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Nosso vocabulário racista
Reportagem Especial

Nosso vocabulário racista

ANTIRRACISMO | Palavras e expressões racistas no cotidiano foram naturalizadas como forma de apagamento da população negra e indígena

Nosso vocabulário racista

ANTIRRACISMO | Palavras e expressões racistas no cotidiano foram naturalizadas como forma de apagamento da população negra e indígena
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A nossa linguagem reflete o longo e perverso legado escravista. Mesmo não declarado, o racismo se faz presente de várias maneiras. Inclusive, na forma como falamos. Há uma valoração da luz, do claro, do branco, do alvo. Em contrapartida, há desvalorização da negritude.

O protagonismo gozado por ínfima elite intelectual durante o processo de construção linguística do português, recorda Anna Érika Lima, professora do Instituto Federal do Ceará (IFCE), buscou extirpar o modo de falar mestiço, considerado populacho pelos escravocratas.

Anna Erika(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Anna Erika

A forte perspectiva colonial, portanto, adotada nas instituições, naturalizou-se e virou permanência. "Por mais que fossem a maioria, africanos e indígenas, sempre foram secundarizados, diminuídos. Sempre colocados como algo negativo. Era a tônica para não legitimar sua autonomia", resgata a coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (Neabi), de Fortaleza.

Érika destaca a estratégia usada para legitimar o poderio e a supremacia colonizadora mesmo perante indígenas, grupo que antecedeu a chegada dos invasores.

“A gente já poderia ter isso desconstruído. Após 132 anos da abolição da escravidão, ainda persistimos em alguns termos. A gente percebe que a nossa sociedade não tem compromisso para desconstruir o racismo”, exprime Valéria Lourenço, professora do IFCE, em Crateús.

Valéria(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Valéria

Coordenadora do Neabi na cidade, a docente ressalta a importância da revisão entre os próprios negros, que por vezes reproduzem dizeres racistas. “É um processo de autocontrole. Certa vez, eu chamei a atenção do meu filho para o termo lápis cor de pele. Mas depois, eu utilizei, e ele quem me chamou a atenção.”

“Existe uma naturalização, que é até normal quando existem contato com as línguas, mas algumas delas não foram naturalizadas nem neutras nem positivas, mas usadas de forma pejorativas”, exemplifica a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Sandra Petit, sobre a palavra moleque, de origem angolana.

Sandra Petit, professora universitária, cubana residente aqui no Brasil há mais de 20 anos
Sandra Petit, professora universitária, cubana residente aqui no Brasil há mais de 20 anos (Foto: O POVO)

“Nós precisamos desnaturalizar aquilo que nos foi passado como parte da nossa vida, da sociedade, mas que, na verdade, eram ideais racistas. É importante fazer a revisão. Às vezes, parece que a gente está brincando. Vamos escurecer esta questão”, acerta Petit, doutora em Ciências da Educação pela Université Paris 8, na França.

A especialista evidencia a influência africana no Brasil. Mesmo que esteja fortemente em vários aspectos cotidianos, o apagamento histórico não permite a percepção. “É preciso mudar essa concepção. Adquirir conhecimento. Nós deveríamos ter noção disso. Entender os outros percursos. A questão europeia ainda é preponderante”, demarca Sandra Petit.

 

Teste seu vocabulário e verifique se você usa expressões racistas

Muitos dos capturados faziam greve de fome durante a viagem da África ao Brasil. Para obrigá-los a comer, surgiu nos navios negreiros um “pau de comer” para lançar os alimentos à força na boca dos escravizados.
De quando escravos passavam horas ao lado da cama das senhoras, sem falar nada, segurando copos de água, por exemplo.
Alguém que é hipersexualizado e sensualizado. O pecado é sempre indicado como de cor preta.
Falar mal, tornar suja, negra ou escura a imagem de alguém. Pode ser substituída por difamar, injuriar, rebaixar, desonrar.
Negros eram vistos como animais rebeldes que precisavam de corretivos, serem domesticados.
Remete ao período escravocrata. Nas minas de ouro, eram feitos buracos nas paredes para colocar o material extraído. Quando o espaço era preenchido, o bucho estava cheio.
Geralmente associado às estampas oriundas do continente europeu. "Exótica" é como se referem às cores e aos formatos africanos.
Maltratar judeus. Não está ligado aos negros, mas está ligado a outro grupo que sofreu com o racismo durante o nazismo.
Expressão atrelada às cores mais claras, como bege ou rosa. No entanto, há diversos tons de pele. No Brasil, pouco mais da metade da população se declara negra ou parda.
Quando os escravos não extraiam o mínimo de ouro esperado das minas, eram punidos com apenas meia tigela de comida.
Trata-se de movimentação ilegal de mercadorias, seja de humanos ou não.
Palavra de origem africana que significa criança, mas que passou a ter conotação pejorativa. O termo é usado para xingar uma pessoa adulta.
A primeira parte da expressão refere-se ao filhote macho do cruzamento de um cavalo com uma jumenta ou de um jumento com uma égua. A segunda trata o corpo da mulher como mercadoria
Além de racista, a expressão é machista. As escravas serviam apenas para satisfazer sexualmente seus senhores. A expressão passa a mensagem de que a pessoa não é qualquer uma ou de todo mundo.
Tentativa de clareamento do indivíduo negro. Referência à beleza branca e europeia.
Remonta à origem, principalmente, dos negros de pele mais clara. Aquele com ancestral negro, que era quem trabalhava na escravidão.
Ideia de que em algum momento o preto deve fazer algo de errado. No entanto, todo mundo pode fazer algo errado a qualquer momento.
Título de samba composto por Sérgio Porto, que usava pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta. Remete à confusão trapalhada, que reforça estereótipo dos negros.

 

> Artigo

A objetificação da mulher negra

Por Raquel Andrade *

“Mulata tipo exportação”, “da cor do pecado” e “não sou tuas nega” são algumas das expressões racistas mais comuns que expõem os estereótipos hiperssexualizados das mulheres negras. O processo de colonização e o sistema escravocrata deixaram profundas marcas em nossa historia, que comprovam o fato inegável de que os corpos femininos negros e indígenas foram colonizados junto com a terra. Em 2019, 56,2% da população brasileira se declarou preta ou parda segundo dados do IBGE. No entanto, praticamente todas as referencias imagéticas do bem ou do belo resultam de um processo constante de embranquecimento eurocêntrico.

Raquel Andrade , advogada(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Raquel Andrade , advogada

A objetificação da mulher negra, que se manifesta em algumas das expressões mencionadas, integra um processo constante de violência gênero-racial que aprisiona o corpo feminino preto no lugar da servidão sexual sedimentada pelo racismo e patriarcado. As repercussões desse fenômeno são devastadoras. Em pesquisa realizada pela Universidade Federal da Bahia, no ano de 2017 as mulheres negras sofreram 73% dos casos de violência sexual registrados no Brasil, enquanto as mulheres brancas foram vitimadas em 12,8% das ocorrências. Não há como dissociar a hiperssexualização e outras questões raciais como integrantes do conjunto de múltiplas condições de vulnerabilidade das mulheres negras.

Numa discussão não embranquecida acerca da objetificação de mulheres negras, sobretudo periféricas, há que se pontuar uma necessária distinção entre hiperssexualização e a expressão da nossa sexualidade. Não cabe, numa reflexão aprofundada sobre o tema, uma visão elitista e academicista sem uma aproximação honesta. Pelo contrário, a escuta e a liberdade devem ser os pressupostos de qualquer discussão justa, cujo protagonismo pertence à diversidade de mulheres negras que também são periféricas, idosas, gordas, LGBTQI+ ou possuem deficiência.

Ressignificar as narrativas do cotidiano, respeitar e apreender as trajetórias de (re)existências individuais e coletivas do Eros Negro feminino é caminho fundamental na jornada rumo à descolonização das expressões da sexualidade das mulheres negras.

* Raquel Andrade é presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB Ceará

 

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Povos, Línguas e Culturas Africanas no Brasil

Yeda Castro

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Nei Lopes - Roda Viva em 24/02/2020

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Playlist: EscutaOri

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AfroPai

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O Lado Negro da Força

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Nei Lopes - De Letra & Música (2000)

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