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Eleições 2020: crônica de uma votação histórica
Reportagem Especial

Eleições 2020: crônica de uma votação histórica

Quatro reflexões sobre a conjuntura política neste domingo de eleição histórica para as cidades e a política brasileira. A jornalista Tânia Alves, os jornalistas Demitri Túlio e Ricardo Moura e o dramaturgo Ricardo Guilherme trazem leituras sobre um dia de esperança

Eleições 2020: crônica de uma votação histórica

Quatro reflexões sobre a conjuntura política neste domingo de eleição histórica para as cidades e a política brasileira. A jornalista Tânia Alves, os jornalistas Demitri Túlio e Ricardo Moura e o dramaturgo Ricardo Guilherme trazem leituras sobre um dia de esperança
Tipo Crônica

Um dia de eleição diferente

Tânia Alves, jornalista

Dia de eleição é esquisito. A adrenalina do período de campanha já tem se acalmado e vai chegando a saudade do agito que mudou a rotina das ruas. É um dia longo pela espera. Afinal de contas, o que interessa mesmo, o resultado da votação, já está definido pela energia que veio das ruas durante a campanha.

Tânia Alves, jornalista
Foto: Acervo pessoal
Tânia Alves, jornalista

Dia de eleição em meio a uma pandemia causada pelo novo coronavírus, que já matou mais de 160 mil brasileiros, é mais estranha ainda. Os santinhos levando sujeitas às ruas estão lá, pessoas vestidas de azul, amarelo e vermelho estão lá, os fiscais dos partidos permanecem a postos, mas tem algo incomum no ar. O ambulante na porta do local de votação fala em mudança, como em todas as outras, mas ele oferece máscaras e canetas que são itens essenciais nesta votação. Como imaginar que um dia, a gente iria às urnas usando panos como proteção para cobrir a boca e o nariz?

Esta eleição não é do mesmo jeito de tantas outras. No pequeno percurso entre minha casa e o local de votação, olho ao redor e vejo o cuidado de uma família com dois idosos, sentados na calçada de casa à sombra de uma árvore. Sinto o quanto foi necessário olhar pelos dois, durante os últimos 10 meses, para que eles pudessem estar participando de novo de uma votação. Lembro, sem querer, que muitos não tiveram a mesma sorte, pois se foram.

Neste 15 de novembro de 2020, o Sol que abriu forte é o mesmo de todos os novembros, mas a luz vem diferente. Tem muito de melancolia pela Covid-19, pelo desemprego, pela fome que voltou para perto da gente. Também me pareceu que tem nela um pouco de razão que há de prevalecer; de caridade que continuou sólida, mantendo o amar em alta nos últimos meses. Tem muito ainda da resposta da ciência que continua cristalina, apesar dos que insistem em negar a realidade.

Não vi, neste ano nas filas de votação, a arrogância e o rancor que estavam fortemente presentes em 2018. Isto não significa perfeição. Têm muitos defeitos ainda. Mas vale apostar que é uma vitória dos princípios e daqueles que tiveram decisão e coragem para permanecer confiantes na fé. Isso apesar das angústias e lágrimas presentes ao longo de 2020.

 

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Quem será?

Ricardo Guilherme, ator, dramaturgo e jornalista

Dia D, domingo, dia dela, daquela que a partir das urnas eletrônicas – tecnogenética de nosso sistema eleitoral – ressurge para outra vez gerar e gerir e gestar ações e intervenções sociais, nesse processo de gestação de uma nova gestão para a nossa mátria-cidade. Com ideias e ideais, ela na tela se pronuncia pelo voto. E dessa matriz, geratriz de expectativas e perspectivas, o que há de vir? O devir, o futuro que vai parir as gerações futuras.

Ricardo Guilherme, ator e dramaturgo
Foto: O POVO
Ricardo Guilherme, ator e dramaturgo

Com o fomento da razão e o fermento da emoção, essa bem-vinda vem lembrar à sua braba gente, tão ávida de brados retumbantes, que para estar em um lugar faz-se preciso estar com esse lugar, sabendo que as pessoas pertencem a um lugar na medida em que o lugar lhes pertence. Mais do que vivência, convivência, torna-se imprescindível ter com o lugar coexistência, entendendo-o não apenas como um ambiente, um meio, mas como um entremeio, de permeio entre aqueles que querem transformar o lugar no que ele seria se fosse, no que ele será, se for.

E o que será que será? Um lugar onde toda a gente se junte e se pergunte para que o todo aponte a resposta e que a possível resposta seja a ponte que nos interligue a novos horizontes.

Mas, intertextualizando Adriana Calcanhoto em Esquadros, pergunta-se: quem é ela, quem é ela? Quem seria essa que anda por aí prestando tanto atenção no que o irmão ouve e fala? Quem será essa que quer chegar antes para sinalizar o estar de cada coisa, filtrar seus graus e saciar a fome dos meninos que têm fome? Quem vem a ser essa que da promessa faz realidade para que, enfim, sonhemos e façamos o quase impossível? Quem é a que nos enseja a sermos não mais o que temos sido, mas, sim, o que seremos? Quem é a que não se sabe só e só se sabe com os mutirões das multidões? Quem é ela que agrega eles e elas, todos, todas e todxs?

De quem é essa voz que ressoa assembleias, consensos e dissensões? Quem protagoniza praças contra a violência da polícia e das milícias, contraditando o autoritarismo, o racismo, o machismo, o fundamentalismo, o conservadorismo, a ignorância, a ganância, a ditadura, a tortura, a censura, o antiambientalismo, o armamentismo, o consumismo, o fascismo, o antifeminismo, a antiarte, contrapondo-se à pandemia e às políticas que geram as pandemias? Afinal, quem é essa de quem é hoje o dia D? A Democracia que ainda resiste na Fortaleza das brancas praias de verdes mares que o poeta Paula Ney cognomina de loura desposada do sol.

 

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Segurança municipal: Sarto e Wagner são duas faces de uma mesma moeda

Ricardo Moura, jornalista

Há quem não goste da comparação, mas em se tratando das propostas para a área de segurança municipal, Sarto Nogueira (PDT) e Capitão Wagner (Pros) possuem mais pontos em comum do que divergências. As torres de vigilância, por exemplo, uma atualização das torres da Polícia Militar que ornavam Fortaleza nos anos 1990, aparecem com destaque no pouco do que conhecemos dos dois planos de governos.

Ricardo Moura, jornalista e articulista do O POVO
Foto: O POVO
Ricardo Moura, jornalista e articulista do O POVO

A noção de vigiar determinados segmentos da população remonta a uma concepção histórica na qual os mais pobres são percebidos como sujeitos perigosos e indomados que devem ser contidos e circunscritos às suas áreas, de preferência longe do olhar das pessoas de bem da cidade. Trata-se, como se pode notar, de compreender Fortaleza como uma fortaleza propriamente dita, cujos muros invisíveis não são mais feitos de pedra, mas sim de barreiras eletrônicas.

Estratégia semelhante transparece no esforço da atual gestão, mas que deve ser mantida, de monitorar os alunos sob a justificativa da prevenção à Covid-19. Milhões de reais prometem ser gastos nessa empreitada, como se o principal problema de nossas escolas fosse o reconhecimento facial de quem ali adentra.

Acenos de melhorias à Guarda Municipal são feitos pelos dois candidatos. Se levarmos as propostas à risca, teremos uma nova sede para o órgão em breve. A militarização crescente da instituição, como se fosse uma mera reprodução da polícia só que em âmbito municipal, parece ser uma tendência irreversível seja lá qual for o nome que vier a ocupar o Paço Municipal em 2021.

Obviamente, há tempo para ajustes e correções de rota. Políticas municipais de prevenção aos homicídios ainda podem vir a constar da pauta eleitoral dos dois adversários. Não é preciso inventar nada, as recomendações do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência estão aí para ser cumpridas. Para tanto, é preciso estar dotado de vontade política e de um olhar que criminalize menos os nossos jovens. Um compromisso real com a defesa da vida dos mais vulneráveis ainda pode estar no centro das preocupações da gestão que virá. Basta quere

 

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Usar ou não Bolsonaro e Ciro no 2º turno

Demitri Túlio, jornalista

O apelo irracional de Bolsonaro para que o eleitor não votasse em candidatos que defenderam o “fique em casa” não foi eficiente e parece sintomático. A impressão é que tanta pestilência e ineficiência administrativa estejam desfazendo o falso mito de alguém que prometeu inaugurar uma política diferente no Brasil. Isso, em menos de dois anos de presidência.

Jornalista Demitri Túlio
Foto: O POVO
Jornalista Demitri Túlio

Usar o nome de Bolsonaro acabou atrapalhando quem insistiu em lançar mão da imagem do capitão reformado do Exército para angariar votos. Em São Paulo, maior colégio eleitoral do Brasil, o vexame de Celso Russomano (Republicanos) é exemplo da falta de credibilidade para transferência de votos.

Deve ter ficado para o eleitor em São Paulo a imagem do atual prefeito Bruno Covas (PSDB) e do governador João Dória (PSDB) combatendo juntos a Covid-19, enquanto o presidente desdenhava das mortes. Nenhum discurso de Bolsonaro nem seu exército digital agregaram coisa alguma para Russomano.
Em Fortaleza, o candidato do Pros, Capitão Wagner, terá um dilema para enfrentar com os marqueteiros na disputa pelo segundo turno contra José Sarto (PDT). A imagem de Bolsonaro, não tão explorada na primeira etapa da campanha, permanecerá na sombreada?

Wagner nunca reforçou que era o candidato de Bolsonaro nem há material de campanha ostensivo com a imagem do presidente. Verdade, o capitão não negava quando perguntado por adversários políticos nos debate. E justificava dizendo que, assim, conseguiria benefícios para a Capital cearense.

Capitão Wagner chega ao segundo turno mais por causa do capital político que acumulou, desde que liderou a greve de policiais militares no Ceará em 2011, do que por influência de Jair Messias.

Sim, o voto em Wagner já era um voto conservador e reacionário. E esse curral eleitoral do capitão, na eleição para presidente, se encontrou com o populismo de Bolsonaro. Dois anos depois, o presidente não foi definitivo para uma vitória em primeiro turno nem para deixar Wagner na cabeça.

O dilema de Wagner também habitará a campanha de Sarto. O médico que viveu mais da política do que da medicina, ele está no parlamento desde 1988, optou também por não abusar da imagem e as aparições dos Ferreira Gomes durante o primeiro turno. Agora, terá de avaliar o que o atrapalhará menos na fase decisiva da eleição de 2020. Língua solta ou continuado silêncio.

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