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Mulheres que fazem ciência no Ceará e sobre o Ceará
Reportagem Especial

Mulheres que fazem ciência no Ceará e sobre o Ceará

Em áreas tão diversas quanto a linguagem neural ou o monitoramento dos mangues, O POVO mostra pesquisas desenvolvidas por mulheres cearenses ou que fazem ciência no Ceará, e que têm como objeto aspectos presentes no próprio Estado, ou que podem ser nele aplicados

Mulheres que fazem ciência no Ceará e sobre o Ceará

Em áreas tão diversas quanto a linguagem neural ou o monitoramento dos mangues, O POVO mostra pesquisas desenvolvidas por mulheres cearenses ou que fazem ciência no Ceará, e que têm como objeto aspectos presentes no próprio Estado, ou que podem ser nele aplicados
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As mulheres representam 55% dos ingressos no ensino superior, segundo os dados mais recentes do censo realizado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2017. Elas correspondem a 57% dos matriculados e 61,1% dos concludentes. O censo de 2018, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não trouxe dados a esse respeito.

De acordo com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), o Brasil é o país íbero-americano com maior percentual de artigos científicos assinados por mulheres, seja como autora principal ou como coautora. Entre 2014 e 2017, o Brasil publicou cerca de 53,3 mil artigos, 72% deles são assinados por mulheres.

O POVO mostra um pouco do trabalho de mulheres cientistas que produzem conhecimento por meio de pesquisas inovadoras Ceará afora, da antropologia à química orgânica. Ponto de convergência entre as entrevistadas é o incentivo público à pesquisa: por meio de bolsas de permanência nas universidades, pelo programa Ciência sem Fronteira e pela Fundação Cearense de Apoio e Desenvolvimento Tecnológico (Funcap), as políticas foram fundamentais para a permanência das mulheres nesses espaços. Outro ponto em comum entre as entrevistadas é a produção de conhecimento voltado para o território cearense.

 

"Sou pesquisadora e pesquisada"

Após defesa do TCC, Rute Anacé apresentou pesquisa na reserva indígena(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Após defesa do TCC, Rute Anacé apresentou pesquisa na reserva indígena

Rute Anacé se define com as palavras acima. A cientista social de 23 anos fez parte da primeira turma de indígenas da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, no curso de Ciências Sociais. A indígena também foi a primeira de sua etnia a se formar na UFRB, em 2020, com pesquisa sobre a desterritorialização dos Anacés de Matões para a reserva indígena Taba dos Anacés, ambas localizadas em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza.

Os Anacés de Matões já passaram por duas remoções. Uma em 1997 e a mais recente em 2018. Aos 17 anos, quando passou no vestibular, Rute já sabia o que ia pesquisar. A decisão foi tomada quando ela se teve os primeiros contatos com as áreas de antropologia e ciências sociais, nas disciplinas no ensino médio.

No estudo, a pesquisadora aborda as consequências da chegada das indústrias às terras indígenas a partir de relatos das famílias. "É uma pesquisa conjunta, onde eu associo o que aprendi na comunidade e dou voz à comunidade. Não é algo fácil a readaptação, mesmo trazendo as memórias e as lembranças, que são a base desse processo de reconstrução. As famílias que trabalham com hortaliças ainda não se reconstruíram, por exemplo. O solo não é o mesmo e não tem a mesma produtividade. Muitos desses trabalhadores são analfabetos e precisam ir e voltar da Reserva Indígena Taba dos Anacés para Matões todos os dias", analisa Rute. A distância entre as duas localidades é de 20 quilômetros.

Ao final da graduação, em 2019, Rute defendeu o TCC na UFRB, e, em janeiro de 2020, apresentou a pesquisa na Reserva Indígena de Taba dos Anacés. Na ocasião, a orientadora, professora Jurema Machado, também esteve presente.

"Ser mulher e indígena me permitiu dar voz a esses processos e falar dessas relações simbólicas." Rute Anacé, mestranda em Antropologia pela UnB

Desde pequena, Rute via pesquisadores — na época ela ainda nem sabia, eram antropólogos — realizarem estudos na comunidade e nunca retornarem. "Uma coisa é um branco entrar numa comunidade fazer o estudo e ir embora. Outra coisa é um indígena pesquisar e dar um retorno pra comunidade. Ser mulher e indígena me permitiu dar voz a esses processos e falar dessas relações simbólicas."

Rute cresceu vendo antropólogos brancos que iam a reserva fazer pesquisas e nunca mais voltavam(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Rute cresceu vendo antropólogos brancos que iam a reserva fazer pesquisas e nunca mais voltavam

Além de abordar a reconstrução, ela também estuda processos de demarcação em terras indígenas de outras comunidades e o processo de construção de outras identidades indígenas no nordeste. Ela questiona o desenvolvimento que afeta terras indígenas, como por exemplo, a construção e ampliação do Complexo Industrial e Portuário do Pecém.

"A sociedade sugere um desenvolvimento, mas os povos indígenas acabam sendo afetados por esses processos. O território, pra gente, é a mãe. E, por exemplo, em Matões houve muito desmatamento durante esse processo que acaba sendo genocida dentro das comunidades. Utilizei muitas referências indígenas no meu trabalho, porque é importante fortalecer os nossos e entender esses processos como genocidas, assim como o processo de luta por território não só dos Anacés, mas de todas as comunidades que ainda passam por isso."

Alguns indígenas citados como referência por Rute são Felipe Tuxá, Gersem Baniwa e Eloy Terena, todos antropólogos, este último também advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

"Eu posso dizer que toda a minha trajetória como acadêmica, mulher e indígena tem sido de resistência. A graduação não foi um processo fácil."

Ao longo do processo, ela enfrentou a dificuldade emocional e financeira de permanência enfrentada por perfis socialmente vulneráveis na academia. Durante a graduação, ela contou com uma bolsa de auxílio de permanência para indígenas e quilombolas, no valor de R$ 900.

"Eu posso dizer que toda a minha trajetória como acadêmica, mulher e indígena tem sido de resistência. A graduação não foi um processo fácil. Eu consegui entrar e acredito que vou conseguir permanecer no mestrado, pois não estou sozinha. Somos minorias nesses lugares e precisamos lutar pela permanência psicológica e financeira. Não é fácil sair de um estado para o outro. Várias situações me fizeram pensar em desistir."

Fortaleza, Ceará, Brasil 05.03.21 - Na foto, Rute Anacé, pesquisadora (Digo Souza/Divulgação)(Foto: Digo Souza/Divulgação)
Foto: Digo Souza/Divulgação Fortaleza, Ceará, Brasil 05.03.21 - Na foto, Rute Anacé, pesquisadora (Digo Souza/Divulgação)

Dessas situações, Rute destacou duas. "Alguns professores em sala de aula (na graduação) subestimaram minha capacidade por eu ser indígena e mulher e já escutei dentro de sala de aula que indígena merece porrada. Isso numa disciplina de direitos humanos", relata.

Atualmente no mestrado em Antropologia Social na Universidade de Brasília (UnB), iniciado no segundo semestre de 2020, ela pretende analisar o impacto sofrido não só pelos Anacés, mas por todas as comunidades indígenas que foram afetadas de alguma maneira pela construção e ampliação do Complexo Industrial e Portuário do Pecém.

A pesquisadora

Nome: Rute Moraes (Rute Anacé)

Idade: 23 anos

Instituição: Universidade de Brasília (UNB)

Condição: Mestranda em Antropologia

  

A matemática do cotidiano

 

Uma paixão em comum move as amigas e cientistas Ticiana Linhares, 31 anos, e Camila Costa, 30: a matemática. Ticiana, professora adjunta do programa de pós-graduação do Curso de Computação da Universidade Federal do Ceará (UFC), atualmente coordena pesquisas no Laboratório de Transformação Digital no Ceará sobre processamento de linguagem natural. Camila pesquisa no pós-doutorado banco de dados na Universidade de Alberta, Canadá. As pesquisadoras partilham desde cedo o mesmo encantamento na área de exatas, o que as levou ao mesmo caminho: a computação.

Camila Costa cursa pós-doutorado na Universidade de Alberta, Canadá(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Camila Costa cursa pós-doutorado na Universidade de Alberta, Canadá

Camila pesquisa sobre crowdsourcing espacial. A ideia é a seguinte: os usuários submetem tarefas que precisam ser executadas por trabalhadores e requerem que esses trabalhadores se locomovam até um certo lugar para executá-las. "Por exemplo, quando você (usuário) faz um pedido de corrida pelo Uber, um motorista (trabalhador) precisa ir até onde você está para realizar a corrida (tarefa). As aplicações não se limitam a isso, outros exemplos de tarefas são serviços de entrega, montar móveis ou fazer reparos em casa. Enfim, qualquer tipo de tarefa que precise de uma pessoa para executar", explica.

O problema da pesquisa é como escolher os melhores trabalhadores para as tarefas submetidas pelos usuários baseado em alguns objetivos e restrições. Camila explica que as pesquisas nessa área tanto têm valor acadêmico quanto podem ser aplicadas comercialmente. "Minha pesquisa em geral envolve problemas que têm a ver com locomoção de pessoas/veículos dentro de uma cidade, e o objetivo é resolver esses problemas otimizando custos e tempo", completa.

"Sempre tive bastante apoio dos meus pais e, se não fosse pela universidade pública e pelas bolsas que consegui durante esses anos, com certeza eu não teria chegado até aqui." Camila Costa, pós-doutoranda da Universidade Alberta, no Canadá

 

Camila foi ter seu primeiro computador em casa depois que entrou na Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2008. "Cresci no Cristo Redentor, bairro da periferia de Fortaleza. Sempre tive bastante apoio dos meus pais e, se não fosse pela universidade pública e pelas bolsas que consegui durante esses anos, com certeza eu não teria chegado até aqui", reforça.

Outra parte que converge entre os caminhos de Ticiana e Camila é que ambas começaram a pesquisar em projetos coordenados pelo professor José Antônio Macedo, do departamento de computação da UFC.

"Durante a pandemia, como forma de auxiliar a Secretaria da Saúde, desenvolvemos um modelo de detecção de sintomas dentro das mensagens do Plantão Coronavírus." Ticiana Linhares, professora do programa de pós-graduação em Computação da UFC

 

Um dos resultados mais recentes das pesquisas coordenadas por Ticiana foi o bot utilizado no Plantão Coronavírus em 2020. “Durante a pandemia, como forma de auxiliar a Secretaria da Saúde, desenvolvemos um modelo de detecção de sintomas dentro das mensagens do Plantão Coronavírus, que é um bot de teleatendimento onde o cidadão conversa com um enfermeiro e essa inteligência detecta os sintomas, a evolução dos sintomas, o que a população está mais relatando de sintomas", explica.

Ticiana Linhares: pesquisa de redes neurais levaram ao desenvolvimento do bot do Plantão Coronavírus(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Ticiana Linhares: pesquisa de redes neurais levaram ao desenvolvimento do bot do Plantão Coronavírus

Esse bot pode exemplificar o que faz uma cientista que pesquisa redes neurais, uma das áreas de pesquisa de processamento de linguagem natural. No caso do bot do Plantão Coronavírus, o objetivo é que essa rede neural seja capaz de conversar com o cidadão por texto ou voz e entender a informação, inclusive quando o cidadão falar "errado''. "Muitas das mensagens recebidas (pelo bot) falavam de tristeza, depressão e ansiedade. A partir desses dados que foram capturados e repassados para o Estado, foi criado um canal de apoio psicológico. Além de promover a aceleração digital, o objetivo é auxiliar o gestor na tomada de decisões a partir de uma base de dados", completa.

Bot do Plantão Coronavírus(Foto: REPRODUÇÃO/PLANTÃO CORONAVÍRUS)
Foto: REPRODUÇÃO/PLANTÃO CORONAVÍRUS Bot do Plantão Coronavírus

Quando questionadas sobre a presença de mulheres nas ciências exatas e na tecnologia, a resposta foi uníssona: mansplanning. Trata-se da prática de homens explicarem didaticamente coisas para mulheres, independentemente de elas já saberem aquilo ou não. 

No trabalho, Camila conta que já aconteceu de outra pessoa receber os parabéns por algo que ela fez. “Meu colega corrigiu dizendo que não tinha sido ele, mas, mesmo assim não recebi nenhum reconhecimento", desabafa.

"Às vezes, em eventos científicos de que participo, percebo como muitos homens têm dificuldade em aceitar o que uma mulher está falando. Sempre tentando desmerecer a nossa fala." Ticiana Linhares

 

Ticiana também aponta o machismo intrínseco na área. “Logo quando entrei na computação, eu não sabia programar." Assim como Camila, Ticiana também só teve acesso ao primeiro computador em casa depois de entrar na universidade. Ela prossegue: "Teve um menino que chegou e falou pra mim e pra uma amiga minha que devíamos desistir do curso porque nunca íamos aprender a programar."

Ela acrescenta: "Às vezes, em eventos científicos de que participo, percebo como muitos homens têm dificuldade em aceitar o que uma mulher está falando. Sempre tentando desmerecer a nossa fala. Existe muito preconceito dentro da computação se a mulher programa ou não. Já trabalhei com dois pesquisadores homens que presumiram que eu não programava pelo fato de ser mulher. Existe um tabu sobre isso na computação, sobre esse tipo de sexismo, que é necessário ser desconstruído", reitera.

Atualmente, no Íris Lab, Ticiana desenvolve pesquisas, com o apoio da Funcap, para extrair informações de documentos em papel, a partir do processamento de linguagem natural. "Existem processos que estão atrasados em secretarias porque ainda exigem que pessoas leiam os documentos. Minha pesquisa também trabalha nessa área, máquinas que possam interpretar esses documentos sem a necessidade de um humano ir lá e ler", explica.

As pesquisadoras

Nome: Ticiana Linhares

Idade: 31 anos

Instituição: Universidade Federal do Ceará (UFC)

Titulação: Doutora em Ciência da Computação

Nome: Camila Costa

Idade: 30 anos

Instituição: University of Alberta (Canadá)

Condição: Pós-doutoranda em Ciência da Computação

 

 Uma mineira no mangue

 

Rafaela Camargo monitora flora do manguezal e organismos que vivem no substrato de ambientes aquáticos (bentônicos)(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Rafaela Camargo monitora flora do manguezal e organismos que vivem no substrato de ambientes aquáticos (bentônicos)

Na costa oeste do Estado, no município de Acaraú, a bióloga e pesquisadora Rafaela Camargo coordena o Laboratório de Ecologia de Manguezais (Ecomangue), no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). A mineira de 39 anos chegou ao Ceará em 1993. "Foi amor à primeira vista com o manguezal." Atualmente, a pesquisadora coordena trabalhos sobre o derramamento de óleo na costa litorânea do estado e seus efeitos sobre o manguezal.

Além disso, o Ecomangue também monitora os efeitos e o nível de degradação das áreas de mangue do Estado. O laboratório surgiu junto com a ideia de pesquisa de doutorado, em meados de 2006, na Universidade Federal Fluminense (UFF).

"Nessa época, surgiu a inspiração para o que hoje é o Ecomangue, que busca proporcionar embasamento técnico e científico para conservação desse ecossistema." Rafaela Camargo, coordenadora do Laboratório de Ecologia dos Manguezais

"O manguezal estava totalmente destruído, fragmentado e degradado. As espécies nativas superexploradas e vulneráveis à extinção local. Muitas das áreas transformadas em centros populacionais e econômicos ou extensas fazendas para o cultivo de uma espécie de camarão exótica. Percorri o litoral do Ceará, de leste a oeste, tentando descrever a composição florística e características estruturais dos bosques de mangue, e pude constatar que essa era a realidade para o ecossistema em todo o Estado. Nessa época, surgiu a inspiração para o que hoje é o Ecomangue, que busca proporcionar embasamento técnico e científico para conservação desse ecossistema, tão importante ecológica e economicamente."

"A gente pode lembrar, por exemplo, do caranguejo Uçá (ucides cordatus), o tradicional que é utilizado na caranguejada, está na lista das espécies de animais em extinção." Rafaela Camargo

 

Rafaela Camargo pesquisa os mangues da costa cearense(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Rafaela Camargo pesquisa os mangues da costa cearense

É possível mensurar também a resposta da flora e da fauna local diante das principais modalidades de exploração do mangue. "Desmatamento, disposição inadequada de resíduos sólidos e carcinicultura, como a fauna e a flora respondem a isso, inclusive com efeitos diretos sobre as atividades pesqueiras, e o nosso estado tradicionalmente trabalha com a pesca e muitas famílias sobrevivem disso. A gente pode lembrar, por exemplo, do caranguejo Uçá (ucides cordatus), o tradicional que é utilizado na caranguejada, é uma espécie que só ocorre (em grandes quantidades) em áreas de manguezal do Brasil inteiro, mas está na lista das espécies de animais em extinção."

Além das pesquisas sobre derramamento de óleo, atualmente, junto com o Ecomangue, Rafaela realiza monitoramento para flora do manguezal e para organismos bentônicos (que vivem no substrato de ambientes aquáticos), para entender a resposta das mudanças climáticas em relação a esses organismos e poder traçar planos para o futuro de harmonia do cearense com o mangue.

A pesquisadora

Nome: Rafaela Camargo

Idade: 39 anos

Instituição: Universidade Federal Fluminense (UFF)

Titulação: Doutora em Biologia Marinha

 

 

Beleza sustentável

Carnaubal com presença da planta unha-do-diabo(Foto: Samuel Portela/ Divulgação Associação Caatinga)
Foto: Samuel Portela/ Divulgação Associação Caatinga Carnaubal com presença da planta unha-do-diabo

Nágila Maria, 62 anos, é professora do departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará (UFC) e uma das professoras responsáveis pela pesquisa do nanocosmético desenvolvido a partir da cera de carnaúba. A descoberta rendeu uma patente para a UFC, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em dezembro de 2020, devido ao caráter inovador e ao seu potencial de exploração comercial.

Além de Nágila, também participaram da invenção as cientistas Tamara Gonçalves Araújo, do Departamento de Farmácia, Bianca Oliveira Louchard (Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos da UFC) e Rosa Araújo de Abreu (Rede Nordeste de Biotecnologia – Renorbio/Uece) e a servidora técnico-administrativa do Departamento de Ciências do Solo Deyse de Sousa Maia, doutoranda em Química na UFC.

"Utilizamos o processo de Química Verde para obtenção de nanopartículas, ou seja, não utilizamos solventes orgânicos na preparação das nanopartículas." Nágila Maria, professora do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC

Nágila lembra que os trabalhos de pesquisa com a cera da carnaúba remontam a 2007. "Essa carta patente foi parte de um mestrado e trata de uma tecnologia desenvolvida no Laboratório de Polímeros e Inovação de Materiais, do qual sou coordenadora. Utilizamos o processo de Química Verde para obtenção de nanopartículas, ou seja, não utilizamos solventes orgânicos na preparação das nanopartículas. As nanopartículas que desenvolvemos são à base de cera e quercetina e, a partir delas, desenvolvemos preparações de nanocosméticos com ação antioxidante, fotoprotetora e hidratante." 

A quercetina é um flavonóide natural que, além de antioxidante, possui propriedades farmacológicas, tais como anti-inflamatória, anticarcinogênica, antiviral, influencia na inibição de cataratas em diabéticos, anti-histamínicas, cardiovascular, entre outros efeitos benéficos.

"Não se trata apenas de um cosmético nanotecnológico com ação fotoprotetora, mas de produto que irá proteger a pele da ação da radiação solar." Nágila Maria

 

A apresentação do nanocosmético no mercado pode ser feita em creme, gel ou loção. "O grande diferencial dessa tecnologia é a disponibilidade para o mercado de um produto multifuncional. Não se trata apenas de um cosmético nanotecnológico com ação fotoprotetora, mas de produto que irá proteger a pele da ação da radiação solar, ao mesmo tempo em que evita danos celulares causados pela exposição aos raios ultravioletas. Essa ação de proteção celular é conferida pela quercetina, um antioxidante poderoso e já bastante estudado. Seu potencial é otimizado na nossa preparação por estar incluso em uma matriz lipídica de tamanho nanométrico", acrescenta a cientista.

Nágila Maria Ricardo, professora do departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará (UFC)(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Nágila Maria Ricardo, professora do departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará (UFC)

O interesse de Nágila pela pesquisa teve início já no primeiro semestre do curso de Química Industrial na UFC, quando foi bolsista de iniciação científica. "Tive a felicidade de ter como mentor, logo no início de meu curso, um professor de incomparável qualidade profissional. Deve-se principalmente a ele o despertar de meu interesse pela química e pela pesquisa científica", lembra a pesquisadora. O professor era Sérgio Maia Melo. Na época, em 1981, ele lecionava Química Orgânica na UFC. Atualmente, é coordenador das Olimpíadas Internacionais de Química.

Atualmente, a professora trabalha em uma pesquisa de cooperação internacional com a Universidade de Tübingen, Alemanha. "Foi desenvolvido novo processo para produção integrada de biodiesel e produtos glicero-químicos com valor agregado superior ao da glicerina. Foram produzidos novos biolubrificantes a partir da modificação de triglicerídeos de origem vegetal e animal, especialmente o óleo obtido a partir das vísceras do peixe tilápia." A pesquisa já está com o registro de uma patente. "Quem sabe, será num futuro próximo uma nova carta patente para a UFC", revela Nágila.

A pesquisadora

Nome: Nágila Maria Ricardo

Idade: 62 anos

Instituição: University of Manchester (Inglaterra)

Titulação: Doutora em Química de Polímeros

 

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