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Infância na pandemia é também tempo de descobertas, aprendizados e delícias
Reportagem Especial

Infância na pandemia é também tempo de descobertas, aprendizados e delícias

DIA DA CRIANÇA | Escrever, gravar, empreender e cozinhar foram algumas maneiras que os pequenos encontraram de lidar com os meses de confinamento, sem aulas e passeios fora de casa

Infância na pandemia é também tempo de descobertas, aprendizados e delícias

DIA DA CRIANÇA | Escrever, gravar, empreender e cozinhar foram algumas maneiras que os pequenos encontraram de lidar com os meses de confinamento, sem aulas e passeios fora de casa
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De repente, todos estavam confinados: escolas foram fechadas; parquinhos estavam interditados; praças, praias e ruas ficaram desertas. Não se podia mais encontrar os amiguinhos para brincar nem abraçar primos, tios e avós. No máximo um telefonema ou uma chamada de vídeo, só para matar a saudade. Mas esse período, apesar de estranho a tudo que as crianças tinham vivido até então, também rendeu aprendizados e novas experiências.

Meninos e meninas descobriram uma nova dinâmica cotidiana durante meses de isolamento. Dedicaram-se às aulas remotas, fizeram da sala de estar palco para exercícios antes praticados ao ar livre, perfumaram a casa com o aroma de criações gastronômicas. Ainda ajudaram a manter os novos rituais de cuidado consigo e com os outros, lembrando sempre os adultos do uso da máscara e do álcool gel a cada saída para fazer as compras da semana.

este Dia das Crianças de 2020, O POVO buscou histórias de meninos e meninas que, durante a pandemia, descobriram novas habilidades ou investiram ainda mais tempo em atividades às quais já se dedicavam antes de tudo ficar tão confuso. Houve quem, entre uma aula à distância e outra, tenha escrito um livro, criado uma banda, aprendido a cozinhar ou começado a empreender. Cada um, à sua maneira, encontrou uma forma de explorar as possibilidades que tinha dentro de casa.

É o que nos contam Marcos Miranda, Sofia Mamede, Pedro Henrique e Paulo José, que levam para a vida vivências de uma quarentena onde se reinventaram em meio ao turbilhão de sentimentos.

 

 

 

 

 

Doces delicadezas de qualquer guloseima

Ganache de chocolate, creme de manteiga, essência de baunilha, biscoitos finos, delicados suspiros — os doces aromas da cozinha do apartamento 301 ganham o olfato de cada vizinho, numa deliciosa lembrança de dias mais açucarados, felizes. O mestre-cuca da casa é Pedro Henrique Vilas-Bôas. Aos 13 anos de idade, o menino de rebeldes cabelos encaracolados e sorriso farto já é um cozinheiro de mão cheia.

As aventuras do jovem no reino mágico da cozinha ainda são recentes, mas crescem feito bolo quentinho no forno. Durante a quarentena, Pedro descobriu entre claras em neve e massas sovadas a possibilidade de atravessar medos e angústias nesta pandemia com pitadas de criatividade e muitas guloseimas.

"Tudo começou com um suspiro", relembra Pedro. Aluno da 7ª série, Pedro enfrentou repentinamente um novo cotidiano: após a confirmação dos primeiros casos de Covid-19 em Fortaleza, a escola paralisou as atividades presenciais. Em casa, a dinâmica se transformou — o irmão mais velho, João Felipe, continuou seus estudos para o vestibular; a mãe Mirela Aguiar e a avó Maria Elizabete dividiram-se entre trabalho remoto e afazeres domésticos.

Eu comecei a ficar muito sozinho, passava o dia inteiro no quarto. Então, uma vez, decidi fazer suspiro. Nunca tinha cozinhado antes, mas fiquei com vontade de comer suspiro e decidi fazer. Minha mãe e minha avó já faziam, são claras de ovo e açúcar, muito fácil. Deu certo!", continua. De outra feita, Pedro arriscou um brigadeiro e ficou uma delícia.

Pedro logo tomou gosto pela cozinha. Entre receitas garimpadas na Internet e segredos dignos de um verdadeiro chef, o menino aprendeu as mais variadas iguarias nos últimos meses. Pedro cozinha macarrão à carbonara, pizza, empada, crepe… Mas sua paixão são os doces, como cookie, torta alemã e donuts. Com tantas comidas novas produzidas fresquinhas diariamente, a família decidiu anunciar a venda no grupo do condomínio.

O dinheiro arrecadado ainda não tem destino certo, mas a constante busca por novas receitas se firmou em Pedro. "Eu adoro cozinhar. A ocupação faz com que a gente não perceba que está só, então me ocupar com algo que sempre tive vontade de fazer me ajudou. Quando entro na cozinha, o mundo não existe, é só a cozinha que existe pra mim. Presto atenção inteiramente àquilo", compartilha.

"Acho que meu futuro será diferente por causa da pandemia", acredita o menino. "Meu sonho é ser pediatra, mas a cozinha pode ter mudado um pouco isso". Na ânsia de quem desbrava o mundo, Pedro encontrou nos tempos e cuidados na cozinha a vontade de construir um amanhã melhor. "A gente tem que comer para sobreviver, a gente tem que ter educação para ter um país melhor. Nós todos vivemos em uma comunidade e, se para um falta, para o outro falta também. Precisamos cuidar de todas as vidas". (Bruna Forte)

 

 

 

 

Os aprendizados ao brincar de empreender

A quarentena chegou tal qual um vendaval a empurrar para longe os passeios ao parque, ida ao cinema e o tempo breve do recreio para brincar com os 10 amigos de esconde-esconde e João atrepa. E como tem sido difícil para Sofia Mamede Ponce, 10. Logo ela, que é muito rápida ao correr e, por isso, fazia pouco as vezes de quem ia pegar os que estavam com os pés ao chão.

Trouxe ainda temor e tédio. “No começo, eu era preocupada com a pandemia, tinha medo de pegar a doença, mas meus pais explicaram (sobre os cuidados) e uso bastante a máscara, álcool em gel, aí, fiquei mais calma”, lembra.

As aulas, que já não conquistavam totalmente a atenção, tornaram-se virtuais. Ficou quase impossível não ceder à dispersão dos pensamentos. Uma rotina reconfigurada que, aos poucos, abre alegrias. A chegada da irmã Letícia, seis meses, e a brincadeira prática de fazer negócio.

Pouco antes do isolamento social, Sofia se empolgava ao receber o aval para revender cosméticos de catálogo. Os pais, Camila Mamede Ponce, 32, e Alex Ponce, 36, enxergaram na iniciativa despretensiosa a oportunidade de ensinar sobre educação financeira e fazer com que ela exercite e desbrave aptidões. Pouco tempo depois: “Veio a pandemia para arruinar meu negócio”, ri-se.

Mas não foi bem assim. A revista virtual ajudou a manter o fluxo e os pedidos continuaram chegando da amiga da tia, avó e por aí vai. As encomendas são anotadas simetricamente nas linhas do caderno de pauta para as finanças: quem fez o pedido, a descrição do produto e valor. Pelo Whatsapp, sob a supervisão dos pais, a negociação ocorre e ela faz cálculos, organiza e exercita a escrita. Quando a caixa com os cosméticos chega, faz festa. Embala tudo cautelosamente para os clientes e coloca uma frase ou um desenho feito a próprio punho.

Os pais se divertem ao lembrar da primeira cobrança de pagamento. De tão direta, ficou incisiva e, consequentemente, engraçada. Depois, ela foi aprendendo a melhor forma de se comunicar. O lucro da Sofia é para comprar slime, adereços para os cabelos castanhos e batom. O dinheiro, guardado em dois cofrinhos, agora começa a ser economizado e ela descobriu, enfim, que slime “nem é tão barato”. (Bruna Damasceno)

 

 

 

 

O repertório de esperança na quarentena

O que não faltou para as crianças na quarentena foi tempo para iniciar novos projetos É o caso de quatro estudantes cearenses de música, que fizeram da melodia diversão e companhia, mesmo com o isolamento. E assim nasceu a banda Trevo de 4 Folhas.

Maria Flor, Davi Flexa, Marcos Miranda e David Castelo Branco puseram em prática a ideia do grupo. Juntos, mas separados. E gravaram um repertório remotamente. Chegaram a participar de seleções em editais culturais da Cidade.

Com a quebra da rotina de aulas, os pais e professores do curso de música que participam percebiam a falta que os reencontros traziam. Daí se articularam com a criançada para proporcionar a atividade. Marcos, 13 anos, o tecladista do grupo pratica as aulas há dois anos e foi comum ouvi-lo cantarolando ou compondo enquanto esteve em isolamento com a avó e com a mãe.

Já a vocalista Maria Flor, 10, gostou bastante da ideia da banda a distância. Mesmo sob dificuldades de conexões, ela soltou a voz. “Não conseguia parar de cantar. E eu continuava, mesmo sozinha, na aula online. Era bem divertido”, conta.

Estudante de canto desde os sete anos de idade, a menina participou de algumas lives na quarentena. O momento foi propício para se apaixonar ainda mais pelo mundo da música, que também é uma forma de diversão para o guitarrista David, 12. O "único artista da família" adora rock e também toca violão.

O baterista Davi, 8, adorou por em prática os aprendizados do pai nas aulas. A sonzeira vai de Biquini Cavadão a Iron Maiden desde os dois anos de idade: tudo registrado e editado pela mãe, Diva Flexa. Ela é responsável pela produção dos vídeos da turma e pelo gerenciamento do perfil do grupo no Instagram, criado em maio.

Vale lembrar que a Banda Trevo de 4 Folhas teve acompanhamento de diversas vertentes, como pais e professores que consideravam as atividades de acordo com as vontades das crianças. A turma, inclusive, já planeja um retorno seguro as atividades ainda em dezembro deste ano. (Marília Freitas)

 

 

 

 

Liberdade e incentivo para criar

Aos nove anos, Paulo José Resende Júnior, ou PJ Resende Júnior, publicou seu primeiro livro. Com aulas online — que ele prefere pela organização e pelos intervalos entre uma disciplina e outra —, o menino fica com muito tempo livre porque conclui rapidamente as tarefas da escola. Às vezes, fica "entediado de estar entediado". Foi em uma dessas situações que buscou algo divertido e começou a escrever.

"Mistérios com o Paulo: aventura mitológica", ele enfatiza, traz uma história de detetive cheia de ação e suspense, com armas nucleares, explosões e seres místicos. O início ao enredo surgiu quando, um dia, ele sentiu gotas de água — que deviam ser do vizinho de cima regando as plantas — e um vento frio vindo do ventilador.

Então, escreveu um trecho que se tornaria o início da narrativa: "Sinto gotas de chuva se aproximando da atmosfera da Terra e sinto um tipo de sal em todo meu rosto; mas não é um sal refinado como conhecemos, digamos, seria um tipo de sal marinho."

A história terá mais um volume, cuja introdução já está sendo escrita. O menino também já tem ideia para outro projeto: o “Diário de um garoto normal”, também em produção. Extrovertido e contador de histórias desde pequenininho, Paulo Júnior tinha gosto pelas redações do colégio. “Eu amo ler, tenho a coleção completa de ‘Diário de um banana’ e de vários outros livros”, acrescenta.

A impressão do livro foi um presente da mãe, Elaine, que entrou em contato com um amigo, da Ilustre Editora. O estímulo para as artes na família, aliás, começou cedo e pode ser percebido ao se observar as prateleiras da casa.

Livros sobre fotografia, gastronomia e arte, câmeras fotográficas antigas, equipamentos musicais e utensílios de cozinha estão presentes em todo o ambiente. E, no futuro, Paulo Júnior quer ser confeiteiro. Ou bombeiro. São inúmeras as possibilidades.

Tanto Paulo Júnior quanto o irmão, Eduardo (o Dudu), 6, e Eliane fazem parte de grupos de risco para a Covid-19. Por isso, desde o início da pandemia, uma disciplina rígida de distanciamento social e de cuidados foi estabelecida.

O que Paulo Júnior mais tem sentido falta, durante a pandemia, é de viajar. Ele está ansioso para a viagem que a família vai fazer no aniversário dele de 12 anos, que terá Tóquio como destino. (Gabriela Custódio)

 

Um presente 

Capa do livro infantil Boa noite, Bubu
Foto: ILUSTRAÇÃO GABRIEL CELA
Capa do livro infantil Boa noite, Bubu
Na segunda-feira, 12 de outubro, um mimo especial para você. É e-book infantil Boa Noite, Bubu!, que a escritora Marília Lovatel escreveu especialmente para O POVO+. O livro, para crianças de zero a três anos, mergulha no universo dos bebês e constrói uma narrativa que explora a oralidade, as formas, as cores e os afetos.

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