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Potengi: o prefeito que ainda não tem paletó para a posse
Reportagem Especial

Potengi: o prefeito que ainda não tem paletó para a posse

Edson Veriato é o primeiro eleito pelo Psol para uma prefeitura no Ceará. Ele venceu em Potengi a candidata do PT, atual prefeita. Tem 34 anos, é ativista comunitário, radialista, agricultor, sabe ler e escrever e ainda nem pensou no figurino da posse

Potengi: o prefeito que ainda não tem paletó para a posse

Edson Veriato é o primeiro eleito pelo Psol para uma prefeitura no Ceará. Ele venceu em Potengi a candidata do PT, atual prefeita. Tem 34 anos, é ativista comunitário, radialista, agricultor, sabe ler e escrever e ainda nem pensou no figurino da posse
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Foi com a pergunta, já quase no fim de 40 minutos de entrevista, que Edson Veriato se deu conta do problema que precisará resolver até 1º de janeiro de 2021, para sua posse como novo prefeito eleito do município de Potengi.

O POVO - Você tem o paletó para a posse?

 

Ih, rapaz. Aí você me pegou, viu? Vou ter que arrumar um. Eu não tenho. Agora você me pegou mesmo. Vou ter que me organizar pra isso (risos).


Francisco Edson Veriato da Silva, de 34 anos, se tornará o 12º ocupante da Prefeitura da "cidade que nunca dorme" - alguns chegaram a ser reconduzidos ao cargo. O apelido dado ao pequeno município da região do Cariri é pela tradição dos ferreiros. Nas madrugadas da cidade, é comum ouvir o tilintar de ferro batendo em ferro em pequenas oficinas. O som se espalha em sincronia. São artesãos moldando enxadas, foices, facões e outras peças com o uso de metal mais martelo, fogo e bigorna. É a principal atividade de Potengi.

O traje social completo da solenidade ainda será providenciado, mas o "feito histórico" - o próprio Veriato reconhece assim - já está demarcado. Ele é o primeiro prefeito eleito do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) no Ceará. A legenda, tradicionalmente de oposição, teve duas prefeituras conquistadas em 2016, agora chegou a quatro chefes do Executivo pelo Interior do País. O Psol ainda tem chance de ser governo em duas capitais, na disputa do 2º turno em São Paulo e Belém. Em Fortaleza, o partido conquistou duas cadeiras no Legislativo: Gabriel Aguiar e o mandato coletivo Nossa Cara.

Edson Veriato é o primeiro prefeito eleito pelo Psol no Ceará
Foto: Arquivo Pessoal
Edson Veriato é o primeiro prefeito eleito pelo Psol no Ceará

Agricultor, radialista, ativista comunitário, ex-líder estudantil, Veriato concluiu o Ensino Médio.

 

"Prefiro dizer que sei ler e escrever e sou agricultor"

 

A vitória do último dia 15 de novembro foi sobre a atual prefeita, a enfermeira Antônia Alizandra (PT). Ele somou 3.457 votos (58,89%), a adversária obteve 2.318 (39,49%). “Derrotamos o grupo político que estava no poder há mais de 20 anos”, comemora, descrevendo um revezamento que havia na gestão local. Na véspera, dia 14, o outro candidato, o dentista e ex-prefeito Samuel Carlos (PSD), fez discurso na sombra da praça principal da cidade e anunciou que desistia da campanha para apoiar Veriato.

O eleito garante que não precisou fazer trocas pelo apoio oficial de última hora. Ele se autorreferencia na terceira pessoa: "Edson Veriato foi eleito sem ter um cargo, sem vender uma secretaria, sem vender uma licitação. Não tô afirmando que isso aconteça, mas é o que a gente sempre viu pela lógica do sistema. Veriato é eleito sem nenhum emprego prometido. A vinda do PSD foi de forma espontânea, sem nenhum acordo. Se fosse pra exigir acordo ou negociata eu não teria aceitado".

Veriato é casado há dez anos com Claudiana e pai das meninas Sofia e Maria Elis
Foto: Arquivo Pessoal
Veriato é casado há dez anos com Claudiana e pai das meninas Sofia e Maria Elis

Casado há dez anos com Claudiana Santos Veriato, pai de Maria Elis, de 3, e Sofia, de 8, Veriato e a família vivem do dinheiro do Bolsa Família e da venda de perfumes que a mulher mantém. Para adquirir os produtos, chegaram a levantar empréstimo em programa de microcrédito. "Quando aperta, a gente tem uma criaçãozinha e tira umas galinhas. A gente vive basicamente da roça e dessa luta diária", descreve.

É filho de pais analfabetos, faz questão de destacar, sendo sua eleição o maior salto de alguém de sua família. Ele relembra quando, ainda no movimento estudantil, 15 anos atrás, precisou passar 20 dias participando de um congresso de estudantes secundaristas em Brasília com R$ 5 no bolso. Chegou a fazer vaquinha em salas de aula pedindo ajuda para a viagem. Pediu carona e comida para se sustentar. Como prefeito, deverá ganhar R$ 16 mil de salário.

A atuação como radialista, numa web rádio e numa rádio comunitária, e também blogueiro (edsonveriato.com) são voluntárias. Não tira rendimentos das duas atividades. Diz que faz "porque gosta mesmo". Também é gestor do Ibitiara Esporte Clube, time amador "que está parado há mais de um ano por questões financeiras".

Edson atuava também como gestor do Ibitiara Esporte Clube, time amador de futebol em Potengi
Foto: Arquivo Pessoal
Edson atuava também como gestor do Ibitiara Esporte Clube, time amador de futebol em Potengi

Ibitiara é um dos antigos nomes locais, que também já se chamou Xique-Xique (e Chique-Chique), nos tempos em que era distrito do município de Araripe. A emancipação local se deu em 1957. Potengi significa água ou riacho dos camarões. Tem pouco mais de 11 mil habitantes (IBGE, 2019), que vivem da agricultura de subsistência e de programas de transferência de renda. Educação e saúde não podem ser exaltadas. "A gente vive num município que a população reclama a falta da dipirona, falta de soro, de injeção. A gente vive num município em que o transporte escolar que deveria ser gratuito é pago, o estudante tem que fazer uma rifa pra todo mês garantir combustível", lista.

A geração de emprego e renda é outro pilar que Veriato quer desenvolver. "Confecção, artesanato, tem outras áreas que podem ser trabalhadas. É preciso reorganizar. Conversei com empresários que têm intenção de trazer uma fábrica de tintas para Potengi". O futuro prefeito quer incentivar a formação de novos ferreiros, profissão que tem perdido força mesmo com a cultura herdada. "Precisamos mostrar que aqui pode ser a capital dos ferreiros, mostrar para quem não conhece".

Veriato conta que fez sua campanha de 2020 porta a porta.


"De mochilinha nas costas. Digo isso, é verdade, levando dentro rapadura e pacote de bolacha".

 

Usava boné para se proteger do sol. Recebeu R$ 26 mil do fundo partidário, segundo a prestação de contas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além de dois doadores terem repassado, na soma, cerca de R$ 2,9 mil. "Foi fundamental para o que a gente precisava, que era para material de campanha".

Essa não foi a primeira candidatura de Veriato. Em 2008 e 2012 tentou ser vereador pelo PCdoB, ficando como suplente nas duas ocasiões. Em 2016, deixou de ser eleito por 11 votos. "Teve campanhas que eu trabalhei usando papel e caneta porque não tinha condições financeiras para garantir o material", volta ao passado mais difícil. Em 2018, já pelo Psol, alçou voo mais alto tentando vaga para a Câmara Federal. Saiu-se como o mais bem votado no município para o cargo, mas não se elegeu.

Veriato (de camisa amarela) conseguiu construir base eleitoral em Potengi em um trabalho de longo prazo, dialogando com moradores antes mesmo da campanha deste ano
Foto: Arquivo Pessoal
Veriato (de camisa amarela) conseguiu construir base eleitoral em Potengi em um trabalho de longo prazo, dialogando com moradores antes mesmo da campanha deste ano

"A intenção era continuar dialogando com os problemas enfrentados. Era uma oportunidade de mostrar ao povo a capacidade de fazer política". Admite que ali já era a ideia pensada para disputar a prefeitura potengiense. "A eleição de deputado foi uma estratégia política para que hoje a gente pudesse estar forte nos quatro cantos do Potengi", relembra.

Ailton Lopes, presidente do Diretório Estadual do Psol no Ceará (Foto: Mauri Melo/O POVO)
Foto: MAURI MELO/O POVO
Ailton Lopes, presidente do Diretório Estadual do Psol no Ceará (Foto: Mauri Melo/O POVO)

Ailton Lopes, presidente do diretório estadual do Psol, afirma que já havia expectativa sobre a chance real de o partido fazer o prefeito e uma bancada forte na cidade caririense. "O candidato de Potengi já estava no nosso radar com chance real de se eleger. Demos prioridade máxima. É a demonstração de que o trabalho coletivo militante e cotidiano produz transformações sociais", exaltou o dirigente - que ficou na primeira suplência do partido no Legislativo da Capital.

Sobre o telhado de vidro que passará a ser, sujeito a críticas, por falta de experiência em gestão do partido e do eleito, Veriato rebate: "É possível. O Psol não tem experiência, mas o candidato eleito conhece a realidade de Potengi, os quatro cantos. O que falta é oportunidade".

Além do prefeito, o Psol de Potengi fez uma bancada com três vereadores, um terço da Câmara que é formada por nove cadeiras. Foram eleitos pela sigla a cabeleireira formada em Psicologia, Aline Sérgio, e os agricultores José Ferreira Lima, identificado na urna como Zé de Júlio, e Francisco Ailton da Silva, conhecido como Ailton Leite - que também domina o ofício de ferreiro.

Equipe que auxiliou Edson Veriato durante a campanha em Potengi
Foto: Divulgação
Equipe que auxiliou Edson Veriato durante a campanha em Potengi

Apesar da constante participação na vida política, Veriato nunca conversou com Camilo Santana pessoalmente. O mais próximo que esteve o Governador do Estado foi durante protesto do sindicato na Capital por melhores condições de acesso à água e recursos para pessoas do campo.

Sobre a gestão federal, vê em Jair Bolsonaro o perfil de alguém que "faz uma coisa pela manhã e, à tarde, desfaz", o que avalia como problemático. Na esfera estadual, considera que Camilo "fez muito, mas poderia ter olhado mais para o Interior".

 

"Nunca tive preguiça de andar, não vai ser agora que vou ter".

 

Edson Veriato, prefeito eleito de Potengi pelo Psol
Foto: Arquivo Pessoal
Edson Veriato, prefeito eleito de Potengi pelo Psol

Após a vitória, já recebeu os parabéns do deputado estadual Renato Roseno, ex-candidato à Prefeitura de Fortaleza, e assume que não sabe quem mais possa ter falado com ele pelo WhatsApp nos últimos dias, já que tem muitas dificuldades de acesso à Internet. O primeiro prefeito eleito pelo PSol no Ceará também pretende bater à porta dos deputados estaduais e federais na busca por recursos para o município.


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