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Ceará também vive o risco de flexibilização da proteção de mangues
Reportagem Especial

Ceará também vive o risco de flexibilização da proteção de mangues

Proposta enviada ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) sugere construções de pontes e estacionamentos em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Medidas atingem mangues e margens de rios

Ceará também vive o risco de flexibilização da proteção de mangues

Proposta enviada ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) sugere construções de pontes e estacionamentos em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Medidas atingem mangues e margens de rios
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Enquanto a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu a revogação de medidas que protegiam os mangues e as restingas, ato assinado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na segunda-feira (21/9), no Ceará uma proposta do governo do Estado pode causar prejuízo às Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Uma minuta enviada, em agosto, pela Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) e pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) ao Coema propõe modificar a legislação para que ocorram intervenções de “baixo impacto” em APPs de mangues, rios e outros ecossistemas.

Para explicar o dano que poderá ocorrer em APPs, caso haja afrouxamento da legislação no Ceará, recorro à memória coletiva de Fortaleza. Qual fotografia vem à cabeça quando você pensa no riacho Pajeú? Dá para imaginar que ele foi um curso d´água limpo e robusto, principalmente na quadra chuvosa? Que tinha um leito e margens protegidas por mata ciliar e era visto atravessando a cidade da nascente - onde hoje é a a esquina da rua Silva Paulet com Bárbara de Alancar (por trás do Pão de Açúcar) - até a foz na Praia de Iracema?

Trecho urbanizado do Riacho Pajeú canalizado. Jardim com plantas, árvores e ponte sobre o riacho na praça da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), na avenida Dom Manuel. (Foto: Rodrigo Carvalho/O POVO)
Foto: RODRIGO CARVALHO
Trecho urbanizado do Riacho Pajeú canalizado. Jardim com plantas, árvores e ponte sobre o riacho na praça da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), na avenida Dom Manuel. (Foto: Rodrigo Carvalho/O POVO)

Difícil ter uma memória do Pajeú já que 100% de sua Área de Preservação Permanente (APP) foi, ao longo de décadas, sendo degrada e ocupada por asfalto, concreto, tubulações, canais, condomínios residenciais, muros, universidades e edifícios comerciais. Uma histórico de destruição nos 4,7 km de extensão do riacho e que o poder público, o Ministério Público e a Justiça não contiveram até hoje.

O exemplo do Pajeú, com inundações recorrentes no entorno da avenida Heráclito Graça durante a quadra chuvosa (de fevereiro a maio), parece não sensibilizar gestores. Em vez de freios contra a degradação de APPs, mais possibilidades de agressões como sugere a minuta da Sema/Semace apresentada ao Coema.

O documento, que “dispõem sobre intervenções eventuais ou de baixo impacto ambiental em Área de Preservação Permanente no Ceará”, é visto por ambientalistas como uma tentativa de flexibilização da legislação. De acordo com o geógrafo Jeovah Meireles, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), a maioria das APPs no Ceará necessita de recuperação em vez de incentivo a mais degradação.

O novo Código Florestal, instituído pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, define por APP toda “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

Alagamento na avenida Heráclito Graça, no trecho onde o riacho Pajeú corre no subterrâneo após ser urbanizado
Foto: FABIO LIMA
Alagamento na avenida Heráclito Graça, no trecho onde o riacho Pajeú corre no subterrâneo após ser urbanizado

No texto do documento, assinado pelo secretário do Meio Ambiente do Ceará, Artur Bruno, e demando por Carlos Alberto Mendes, titular da Semace, está proposto, por exemplo, a construção de pontes com largura de até 6 metros “quando necessárias à interligação de dois pontos de um empreendimento ou de empreendimentos diversos que estejam separados por uma APP”.

Para um advogado e consultor ambiental, que já trabalhou na Semace e pede para não ser identificado, a construção de pontes na largura proposta pela Sema e Semace não pode ser considerada atividade de baixo. Segundo o especialista, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) classifica obras desse porte como de intervenções complexas.

“A questão é que estão distorcendo a lei e transformando o que é de alto impacto para baixo impacto. Para construir uma ponte de 6 metros por onde passam veículos, o Dnit tem que barrar a água e operar com maquinário pesado dentro do leito do rio. Há norma específica do Dnit informando que uma ponte dessa largura passa caminhão indo e vindo. Isso é baixo impacto?”, questiona o advogado.

Entre as 11 atividades sugeridas como de baixo impacto há outras tão polêmicas quanto a edificação e pontes. Como a “implantação de pequeno estacionamento, pátio ou área de manobra, em piso permeável, em área urbana consolidada, desde que não enseje supressão vegetal”.

Ou ainda, a construção de “dispositivo de até 6 m² (seis metros quadrados), em área de preservação permanente de nascentes degradadas, para proteção, recuperação das funções ecossistêmicas e captação de água para o atendimento das necessidades básicas das unidades familiares não atendidas por serviço público de abastecimento de água”.

De acordo com Artur Bruno, a minuta enviada para o Coema está em consonância com o próprio Código Florestal quando deixa para os Estados descreverem as atividades de baixo impacto. “Como o Brasil é um País imenso com realidades distintas, os conselhos estaduais têm a prerrogativa de indicar outras hipóteses para além das já elencadas no Código”.

O consultor ambiental concorda em parte com o secretário do Meio Ambiente do Ceará. Ele explica que a lei diz que os estados, através dos Coemas, devem legislar “com situações similares as de baixo impacto estabelecidos pela lei e não extrapolar o que está definido. Ora, a Sema e da Semace sugerem, por exemplo, que a canalização de riachos é uma intervenção de baixo impacto”, diz.

Na verdade, segundo o consultor, “a canalização de riachos é crime ambiental. Não há nenhuma similaridade de impacto disso com o que já está na legislação”. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) prevê “a abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável. Isso seria similaridade”, diz o advogado.

Artur Bruno faz a ressalva de que o documento apresentado no Coema é um trabalho “que ainda está em fase de discussão e seu conteúdo ainda será submetido a análise jurídica da Semace e, depois, a debate no Coema”.

Proposta da Sema / Semace

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  1. Implantação de pequena estrutura de apoio para o desenvolvimento do ecoturismo, turismo sustentável, atividades socioculturais e de lazer, tais como, grampos e vias de escalada e rapel, rampas para voo livre, rampas de lançamento, piers e ancoradouros para barcos, obras de arte para contemplação e de relevância turística.
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  1. A implantação de vias de acesso interno, suas pontes e pontilhões, implantadas em piso permeável, com largura máxima de 6 metros, para acesso de veículos, pessoas e animais, quando necessárias à interligação de dois pontos de um empreendimento ou de empreendimentos diversos que tenham interdependência e que estejam separados por uma área de preservação permanente, bem como a implantação de estruturas para suporte de fiações elétricas e telecomunicações, tubulações aéreas, esteiras ou equipamentos similares, na mesma condição.
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  1. Construção de muro de divisa de propriedades ou posses em áreas urbanas consolidadas, com dispositivo que permita o acesso público ao corpo hídrico;
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  1. Pequena retificação e desvio de cursos d’água, em no máximo 100m (cem metros) de extensão bem como reconformações de margens de cursos d’água, em áreas antropizadas privadas, visando a contenção de processos erosivos, segurança de edificações e benfeitorias.
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  1. A intervenção na calha de cursos d'água, que possuam projeto hidráulico devidamente aprovado pelo órgão ambiental, para a execução, regularização, manutenção ou reparo de estruturas hidráulicas.
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  1. Dispositivo de até 6m² (seis metros quadrados), em área de preservação permanente de nascentes degradadas, para proteção, recuperação das funções ecossistêmicas e captação de água para o atendimento das necessidades básicas das unidades familiares não atendidas por serviço público de abastecimento de água.
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  1. Utilização de margem de curso d’água para a realização de desassoreamento, desobstrução, limpeza de leito de curso d’água, manual ou mecânica, com ações de retirada de sedimentos, entulhos e espécies vegetais herbáceas e para normalizar o fluxo d’água.
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  1. Implantação de benfeitorias removíveis sem fundação, eventual e com duração pré-definida.
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  1. Instalações necessárias para o lançamento da drenagem de águas pluviais.
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  1. Implantação de pequeno estacionamento, pátio ou área de manobra, em piso permeável, em área urbana consolidada, desde que não enseje supressão vegetal.
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  1. Construção de moradia de pescadores artesanais, assim definidos em lei, quando a localização da moradia for essencial para o exercício da atividade pesqueira.

 

Gestores negam motivação
por interesse privado

O objetivo da minuta que sugere a flexibilização de normas ambientais em Área de Preservação Permanente (APP) no Ceará seria de regulamentar o que vem sendo feito de maneira ilegal no Estado. Segundo Artur Bruno e Carlos Alberto Mendes, a ideia é estabelecer procedimentos que permitam avaliar o impacto ambiental de intervenções em áreas próximas a cursos d´água e topos de morros. A entrevista, por e-mail, foi respondida conjuntamente pelos dois secretários.

Artur Bruno
Foto: Divulgação
Artur Bruno

O POVO - Qual a motivação para que Sema e Semace propusessem intervenção em APPs no Ceará?

Artur Bruno e Carlos Alberto - A motivação é que as intervenções, por falta de previsão legal, ocorrem à margem da legislação e sem seguir uma análise adequada de impacto ambiental. O que se pretende com a criação dessa norma é estabelecer procedimentos que permitam avaliar o impacto ambiental decorrente da implementação dessas atividades. É importante destacar que as atividades somente serão liberadas se não houver alternativa locacional. Portanto, o fato de estar previsto na legislação não dá ao proponente o direito de implementar a intervenção, mas a possibilidade de avaliação técnica e ambiental da demanda. Vários estados do Brasil já realizaram a regulamentação da matéria. Inclusive, para elaboração da proposta, utilizamos vários itens de outros estados, tais como Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

O que se propõe é a previsão de análise da demanda, caso venha a existir. O objetivo da resolução não é promover as intervenções, mas analisar a viabilidade ambiental desta, caso não haja alternativa locacional

O POVO - Quais APPs motivaram a demanda de intervenção?

Artur Bruno e Carlos Alberto - A resolução não está sendo criada para atender demanda específica. Não existe a demanda identificada. O que se propõe é a previsão de análise da demanda, caso venha a existir. O objetivo da resolução não é promover as intervenções, mas analisar a viabilidade ambiental desta, caso não haja alternativa locacional, por meio de procedimento administrativo específico.

O POVO - Na resolução, há uma proposta de construção de degraus em área de rio para facilitar a retirada de água para ribeirinhos. Isso não é incentivar a permanência da ocupação irregular em zonas de risco?

Artur Bruno e Carlos Alberto - Não. Isso não é incentivar a ocupação irregular em áreas de risco. Não é o acesso à água que incentiva a ocupação de áreas de risco. O que incentiva esse tipo de problema é a desigualdade social.

O POVO - A Sema e a Semace não deveriam estar incentivando a recuperação de APPs em vez de mais intervenções?

Artur Bruno e Carlos Alberto - São duas questões diferentes. A Sema vem incentivando através de ações de reflorestamento a recuperação de diversas APPs. Já produzimos e distribuímos mais de 500 mil mudas de árvores nativas, produzidas nos viveiros do Parque Estadual Botânico e APA da Serra de Baturité. Boa parte delas usadas na recuperação de APPs. Quanto às intervenções de baixo impacto, o próprio Código Florestal traz exemplos permitindo aos conselhos estaduais definir outras tipologias sem prejuízo de ações de recuperação dessas áreas. É importante destacar que muitas ações previstas na minuta de resolução já são executadas. O que queremos com o texto é criar procedimentos específicos para tratar tais casos através de processo administrativo próprio.

Isso não é incentivar a ocupação irregular em áreas de risco. Não é o acesso à água que incentiva a ocupação de áreas de risco. O que incentiva esse tipo de problema é a desigualdade social.

O POVO - O que o senhor define como intervenção de baixo impacto?

Artur Bruno e Carlos Alberto - São intervenções cuja implementação não comprometam as funções ambientais das áreas de preservação permanente (APP), especialmente no tocante à estabilidade das encostas e margens dos corpos d’água; os corredores de fauna; à drenagem e os cursos d’água intermitentes; à manutenção da biota; à regeneração e a manutenção da vegetação nativa; e à qualidade das águas.

O POVO – Há um diagnóstico da condição ambiental das APPs do Ceará?

Artur Bruno e Carlos Alberto - Quantificar todas as APPs não é um procedimento viável. Tomando-se como base somente os recursos hídricos, com base na malha hídrica disponibilizada pela Secretaria dos Recursos Hídricos, existem 117.260 feições mapeadas para rios e 29.961 feições mapeadas para açudes e lagoas. Fora isso, ainda existem as APPs baseadas no relevo (declividade e topo de morro). É importante destacar que na zona costeira, a Secretaria do Meio Ambiente e a Semace estão elaborando o Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE, que mapeará dentre outras áreas, as APPs existentes na zona costeira, que se configura uma área dinâmica e com bastante fragilidade ambiental em muitas regiões.


> Artigo

Prejuízo ambiental

Por Beatriz Azevedo *

 

Em tempos de incêndios florestais no Cerrado, Pantanal e na Amazônia, de flexibilização da legislação e corte das verbas federais para a proteção ambiental, é sintomático que o Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Coema) queira aprovar resolução que amplia as possibilidades de intervenção em áreas de APP (Área de Proteção Permanente).

Beatriz Azevedo, advogada
Foto: ACERVO PESSOAL
Beatriz Azevedo, advogada

É importante, primeiramente, explicar o que são as APP's: são as florestas nas margens dos rios, ao redor das lagoas e nascentes, as vegetações que fixam nossas dunas e nossos manguezais, dentre outras possibilidades.

Essas áreas são importantes não apenas para manter o equilíbrio desses ecossistemas, mas também para amortecer os impactos ambientais nas nossas cidades. Absorvem água da chuva e impedem alagamentos, mantêm a temperatura agradável, evitam desmoronamentos, além de vários outros serviços que prestam de graça para a sociedade.

Por serem assim tão essenciais, o Código Florestal determina que elas devem ser protegidas, com três exceções apenas: obras de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. E eis que a já citada tentativa de resolução amplia as possibilidades de intervenção nesses espaços, aumentando o rol do que seriam as ações de baixo impacto ambiental.

Isso não é incentivar a ocupação irregular em áreas de risco. Não é o acesso à água que incentiva a ocupação de áreas de risco. O que incentiva esse tipo de problema é a desigualdade social.

Uma das atividades que passaria, então, a permitir, caso seja aprovada, é a construção de estacionamentos privados em APP, "desde que não enseje supressão vegetal". Faço, assim, alguns questionamentos. Na ausência de fiscalização ambiental efetiva, que é o que se observa na maioria dos casos, o que impede o "empreendedor" de desmatar ilegalmente a área para depois transformá-la em estacionamento? Quem arca com esse custo e quem absorve esse bônus?

Sinto informar às leitoras e leitores que quem paga o boleto da redução de nossas áreas verdes somos eu e você, e definitivamente não somos nós que vamos embolsar o lucro. O Ceará, dada a sua vanguarda em tantas outras áreas, poderia se mostrar progressista também na defesa do meio ambiente, mas infelizmente o rumo tomado tem sido outro. O Coema tem a prerrogativa de aprovar a tal resolução. Mas, em pleno século XXI, deveria?

* Beatriz Azevedo (@biaclimatica), advogada ambientalista, especialista em Direito Ambiental e Urbanístico e mestranda em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford

 

Mangues e restingas continuam protegidos

A revogação das resoluções 302 e 303, assinada na segunda-feira (21/9/20) pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não significaria que especuladores do litoral brasileiro poderão devastar os mangues e as restingas do Brasil. Mesmo que a juíza Maria Amelia Almeida de Carvalho, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, não tivesse suspendido liminarmente o ato de Salles no Conama, os ecossistemas costeiros continuariam sob proteção.

PRESIDIDO pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, Conama havia acabado com instrumentos de proteção a mangues e restingas
Foto: Carolina Antunes/Presidência da República
PRESIDIDO pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, Conama havia acabado com instrumentos de proteção a mangues e restingas

De acordo Michele Matos, advogada e especialista em Direito Ambiental, a Lei Federal 12651/12 (Código Florestal) mantém a proteção dos mangues, dunas e restingas. De acordo com o artigo 8º da legislação, “a intervenção ou supressão da vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta lei”.

A advogada se disse “preocupada com a divulgação em massa de que o manguezal e a restinga estavam sem proteção”, por conta da revogação, pelo ministro Ricardo Salles tinha de medidas importantes como as resoluções 302 e 303 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

São resoluções em vigor desde 2002, que reforçam legislações contra o desmatamento e a ocupação insustentável nas áreas de preservação costeiras. Porém, mesmo com o ato de Ricardo Salles no Conama, há legislação que protege rigidamente os ecossistemas litorâneos.

O advogado e professor de Direito Ambiental da Uni7, João Alfredo Telles, presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-CE, reforça o discurso da advogada e lembra que a decisão de Salles, mesmo com a decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, será judicializada pela procuradora da República Fátima Borghi. Durante a reunião do Conama, onde o Ministério Público Federal (MPF) tem assento, mas não vota, Borghi afirmou que o órgão não tem competência jurídica para derrubar as resoluções.

Além do MPF, os advogados dos partidos Socialismo e Liberdade (Psol) e da Rede Sustentabilidade, em Brasília, também entraram com medidas judiciais para tornar sem efeito de vez as revogações de Salles.
Segundo João Alfredo, essas e outras “decisões danosas” de Salles contra o meio ambiente poderiam ter sido evitadas pela Justiça Federal e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Há mais de um ano, lembra o advogado, dorme nas gavetas da ministra Rosa Weber uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Procuradoria-Geral da República contra o Decreto 9.806/2019.

Advogado João Alfredo Telles, ex-deputado federal e professor de Direito Ambiental da Uni7 (Foto: Mauri Melo/O POVO)
Foto: O POVO
Advogado João Alfredo Telles, ex-deputado federal e professor de Direito Ambiental da Uni7 (Foto: Mauri Melo/O POVO)

O decreto “alterou o funcionamento do Conama de forma a reduzir a representação da sociedade civil, o que afeta a participação popular direta na elaboração de políticas públicas de proteção ao meio ambiente”.

Em 2019, um decreto do presidente Jair Bolsonaro reduziu o número de cadeiras do Conama de 96 para 23 e, praticamente, cancelou a participação da sociedade civil que de 23 cadeiras ficou com quatro. Com a canetada, o governo manteve no Conselho os ministérios da Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Desenvolvimento Regional, Casa Civil e a Secretaria de Governo.

De acordo com João Alfredo, enquanto Rosa Weber não decide sobre o esvaziamento da participação popular no Conama, o ministro Luís Roberto Barroso foi mais ágil em relação ao expurgo da sociedade civil de outro Conselho importante – o Conanda. Ainda em 2019, Barroso concedeu liminar para restaurar os mandatos de antigos conselheiros que haviam sido extintos por decreto presidencial.

João Alfredo observa ainda que outra medida que poderia ter evitado, em tese, “os gravíssimos retrocessos contra mangues e restingas teria sido uma decisão no âmbito da Justiça Federal do Distrito Federal quanto ao pedido liminar de afastamento de Ricardo Salles em Ação de Improbidade Administrativa”. A proposta feita por 12 procuradores da República em julho deste ano.

“A Ação é extremamente fundamentada, comprovando que a conduta de Salles se volta para a completa destruição da Política Nacional do Meio Ambiente e o desmonte criminoso dos órgãos federais do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama)”, afirma o presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-CE. 

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