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"A casa parecia sacudida por demônios invisíveis": os 40 anos do maior terremoto do Ceará
Reportagem Especial

"A casa parecia sacudida por demônios invisíveis": os 40 anos do maior terremoto do Ceará

TERREMOTO DE PACAJUS | Em Fortaleza, prédios estremeceram e as pessoas assustadas correram para as ruas, sob o som dos latidos dos cachorros. Em Pacajus, mais perto do epicentro, casas de taipa caíram, pessoas ficaram feridas e houve relato da morte de um bebê. O terremoto virou assunto durante dias, dominou as rodas de conversa na Praça do Ferreira. E virou o que hoje a gente chamaria de meme. Conheça a história de quando, 40 anos atrás, um dos maiores terremotos do Brasil atingiu a Região Metropolitana, no célebre "Terremoto de Pacajus"

"A casa parecia sacudida por demônios invisíveis": os 40 anos do maior terremoto do Ceará

TERREMOTO DE PACAJUS | Em Fortaleza, prédios estremeceram e as pessoas assustadas correram para as ruas, sob o som dos latidos dos cachorros. Em Pacajus, mais perto do epicentro, casas de taipa caíram, pessoas ficaram feridas e houve relato da morte de um bebê. O terremoto virou assunto durante dias, dominou as rodas de conversa na Praça do Ferreira. E virou o que hoje a gente chamaria de meme. Conheça a história de quando, 40 anos atrás, um dos maiores terremotos do Brasil atingiu a Região Metropolitana, no célebre "Terremoto de Pacajus"
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"Terra tremeu", foi a manchete do O POVO de 20 de novembro de 1980. Às 0h29min daquela madrugada de quinta-feira, 40 anos atrás, a reportagem registrou que três abalos foram sentidos na em Fortaleza. O estremecimento foi sentido em prédios da Capital. Assustadas, as pessoas saíram às ruas. Aquele permanece como um dos maiores terremotos já registrados no Brasil. O epicentro foi no limite entre os municípios de Cascavel e Chorozinho, na localidade de Brito. Porém, o fenômeno ficou na história como "Terremoto de Pacajus".

Capa do O POVO de 20 de novembro de 1980
Foto: O POVO.DOC
Capa do O POVO de 20 de novembro de 1980

O município ficou com o nome ligado ao abalo sísmico por ter sofrido as consequências mais graves. Casas de taipa desabaram. Casas de alvenaria perderam as telhas. Pessoas ficaram feridas e foi noticiado que a morte de um bebê de quatro meses teria relação com o fenômeno.

Em Fortaleza, os efeitos não foram tão sérios, mas muita gente acordou em plena madrugada. Houve susto e rebuliço. Ruas ficaram cheias de pessoas que deixaram as casas com medo de desabamento. Os cachorros latiam. "A casa parecia sacudida por demônios invisíveis", narrou o então editor do O POVO Pádua Campos.

Tremor afetou pedras do quebra-mar da Beira Mar
Foto: O POVO.DOC
Tremor afetou pedras do quebra-mar da Beira Mar

Oito pessoas foram levadas ao Instituto José Frota, já assim batizado, mas ainda então mais conhecido popularmente pelo antigo nome de Assistência Municipal. Não tinham ferimentos, mas diagnóstico de "excitação psicomotora" — nervosismo.

Um professor do Colégio Militar informou ao O POVO, na época, ter havido pequenas rachaduras no prédio. Enfermeira do Hospital Albert Sabin também relatou avarias no local.

O POVO enviou na época equipe até Timbaúba, povoado de Pacajus, então com cerca de 500 habitantes. Constatou casas destelhadas, com rebocos derrubados e paredes rachadas. O local tinha muitas casas de taipa e algumas desabaram, com as pessoas saindo dos escombros. Pelo resto da madrugada, muitos moradores não voltaram para dentro das casas que seguiram de pé. Redes foram armadas nos cajueiros, colchões e camas foram colocados nos quintais.

Capa do O POVO no dia seguinte ao tremor, 21 de novembro de 1980. Equipe foi a Pacajus e trouxe relato da morte de criança
Foto: O POVO.DOC
Capa do O POVO no dia seguinte ao tremor, 21 de novembro de 1980. Equipe foi a Pacajus e trouxe relato da morte de criança

Luis Viturino dos Santos relatou na ocasião que dormia na rede quando ouviu o estrondo e sentiu a pancada na cabeça. Percebeu então o sangue escorrendo pelo rosto e viu o teto destelhado. José Antônio do Nascimento também teve ferimento decorrente da queda de telhas.

Conforme os depoimentos à reportagem do O POVO na época, morreu durante o tremor um menino de quatro meses de idade, na localidade de Feijão, em Pacajus, que os pais levaram para ser sepultado no cemitério de Timbaúba naquela tarde. Não há mais detalhes sobre a ocorrência nem sobre as circunstâncias da morte da criança.

A igreja do povoado teve rachaduras. Em um bar, a geladeira a gás pegou fogo e o estabelecimento ficou destruído.

O tremor teve 5,2 graus, patamar moderado na escala Richter, logo abaixo dos tremores considerados fortes e com considerável poder destruidor. Está entre os maiores abalos registrados no Brasil.

Ecos na Praça do Ferreira

Logo que ocorreu o terremoto, surgiram teorias científicas para explicar o raro acontecimento em território cearense. A causa mais comum apontada foi a acomodação de camadas da crosta terrestre. Foi cogitado até que as frequentes secas no Estado tenham provocado acomodação estrutural de terra.

Na Praça do Ferreira, todavia, O POVO ouviu explicações mais originais: o abalo teria sido provocado por disco voador, bomba, "choque de uma estrela (sic) com a Terra", queda de avião. Mas teve gente que pensou que tinha sido um carro batendo no poste, menino passando por debaixo da rede e balançando. Quem pensasse que era sonho. Houve os que viram ali o peso na consciência dos governantes pela carestia. Muitos acharam ser um castigo de Deus. E teve quem achou aquele tremor gostoso para dormir, enquanto fazia a rede balançar.

Por falar em dormir, era o que fazia o cardeal arcebispo dom Aloísio Lorscheider. "Nem notei, estava dormindo", contou na edição do O POVO de 21 de novembro.

O POVO publicou, no dia seguinte ao tremor, questionário do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (USP), com perguntas sobre onde as pessoas estavam e como reagiram ao tremor. A publicação pedia que as pessoas entregassem os questionários respondidos na sede do O POVO, que os encaminharia à USP
Foto: O POVO.DOC
O POVO publicou, no dia seguinte ao tremor, questionário do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (USP), com perguntas sobre onde as pessoas estavam e como reagiram ao tremor. A publicação pedia que as pessoas entregassem os questionários respondidos na sede do O POVO, que os encaminharia à USP

O olhar do gênio

Mestre da pintura, o artista plástico Chico da Silva foi à Redação do O POVO um dia após o tremor e também deu sua visão sobre o episódio. Ele acordou na hora dos sismo e teve de se segurar na parede diante do impacto. "Pensei que naquele momento a terra estava colocando para fora tudo de ruim que colocaram dentro dela. Era uma revolta contra o mundo, contra as brigas que acontecem entre pai e filho", imaginou.

Terremoto sentido no O POVO

A edição do O POVO daquele dia estava perto do fechamento às 0h29min quando foi sentido tremer o prédio da avenida Aguanambi, 282. O maior susto foi nas oficinas, na parte de baixo, onde o impacto foi mais sentido. Paginadores, operadores de IBM, revisores, pessoal da fotomecânica e impressoras saíram do local às pressas. Na correria, uma revisora bateu a cabeça numa coluna.

Na Redação, estavam o secretário Paulo Henrique, o então editor de Esportes, Blanchard Girão, o então redator de Esportes Adeodato Júnior e o diagramador Vicente Filho. "Todos ficaram atônitos, porque o edifício começou a tremer, mas conseguiram manter a calma", informou a edição daquele 20 de novembro.

A equipe de Esportes estava particularmente mobilizada porque naquele noite começou a ser decidido o Campeonato Cearense de Futebol e o Ferroviário venceu o Ceará por 1 a 0 no primeiro jogo da melhor de três - o alvinegro acabaria campeão.

Os repórteres Paulo Verlaine e Newton Almeida estavam indo para casa na Kombi do jornal quando viram o movimento na rua, com as pessoas saindo das casas apavoradas. Então, voltaram ao jornal e participaram da cobertura. A histórica edição daquele dia do O POVO foi muito buscada em outros estados do Nordeste. Em São Luís, as edições que lá chegaram esgotaram, adquiridas por pessoas curiosas ou que queriam saber notícias de parentes vivendo no Ceará.

Virou "meme"

Décadas antes das redes sociais, o tremor de terra virou o que hoje seria chamado de meme. Por exemplo, sobre as avenidas com pavimentação de más condições, como se verificava na época na esquina da Duque de Caxias com Padre Ibiapina, logo se fez a anedota: "O terremoto atingiu aqui?"

Madrugada do terremoto foi movimentada e teve reações diversas
Foto: O POVO.DOC
Madrugada do terremoto foi movimentada e teve reações diversas

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