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Carlos Drummond de Andrade, o poeta de sete faces
Reportagem Especial

Carlos Drummond de Andrade, o poeta de sete faces

Dia 31 de outubro é dia do aniversário do poeta Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro considerado um dos mais importantes do Brasil. Neste Dia D - Dia Drummond, O POVO revisita o poeta e festeja sua poesia

Carlos Drummond de Andrade, o poeta de sete faces

Dia 31 de outubro é dia do aniversário do poeta Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro considerado um dos mais importantes do Brasil. Neste Dia D - Dia Drummond, O POVO revisita o poeta e festeja sua poesia
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O calendário marcava 19 de julho de 1930, quando o moço Cyro dos Anjos, melhor amigo do jovem poeta Carlos Drummond de Andrade, lhe enviou uma carta, de Montes Claros (MG), na qual afirmava: “Várias pessoas têm me procurado aqui, com o fim de injuriar o seu livro, e, se em todas as cidades mineiras você ficou conhecido e combatido como aqui, mando-lhe felicitações abundantes”, escreveu num tom irônico o futuro autor do romance Amanuense Belmiro.

A publicação que estava “injuriando” os leitores era Alguma Poesia, obra de estreia do poeta mineiro que, se fosse vivo, completaria neste 31 de outubro, 118 anos. Na obra dois poemas se destacaram e marcaram para sempre o poeta Drummond, o funcionário público que alterou o rumo da poesia brasileira.

O primeiro deles é “Poema de sete faces”, que abre o livro. Nele, Drummond autodefine-se:
“Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida”. Por essa época, o rapaz nascido em Itabira, em 1902, de uma família rica, cujo patrimônio estava fincando na exploração do minério de ferro, já havia escolhido o caminho a seguir. Enveredara pela poesia, uma estrada gauche, incerta.

Desenho de Cássio Loredano publicado em Escritores por Loredano (IMS, 2009)
Foto: Cássio Loredano/ Instituto Moreira Salles
Desenho de Cássio Loredano publicado em Escritores por Loredano (IMS, 2009)

No segundo poema, a refrega foi bem maior. Não se tratava apenas da subjetividade do poeta, fosse ela qual fosse, mas sim de abalar as estruturas da poesia. Quase despercebido entre outros versos, o poeta escreve: “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/tinha uma pedra/no meio do caminho tinha uma pedra”.

O Brasil letrado anos de 1930 não entendeu nada e apedrejou o poema e o poeta. Os dois restaram intactos nos últimos 90 anos. O poema “No meio do caminho” firmou-se como o elo que faltava para a poesia brasileira tornar-se, de vez, modernista. O poeta sagrou-se como o principal nome da poesia nacional. E o único a ter um dia que lhe é dedicado. Em 31 de outubro, desde 2011, o Brasil comemora o Dia D – Dia Drummond.

Eucanaã Ferraz, poeta, curador do Dia D - Dia de Drummond para o Instituto Moreira Salles
Foto: Acervo IMS - Divulgação
Eucanaã Ferraz, poeta, curador do Dia D - Dia de Drummond para o Instituto Moreira Salles

O criador da data foi o poeta Eucanaã Ferraz, que propôs a homenagem ao Instituto Moreira Salles, para quem ele trabalha como curador de literatura. O IMS abraçou o projeto e desde 2011, promove eventos para celebrar o poeta mineiro,  ao mesmo tempo que estimula outros equipamentos culturais pelo País afora a fazerem o mesmo.

A inspiração para o Dia D – Dia Drummond foi o Bloomsday que reúne leitores do escritor irlandês James Joyce em vários países a cada 16 de junho – data do aniversário de nascimento do autor – em torno da obra Ulisses, que narra um dia na vida do personagem Leopold Bloom. O livro despertou a fúria de críticos e editores quando surgiu, no início do século XX,  mas hoje é considerado um marco da literatura dita contemporânea.

Drummond é um velho companheiro de Eucanaã Ferraz, desde os anos 1980 quando era um estudante de Letras e continuou pelo percurso que também o fez poeta. “Como poeta, eu devo muito ao Drummond”, confessa Ferraz e complementa: “As dimensões drummonianas para um poeta são muitas e variadas e são muitas vezes contraditórias entre si. Um poeta que vá procurar um Drummond experimental com grandes experiências de linguagens, de vanguarda, encontrará. Aquele que esteja interessado numa lição de um poeta com acabamento clássico, com vocabulário refinado, com imagens muito elaboradas, encontrará”.

Carlos Drummond de Andrade
Foto: Carlus Campos
Carlos Drummond de Andrade

Para Eucanaã, Carlos Drummond “é um poeta com muitas facetas. Já se disse muito isso em relação ao 'Poema de sete faces´ que inaugura o primeiro poema no primeiro livro, que essas sete faces é o melhor retrato de Drummond, na medida em que ele pode ser retratado como um prisma”.

 Pesquisador da poesia de Drummond, Eucanaã organizou dois livros a partir da obra do escritor mineiro, que deixou Belo Horizonte rumo ao Rio de Janeiro no final dos anos de 1930, e viveu ali pelo resto da vida, até 1987, quando morreu. Versos de Circunstâncias e Uma pedra no meio do caminho: Biografia de um poema, organizados por Eucanaã Ferraz, resgatam o trabalho de “arquivista” de Drummond. “Ele entendia o quanto a memória era essencial para a compreensão da obra dele. Era muito cioso, cuidadoso. Ele é excepcional quanto a isso”, afirma o autor de Sentimental, livro ganhador do prêmio Portugal Telecom (2013).

Carlos Drummond de Andrade, em 1932, quando ainda morava em Belo Horizonte e havia lançado Alguma Poesia, seu primeiro livro
Foto: Divulgação IMS.
Carlos Drummond de Andrade, em 1932, quando ainda morava em Belo Horizonte e havia lançado Alguma Poesia, seu primeiro livro

A ideia, portanto, que ronda a homenagem ao “o maior poeta brasileiro”, para Ferraz, é que o Dia D – Dia Drummond “se transformasse numa data reconhecida no calendário cultural brasileiro”, explica o curador. “Não só os eventos feitos pelo IMS, mas que se espalhasse pelo Brasil de forma que qualquer pessoa pudesse comemorar Drummond e não apenas ele, mas a poesia e os todos os poetas, para tornarmos a poesia em algo próximo de nossas vidas”, acrescenta.

Para Sérgio Alcides, também poeta, crítico, pesquisador da obra de Drummond e autor de Nada a ver com a Lua, o espaço para poesia no País sempre foi estreito, mas o lugar da poesia de Drummond é o espaço público.

“O lugar de Drummond, como o de qualquer outro escritor relevante, é o espaço público. Sempre foi um lugar estreito e instável, no Brasil. Agora está mais ameaçado do que nunca. A cultura da bolha é antagônica ao espaço público, que não se reduz a mercadoria. Não existe algoritmo para a poesia, enquanto não houver uma etiqueta de preço colada na flor e outra na náusea”, afirma Sérgio Alcides.

Nesse lugar público versos de Drummond saltam de boca em boca entre leitores e não leitores da obra do mineiro. Aos pedaços, trechos de poemas como “E, agora, José”, “Mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo...”, ou “Tinha uma pedra no meio do caminho” seguem povoando a imaginação da vida cotidiana.

Carlos Drummond de Andrade
Foto: Carlus Campos
Carlos Drummond de Andrade

Segundo o crítico Sérgio Alcides essa constatação prova a “produtividade da poesia, dentro da língua e da cultura. Uma coisa boa, sem dúvida. Talvez esses versos perdidos carreguem alguma voltagem de inconformismo, relembrem um pouco a negatividade que lhes deu origem. Talvez ainda possam incomodar o mundo. Tomara!”

Para o criador e curador do Dia D – Dia Drummond no País “a poesia é uma espécie de lugar onde o mundo está na sua integridade moral. Eu acho que hoje o Brasil precisa enormemente contrapor vulgarização e rebaixamento da experiência dos seus cidadãos com o máximo de inteligência, de sensibilidade e ética, e o máximo de inteligência, sensibilidade e ética se encontra na poesia” afirma. E acrescenta: “ Eu acho que quanto mais poesia no Brasil hoje melhor seria”.

Carlos Drummond de Andrade, em 1966, quando lançou o livro Cadeira de balanço
Foto: Divulgação IMS.
Carlos Drummond de Andrade, em 1966, quando lançou o livro Cadeira de balanço

O próprio Drummond, numa carta enviada a Cyro dos Anjos, em 1953, logo após lançar um dos seus livros mais aclamados, Claro enigma, Poesia, escreve ao amigo tentando acalmá-lo sobre as notícias que chegam ao México do Brasil: “Mestre Cyro: Fique tranquilo. Nossa prezada República não está por acabar, ou pelo menos, ainda não se chegou a acordo sobre a maneira de liquidá-la, e daí a estabilidade das instituições sem embargo da trepidação do ambiente. Afinal, tudo está mais ou menos como V. deixou e já era crônico entre nós: o governo fazendo o mínimo possível, salvo bons negócios para os amigos”.

Para comemorar o Dia D – Dia Drummond, o IMS estará disponibilizando um curso gratuito do ensaísta, músico e professor José Miguel Wisnik, didivido em três aulas, a partir do ensaio A maquinação do mundo.

O ensaio de Wisnik, publicado pela Companhia das Letras tem como tema central a chegada da Companhia Vale do Rio Doce e as consequências ambientais na cidade de Itabira, no pico do Cauê  o que motivou uma reação do poeta Drummond. Baseado em fatos históricos e na produção poética drummoniana, Wisnick dialoga com a atualidade brasileiras e as tragédias recentes de Mariana e Brumadinho.

Serão também lançados no canal do IMS no Youtube dois filmes sobre Carlos Drummond de Andrade. O primeiro deles é Vida e verso de Carlos Drummond de Andrade, com roteiro e direção do poeta Eucanaã Ferraz e fotografia de Walter Carvalho. O filme reúne os escritores contemporâneos Joca Reiners Terron, Antonio Cicero, Alberto Martins e Afonso Henriques Neto que narram fatos importantes da vida do escritor mineiro.

O segundo é Consideração do Poema. Neste, um seleto grupo de artistas leem poemas de Carlos Drummond de Andrade. A direção é de Eucanaã Ferraz, Flávio Moura e Gustavo Rosa de Moura, e fotografia de Alexandre Wahrhaftig.


 

 

 

 

 

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