Maradona já era lenda antes de decidir ir embora de vez com o corpo que o imortalizou. “A bola é limpa”, repetia o ídolo mundial do futebol ao pedir desculpas aos torcedores por uma vida que beirou ao humano e, simplesmente, isso. Cocaína, escândalos, impedimento de dar a volta por cima na Copa de 1994...
O baixinho de pernas curtas, tronco encruado e pés divinos deixou histórias memoráveis com a bola que, se não apagam os “tropeços” fora das quatro linhas, o colocam entre alguns humanos sobrenaturais.
Do céu ao inferno, dom Diego Maradona é contado aqui em tango, vida e futebol. São narrativas de quem o viu jogar e o amou do jeito que ele era. Ou paixão de menino, feito João Pedro, que se encantou com alguém que parece nunca ter existido.
Ele foi mesmo perpétuo e a ‘talvez-raiva’ que muitos brasileiros tinham dele, com certeza, era porque Maradona não nasceu por aqui. Era só despeito e deslumbramento com quem metia medo quando entrava em campo contra o Brasil e a "bola só foi bola" quando Maradona a tocou. (Demitri Túlio)
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Historiador
Amado seja Maradona, assim na terra como no céu. Rogai por nós, frequentadores das arenas pagãs, assim na glória como na derrota. Tens piedade dos devotos da bola, que agora, em lágrimas, neste momento tão doloroso, se quedam inconsolados, órfãos de sua canhota imortal e dos dribles inexplicáveis. Dos cebollitas vieste e para as estrelas ascende, ficando para sempre em nossos corações. Que a mano de Dios nos abençoe Amém.
Não há uma palestra que ministre em que não perguntam se Maradona “foi o maior”. Como historiador, digo que é difícil comparar épocas distintas, pelo risco do anacronismo. Prefiro dizer que cada época teve “reis” – Puskas, Di Stefano, Pelé... Nos anos 80, dentro dos gramados, el pibe de oro foi insuperável. Para além de suas jogadas alienígenas, Maradona carrega aspectos outros que não podem ser minimizados.
De origem modesta, morador da favela de Villa Florito, baixinho, com traços indígenas, conseguiu ascensão social como o futebol, por vezes, permite. Isso numa sociedade, tal a brasileira, racista, que durante anos escondeu seus componentes negros e celebrou o extermínio dos povos nativos como um “sinal de civilidade”.
Mais ainda: Dieguito, ao conquistar a Copa de 86, recuperou o orgulho nacional de uma Argentina há pouco saída de uma ditadura militar sanguinária (30 mil mortos) e de uma guerra com alto custo de vidas. Como se não bastasse a taça do mundo, durante a competição, os argentinos derrotaram os ingleses, algozes nas Malvinas. A política, ao contrário do que alguns falam (ou desejam), está dentro do esporte. O indiozinho vingou seus compatriotas, com uma “mãozinha” divina e uma das mais sensacionais jogadas da história do esporte bretão, quase uma metáfora das táticas de vida que os fracos usam para derrotar aos poderosos.
Ali, a Argentina, de certo modo, “ganhou” a guerra e recuperou sua alma. E Maradona virou divino, não importando quais deslizes e equívocos apresentasse na trajetória pessoal. Como diz Eduardo Galeano, Maradona foi o mais humano dos deuses. Os custos, porém, foram altos. Por várias vezes tentou ergue-se. E por várias vezes voltou a fraquejar. Talvez por ser um deus de carne, sangue, ossos e lágrimas, Maradona despertasse tanta empatia – e ódio de seus desafetos, por ter se batido contra os cartolas do mundo do futebol (como o brasileiro Havelange) e por haver assumido posicionamentos políticos de esquerda, defendendo Cuba e Venezuela.
Maradona, agora, mais do que nunca, está divinizado, entronizado com a camisa 10 da albicelente, de azul tão infinito quanto a genialidade do craque.
Jornalista da Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Fortaleza
Munique, 19 de abril de 1989. Mais de 73 mil pessoas lotam o Estádio Municipal para assistir Bayern de Munique x Napoli, segunda partida da semifinal da Copa da Uefa. Minutos antes do apito inicial, os jogadores das duas equipes entram em campo para aquecer, uma rotina tão entediante quanto corriqueira.
Para animar os torcedores, o sistema de som começa a tocar “Live is life”, música do grupo pop austríaco Opus, com um “lá-lá-lá” pegajoso como refrão e que ganhou até cover no Brasil.
Então, Diego Armando Maradona resolve se desligar da tensão de um jogo tão importante. Enquanto os torcedores cantam e batem palmas, Maradona faz mágica. Cadarços das chuteiras desamarrados, ele alterna embaixadinhas com a cabeça, as coxas e os ombros no ritmo da música. Em alguns momentos, a bola simplesmente descansa em sua cabeça.
Não existem dezenas de milhares de torcedores, não existem jornalistas e nem outros craques, como os brasileiros Careca e Alemão, seus companheiros no Napoli. É só Maradona e a bola, em uma dimensão própria. Aquela a qual pertencem os deuses.
Uma busca rápida no Google traz diversos registros daquele momento único da história do futebol, com milhões de visualizações que devem se multiplicar nos próximos dias.
Mas Maradona não perdeu o foco no que importava e foi fundamental para garantir a conquista da vaga. Bayern e Napoli empataram em 2 x 2, resultado suficiente, pois o time italiano havia feito 2 x 0 na ida. Dois gols de Careca com duas assistências de Maradona. Na final, mais uma vez contra um time alemão, dessa vez o Stuttgart, o Napoli conquistou o título.
Neste 25 de novembro de 2020, quando Maradona partiu aos 60 anos, as imagens de seus grandes feitos, como o maior gol da história das Copas do Mundo, contra a Inglaterra em 1986, e o gol da “Mão de Deus”, na mesma partida, serão reprisadas centenas de vezes. Naquele ano, Maradona levou a Argentina ao seu segundo e, até agora, último título mundial. Comentaristas vão enaltecer a genialidade, a visão de jogo, o talento que vinha daquela perna esquerda.
Também serão lembradas suas polêmicas, pois Maradona nunca quis ser perfeito. Como esquecer, por exemplo que, oito anos depois de ter o mundo aos seus pés no México, Maradona sairia pela porta dos fundos em outra Copa, no vizinho Estados Unidos.
E, talvez, essa relutância explique a paixão das pessoas por Don Diego. Quase três décadas após se despedir do Napoli, em 1991, Maradona continua presente nas ruas de Nápoles. São murais nos prédios, fotos emolduradas em bares, restaurantes, padarias e altares, muitos altares nos lares dos napolitanos que hoje choram a perda do ídolo. Nunca existiu sinergia igual entre um jogador de futebol e uma cidade.
O 25 de novembro de 2020 é o dia de lembrar os gols, os dribles, as glórias, as derrotas e as contradições de quem foi gauche na vida. Mas é também o dia de lembrar o dia em que Maradona transformou um aquecimento em arte.
Jornalista e pesquisador de futebol
Maradona apunhalou meu coração de oito anos com os dribles em Dunga e Alemão e o passe para Caniggia nos varrer da Itália em 1990. Ao fim do jogo, não satisfeito, vestiu a amarelinha de Careca em meio a sorrisos e festejos. Uma imagem desconcertante e que sedimentou o fel entre nós naquele dia que ficaria gravado, futuramente, na infame "Brasil, decime que se siente".
Passo em revista minhas "vinganças pessoais" de Diego e, confesso, me envergonho por não ter compreendido as fraquezas do deus dos argentinos. O vice para a Alemanha em 1990; o alegado doping quatro anos depois; os exageros extracampo que lhe cobraram a conta agora. A implicância era tamanha que até reconhecer uma bandeira do Brasil pintada numa placa de publicidade, na cena dele comemorando o golaço contra a Inglaterra, em 1986, se tornou motivo de satisfação na nossa rivalidade interna. Nem Romário, nem o tetra, nem a adolescência… Só a maturidade nos uniu.
Maradona é humano, demasiado humano. Deus e o Diabo na Terra da Prata. Gênio genioso que encantou o mundo com a bola, mas que foi de encontro a ele tantas vezes quanto considerou necessário. E, sim, sempre reverenciou o Brasil. Seja tendo em Rivelino o seu ídolo, em Pelé o seu carinhoso antagonista ou em Ronaldinho Gaúcho seu sucessor.
Hoje, vejo Maradona vestindo o Brasil e, no que era ultraje e desforra, enxergo respeito ao adversário, admiração. A facada no coração singra para o cérebro numa distopia estilo Síndrome de Estocolmo. "Imagina se o Maradona fosse brasileiro". Meu malvado favorito vestiu já o verde e amarelo. E isso é o que basta para aquecer esse coração quase quarentão de orgulho arrebatador.
Descanse em paz, Pibe.
Repórter estagiária do Esportes O POVO e torcedora da Argentina
Quando se fala de futebol, podemos deixar de lado o monoteísmo que herdamos do Cristianismo e abraçar o politeísmo. É possível, sim, que haja mais de um Deus futebolístico. Embora católica, sempre tive esse pensamento firme comigo dentro do esporte. No futebol, considero nesse status Pelé, Garrincha, Maradona, Marta e Messi.
Quando coloco algum jogador no status de Deus, penso que os feitos de tal serão eternos, assim como ele e todo seu futebol. O grande problema de colocar alguém nesse patamar é aceitar que, como qualquer ser humano, ele não é eterno ou mesmo perfeito.
Diego Armando Maradona Franco nunca fez questão de ser perfeito. Falastrão e zombador, não suportava que contestassem sua genialidade no futebol ou que colocassem outro em seu patamar. Talvez ele tenha sido o mais falho entre os humanos que conheci — ainda que a distância. A imperfeição, contudo, é fácil de aceitar. A finitude não.
Ser falho num mundo onde as pessoas procuram a tal (inexistente) perfeição é ato de coragem e isso Maradona sempre teve. Foi tão corajoso que até tentou vingar a Guerra das Malvinas com um gol de mão em quarta de final de Copa do Mundo. Teve força para defender seus ideais políticos contra tudo e contra todos, até mesmo contra a Fifa, que insiste na alienação. Entretanto, ter coragem nem sempre é o bastante para vencer a batalha contra a dependência química.
Maradona tentou, mas nesse jogo ele perdeu, de forma mais trágica do que os outros vários que todo jogador — humano ou divino — perde.
Este revés, porém, não se resume ao D10S. Todo fã de futebol saiu dessa partida derrotado. Afinal, Maradona sempre nos lembrou que deuses do futebol eram falhos e agora Ele nos mostra que também não são imortais. Infelizmente.
Estudante, 11 anos, gosta de assistir, de jogar e de ler sobre futebol e sonha em ser jogador de futebol. Atualmente, joga na seleção da escola como meia-atacante
Para muitos, o futebol é só mais um esporte, mas para outras milhões de pessoas é uma verdadeira paixão. Essa paixão existe por conta de artistas, como Pelé, Zico e o argentino Diego Maradona, que infelizmente nos deixou hoje no dia 25 de novembro de 2020.
Diego Maradona foi, na minha opinião, um dos melhores jogadores da história, conquistando 12 títulos em 21 anos, uma Copa do Mundo, quatro campeonatos nacionais (dois italianos, um espanhol e um argentino), uma Champions League e vários outros, além de ter recebido diversos prêmios individuais. Hoje em dia é conhecido como uma lenda do futebol, um dos maiores camisas 10 da história, e mundialmente conhecido.
Não cheguei a ver Maradona jogar, mas de vez em quando vejo lances/jogadas dele que são incríveis, inspiradoras, fantásticas e inesquecíveis. Por exemplo, ele fez um dos gols mais bonitos das copas, onde ele driblou quase a seleção inglesa inteira.
O lance mais famoso dele, sem dúvida, foi quando ele fez o gol de mão na copa. Bem, Maradona já fez coisas erradas como o uso de drogas no meio da Copa, mas graças ao antidoping, ele foi pego e retirado do torneio. Quando se aposentou seguiu sua carreira de técnico treinando vários times.
Para mim, o futebol de Maradona é uma inspiração, pelo seu incrível controle de bola, sua agilidade, sua facilidade para driblar, seu instinto artilheiro. Maradona foi um incrível jogador e a gente vai lembrar dele sempre desse jeito.
Jornalista louco por futebol
No final da manhã deste 25 de novembro, começam a pipocar as mensagens nos inúmeros grupos de whatsApp.
“Maradona morreu”. Curto e grosso. De imediato, o susto. Em seguida, a torcida para que a mensagem tivesse um complemento e fosse uma piada ou um trote.
A espera foi em vão. A partir daí começaram a aparecer os detalhes, os links dos sites de notícia e, de repente, virou o assunto mais comentado nas redes.
Nas minhas redes sociais, permanentemente assepsiadas de recalcados e trogloditas de direita, o tom era de lamentação e de agradecimento pelas alegrias que Dom Diego Armando Maradona proporcionou aos amantes do futebol.
Aí começam a surgir na memória os gols de placa, os banhos-de-cuia, os traços-de-arrodeio, a fila de beques deixados para trás, os goleiros caídos no chão a olhar a bola no fundo das redes.
O que a memória do coroa não conseguiu lembrar, as redes sociais rapidamente trouxeram. Cenas magistrais que, mesmo revistas mil vezes, ainda aparentam ser inéditas de tão espetaculares.
Maradona foi um daqueles gênios da raça, de quem os apaixonados pelo futebol e pela vida podem passar dias e dias falando dos seus feitos.
Rico e famoso com o futebol, jamais esqueceu de sua origem proletária.
Um dos poucos profissionais do esporte que fazia questão de exibir seu compromisso com a luta dos oprimidos de todo o mundo. A paixão pelo socialismo fez questão de gravar na pele, ao tatuar as imagens de seu conterrâneo Che Guevara e a de seu amigo Fidel Castro, dentre outras tantas que representam sua opção política e social.
Desde que era apenas “El pibe” de “Los Cebolittos”, seu primeiro time em um subúrbio pobre de Buenos Aires, até os inúmeros títulos conquistados pelo mundo, Maradona foi sempre o gênio inquieto e disposto a enfrentar os poderosos, sejam eles os zagueiros violentos, os moralistas de plantão ou o grande capital.
Dieguito já está no panteão dos grandes heróis da humanidade. Sua vida tornou mais alegre a nossa. E eu agradeço muito por isso.
Campeão nos gramados e na vida, Maradona perdeu a partida final contra a morte. Mas, aqui para nós, quem é mesmo que consegue vencê-la?
Jornalista e músico
Cada geração costuma revestir seus heróis com cores mais pujantes e exceções mais sublimes do que os herois de outras gerações. Entre o saudosismo vazio e a autorreferência cínica, o “tempo” dos outros tem se tornado uma roupa que nos serve cada vez menos. É por isso que o (falso) debate sobre quem teria sido o maior jogador, se Maradona ou Pelé, não passa de um enfadonho tatibitate geracional.
Além de não haver uma métrica objetiva para medir o que cada um fez de mais assombroso em campo – dado que jogaram em épocas distintas e contextos táticos e físicos tão diferentes – , a importância desses dois personagens não se limita às quatro linhas. Pelo contrário, vai muito além. O futebol, afinal, nunca é só futebol.
Sou um extemporâneo em relação a Pelé. Não o vi jogar – exceto em documentários e registros em vídeo. Não vivi, portanto, o furor e a catarse em torno de suas proezas geniais. Com Maradona foi diferente. Sem grandes controvérsias, foi o ídolo maior da minha geração. Assisti aos jogos da Copa de 86, vi as partidas do Napoli no final dos anos 80 e acompanhei os jogos do retorno ao futebol argentino. Foi, de longe, o jogador que mais me impactou.
Tudo nele era habilidade, explosão e coragem. Sim, Maradona foi, sobretudo, um jogador corajoso. Nisso residiu a grandeza de sua passagem entre nós; e é nesse sentido que pode ser considerado muito maior do que Pelé. Enquanto Edson tornou-se um ídolo meio inalcançável, uma divindade protegida por um certo pacto de indulgência por parte majoritária da crônica esportiva – inclusive em relação às suas detestáveis posições políticas e às cruéis decisões que tomou em sua vida pessoal – , Diego teve a coragem de se assumir humano demasiado humano.
Maradona foi, de fato, um personagem que nunca se equivoca diante do gol, mas que fica perdido em qualquer outro lugar, como canta Mano Chao na música dedicada a ele, “La vida tombola”. Dom Diego foi um artista grandioso, mas um ser humano atravessado por equívocos e dramas. Recorrendo aos versos de Lupicínio, foi alguém que desceu ao inferno à procura de luz. Acabou por iluminar o imaginário de toda uma geração. Nisso, foi o maior. Foi incomparável.