atuação forte nas redes sociais como o turista – o levou para passear pelos cartões postais da Cidade Maravilhosa. O vereador do Rio gostou do tratamento comumente usado no Ceará, o de se chamar o outro por “macho”.
O colega Leonardo Araújo (MDB) elogia o comportamento do bolsonarista. “Ele é uma pessoa simples”, ele diz, “o que vejo que está acontecendo de tanto atrito ainda são resquícios da forma como ele chegou.”
Explica: “Inexperiente, claro, e sem conhecimento. Para alguns deputados ele passava uma característica de arrogância e prepotência que ele não é. Ele é muito cordial.”
Mesmo sendo da coalizão de Camilo Santana na Casa, o emedebista adianta que não apoiará em plenário a suspensão que corre para ser aplicada ao bolsonarista.
Valendo-se da máxima de que o inimigo de um inimigo é, sim, um amigo, o deputado reforça que Baquit (de quem Araújo é rival político) provoca o bolsonarista inúmeras vezes, tanto nas redes como no Parlamento.
Procurado para falar sobre André, o pedetista respondeu resumidamente: "Um irresponsável. Inconsequente. Deslumbrado."
A despeito da defesa feita, Araújo também critica o que entende como razão fundante das confusões protagonizadas por André: “Falta uma assessoria. A assessoria participa de tudo. Pessoas que tenham competência jurídica, competência de lidar com lideranças.”
Para Bruno Gonçalves, o colega "é bem bacana, um cara tranquilo, que gosta de conversar e tem um bom papo." O que ele faz nas redes sociais, prossegue, é um personagem para agradar aquele que o elegeram.
"Como sugestão, ele só precisa mesclar o personagem que ele exerce e o respeito às instituições e aos colegas."
Em um ano e meio de Legislativo, Fernandes apresentou projetos que teriam potencial de levantar discussões relevantes. Imposição de multa a quem praticar maus tratos com animais, proibição de fotografar, filmar e publicizar nas redes sociais imagens que exponham pessoas acidentadas ou em situações vexatórias, devolução proporcional pelo Estado de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) em caso de roubo do veículo foram ideias defendidas por ele.
E ofuscadas porque a pretensão de aparentar combatividade a todo instante o coloca em emaranhados sucessivos de confusões. Não somente a postura de enfrentamento. Também os traços de sua personalidade preservam os resquícios de um youtuber polemista.
Sem que ninguém tivesse lhe tivesse pedido uma sátira ao Regime Nazista Alemão (1933-1945), tampouco um gesto de apoio a um período caracterizado pela morte de milhões de pessoas durante a II Guerra Mundial – sobretudo judeus no momento histórico que ficou conhecido como Holocausto –, ele desandou a postar uma sequência de fotos no stories do Instagram, no ano passado, enquanto fazia a barba.
Num dos registros, posicionou a mão rígida em Sieg Heil, a saudação nazista. Os pelos remanescentes eram os da parte central do bigode, o traço mais caricato de Adolf Hitler. Ele defende que os dizeres da postagem eram "genocida fdp".
Ou seja, que aquele foi modo de execrar a imagem do ditador alemão. Outra versão é de que somente havia "ditador" na postagem, posteriormente editada pelo deputado estadual. De um modo ou de outro, a mão e o bigode são incontestáveis na imagem.
Inspetor Alberto, 59 anos, é o “01” de Fernandes e ex-assessor de gabinete do bolsonarista. O bigode permite que o desenho do rosto lembre o de outro policial midiático, o do deputado federal Sargento Fahur (PSD-PR).
O policial civil, o cearense, é processado por dois dos expoentes da esquerda atual, Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), por postagens de teor ofensivo. Adepto dos vídeos como André, ele aparece em um atirando numa imagem do ex-presidente.
Alberto assegura que já conheceu muita gente boa nos 30 anos em que se envolveu com política, mas foi em André que encontrou o amigo mais leal.
Estudioso, sem vícios, cristão, leitor do guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, e britanicamente pontual. São algumas das atribuições conferidas ao deputado pelo braço-direito mais experiente.
“Ele é um cara novo e sempre que eu posso eu encaminho ele na estrada da vida, pelo caminho mais estreito, o melhor que tem.”
Presente no gabinete recém-ocupado por Fernandes e familiares no dia da posse no Legislativo, o Inspetor foi uma das vozes a cantar: "Você é o espelho que reflete a imagem do senhor/ Não chore se o mundo ainda não notou/ Já é o bastante Deus reconhecer o seu valor."
Em lágrimas, quase um ano e meio antes, André Fernandes disse aos íntimos: “Eu só quero ajudar.”
• É duplamente trabalhosa a missão de se construir um perfil jornalístico de alguém que não quer falar com você e faz questão de se fechar ao compartilhamento de memórias, versões, segredos, vitórias ou podres. A entrevista é certamente a principal aliada de qualquer repórter na missão tantas vezes árdua de abrir caminhos de uma apuração.
• Mas narrar recusas também é traçar um perfil. No caso de André Fernandes, os motivos para os malsucedidos pedidos de entrevista pelo O POVO são cristalinos. O aprofundamento de tensionamentos com jornalistas é um dos traços de sua personalidade política, que emula o que assiste cotidianamente do principal ocupante do Palácio da Alvorada, seu líder Jair Bolsonaro (sem partido).
• Com a missão de reconstruir os passos de André, a reportagem do O POVO lançou mão de conversas com pessoas que compuseram e compõem o entorno dele, tanto em Cariús como em Iguatu, cidades que permeiam sua trajetória.
• O texto oferecido ao leitor da plataforma O POVO+ é de tamanho mais longo que o habitual, atento a detalhes, e de modelo menos conectado ao que conhecemos por hierarquia da notícia, que norteia a construção tradicional do texto noticioso.
• Algumas das histórias narradas são fruto de observação in loco, a partir da cobertura do plenário da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Outras, resultado de pesquisas na imensidão da Internet. São raras os que não deixam rastros no território do online.
• Também inúmeras entrevistas foram colhidas. Pessoas simpáticas e antipáticas ao personagem de diferentes ambientes, portanto de diversos ângulos, ajudaram nessa construção. Muitas delas, ao primeiro contato, foram reativas. São professores, colegas de classe, deputados, servidores da Assembleia Legislativa que se tornaram fontes com os dias.
• A discussão da pauta teve como pressuposto a certeza de que apresentar ângulos desconhecidos, evidenciar contradições, ressaltar características agradáveis e incômodas ao protagonista faz parte de um esforço de humanização do relato jornalístico, que se expressa principalmente quando, com seus métodos, implode quaisquer estereótipos, sejam eles demonizantes ou bajuladores. (Carlos Holanda)