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Leoa do octógono: Amanda Nunes é "campeã incontestável"
Reportagem Especial

Leoa do octógono: Amanda Nunes é "campeã incontestável"

ESPORTE DE COMBATE | Profissionais que vivem o dia a dia do MMA brasileiro falam sobre o domínio da baiana, campeã simultânea de duas categorias no UFC. Ela vem acumulando feitos e ameaçando recordes, numa hegemonia que não mostra sinais de cansaço

Leoa do octógono: Amanda Nunes é "campeã incontestável"

ESPORTE DE COMBATE | Profissionais que vivem o dia a dia do MMA brasileiro falam sobre o domínio da baiana, campeã simultânea de duas categorias no UFC. Ela vem acumulando feitos e ameaçando recordes, numa hegemonia que não mostra sinais de cansaço
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No último dia 7 de março, a lutadora brasileira Amanda Nunes mais uma vez mostrou o motivo de ser considerada por muitos a maior lutadora da história das artes marciais mistas (MMA) no mundo. Ela venceu com facilidade a australiana Megan Anderson e defendeu seu cinturão de campeã dos pesos-pena (até 66 kg) do UFC. A Leoa também acumula o título das peso-galo (até 61 kg) e é a única, entre homens e mulheres, a defender com sucessos, de forma simultânea, dois cinturões.

Amanda Nunes, durante luta contra Felicia Spencer
Foto: AFP
Amanda Nunes, durante luta contra Felicia Spencer

A baiana de Pojuca tem 32 anos, soma 12 vitórias consecutivas e venceu lutas de título nove vezes. Os números são próximos aos recordes absolutos do principal evento de MMA do mundo, o Ultimate Fighting Championship (UFC), respectivamente pertencentes a Anderson Silva, com 16, e Jon Jones, com 14.

Para o jornalista Renato Rebelo, comentarista de MMA dos canais ESPN e Fox Sports, esse domínio de Amanda tende a se manter no curto e no médio prazos, muito pela falta de oponentes à altura da brasileira, apesar de ressaltar o fator da imprevisibilidade no esporte.

 

"Ela está em um nível alto de domínio e é ainda relativamente jovem na profissão. Com 32 anos, talvez ela esteja chegando no auge dela agora." Renato Rebelo, jornalista, comentarista de MMA dos canais ESPN e Fox Sports

A Amanda hoje é a personificação de uma campeã incontestável. Ela está em um nível alto de domínio e é ainda relativamente jovem na profissão. Com 32 anos, talvez ela esteja chegando no auge dela agora. Não dá para ter certeza até quando vai ser esse domínio, até porque ela já falou em aposentadoria algumas vezes, não sei nem se ela vai querer esticar tanto a corda. Mas, no curto ou médio prazo, com as opções de adversárias que ela tem no horizonte, eu diria que os próximos um ou dois anos dela serão em velocidade cruzeiro”, analisa.

O desempenho histórico de Amanda Nunes serve de inspiração para outros lutadores e, em especial, lutadoras brasileiras. A cearense Viviane Sucuri, de 27 anos, compete no MMA e já participou de algumas lutas no UFC. Ela considera a campeã mundial referência não só no lado profissional, mas também no aspecto pessoal.

“Eu destaco o desempenho dela como excelente. Ela está vindo de uma crescente impressionante em ambas as áreas. Tive o prazer de conhecê-la pessoalmente e além de uma grande atleta, ela é uma pessoa super-legal, simpática e brincalhona. Ela representa muito, inspira outras meninas a crescer e faz com que elas queiram um dia ser como ela”, conta a tauaense.

A vitória arrasadora sobre Cris Cyborg foi um marco na carreira da Amanda
Foto: Sean M. Haffey/AFP
A vitória arrasadora sobre Cris Cyborg foi um marco na carreira da Amanda

O percentual de vitórias de Amanda Nunes no UFC, 93,3%, supera o de outros campeões históricos incontestáveis do evento, como Jon Jones e Georges St-Pierre, ambos com 91,3%, apesar do número menor de lutas da brasileira neste momento. Renato Rebelo pondera fatores como competitividade, durabilidade e domínio nas categorias, mas considera a possibilidade de ela se tornar o nome mais dominante do MMA de todos os tempos, independentemente do gênero.

“A Amanda não tem números absolutos como os do Jon Jones, o tempo dele no topo, ou as vitórias consecutivas de Anderson Silva, as defesas de cinturão. Mas eu diria que o domínio dela pode ser até mais aterrorizante do que os desses dois. Pois a distância dela para as principais adversárias é muito impressionante. Se continuar assim, (...) ela tem tudo para ultrapassar os caras em números absolutos também. Ela está fazendo isso em uma batalha em duas categorias diferentes, coisa que nem um nem outro fez”, ressaltou.

“Agora, sobre ela ser considerada a melhor lutadora de todos os tempos, independentemente de gênero, é uma coisa subjetiva, tem que analisar vários critérios. As categorias femininas são mais vazias em relação a número, tem menos meninas competindo, tanto no peso-galo como no peso-pena, pois o MMA feminino é bem mais recente que o MMA masculino. Elas ainda estão em processo de desenvolvimento. Agora, isso não é culpa da Amanda. Ela está à frente do tempo dela. Eu diria que sim, a Amanda pode ser considerada a melhor de todos os tempos, independentemente de gênero”, completou.

O treinador de MMA, promotor de eventos da modalidade e árbitro de esportes de combate Fernando Moura, que já arbitrou lutas do UFC, também considera a campeã brasileira como a maior lutadora mulher da história, além de colocá-la entre as cinco maiores, independentemente do gênero. Segundo Fernando, o sucesso de Amanda alavancou uma nova safra de lutadoras brasileiras.

“A Ronda Rousey abriu o mercado mundial, fez todos aceitarem o MMA feminino. Em alto nível, já existiam outras fazendo história, como a Cris Cyborg, mas ela não alcançava a magnitude que alcançou a Ronda. Após isso, a Amanda veio e atropelou todas, e, com isso, alavancou um novo mercado e uma leva de novas atletas, reafirmando que o sonho é possível. Hoje temos muitas atletas de alto nível mundial e nacional. Acho que temos condições de alcançar e produzir novas campeãs e fenômenos femininos no Brasil, mesmo sem o apoio ideal. Nos sobra talento e esforço, que supera qualquer coisa,” disse, citando duas rivais "atropeladas" por Amanda. Ronda Rousey foi nocauteada em 48 segundos, enquanto Cris Cyborg "sobreviveu" por 51.

 

Os números da Leoa 

 

Na madrugada do domingo, 7 de março, Amanda Nunes mais uma vez mostrou o motivo de ser considerada a maior lutadora da história das artes marciais mistas (MMA) feminino. Em apenas dois minutos e três segundos, a brasileira encaixou um triângulo reverso na australiana Megan Anderson e obrigou a oponente a desistir do combate após a finalização. Assim, a baiana de Pojuca manteve seu cinturão de campeã da categoria peso-pena (até 66 kg) do UFC. Ela, que também é campeã entre as peso-galo (até 61 kg) do maior evento do esporte, acumula feitos na carreira que a colocam entre os maiores nomes da história, independentemente do gênero.

Única lutadora, entre homens e mulheres, a defender, simultaneamente, dois cinturões do UFC, Amanda possui retrospecto atual de 12 vitórias consecutivas no evento, uma a menos que o nigeriano Kamaru Usman, que, com 13, tem a maior sequência atual. A Leoa não sabe o que é uma derrota desde setembro de 2014, quando perdeu por nocaute técnico para a norte-americana Cat Zingano.

Vale ressaltar que o recorde de vitórias consecutivas do UFC pertence ao brasileiro Anderson Silva, com 16 triunfos em sequência, entre 2006 e 2013. Nunes é ainda a quinta com mais defesas de título bem sucedidas, com nove (três no peso-pena e seis no peso-galo). Jon Jones, com 14, é o recordista.

O cartel de Amanda, que atualmente está com 32 anos, no UFC é de 14 vitórias e apenas uma derrota. O aproveitamento dela é de 93,3%. Na carreira inteira, somando lutas em outros eventos, o histórico dela consiste em 21 triunfos e quatro reveses. Dessas vitórias, 13 foram por nocaute, 4 por finalização e 4 por decisão dos juízes.

O percentual de vitórias da brasileira se compara ao dos maiores campeões da história do UFC, apesar da carreira dela não dar qualquer indicativo de desgaste. Jon Jones (91,3% de vitórias), Georges St-Pierre (91,3%), Demetrious Johnson (83%) e Anderson Silva (70%) são poucos a terem uma trajetória comparável.

 

O primeiro cinturão da Leoa, o do peso-galo, veio em julho de 2016, quando ela finalizou com facilidade Miesha Tate, com um mata-leão, ainda no primeiro round, com três minutos e 16 segundos. Depois disso, ela chocou o mundo ao "atropelar" Ronda Rousey, até então o maior nome do MMA feminino, com nocaute em menos de um minuto. 

Já o cinturão das peso-pena veio pouco mais de dois anos depois, em dezembro de 2018, após outro nocaute avassalador, aos 51 segundos do primeiro round, sobre a também brasileira Cris Cyborg — que ostentava sequência de 20 lutas sem derrota e tinha fama de "invencível". A Leoa herdou a cotação.

Ao todo, sete atletas conseguiram ser campeões em mais de uma categoria do UFC (Henry Cejudo, Randy Couture, BJ Penn, Georges St-Pierre, Conor McGregor, Daniel Cormier e Amanda Nunes). O clube fica ainda mais seleto quando restrito àqueles que ostentaram dois cinturões de forma simultânea: Penn, McGregor, Cormier e Nunes. Só um lutador, em toda a história, foi bem sucedida ao defender os dois títulos paralelamente. Amanda Nunes.

Para um futuro próximo, é provável que a Leoa volte a defender o título do peso-galo. Julianna Peña, sexta colocada no ranking desta categoria, é a favorita a ser desafiante pelo cinturão. O presidente do UFC, Dana White, se mostrou empolgado com o desempenho de Amanda. “Ela é incrível. Ela fez parecer fácil uma luta contra uma adversária bem dura. Ela é uma das pessoas mais legais do mundo e vamos conversar sobre ela voltar logo e defender o título do peso galo. Julianna Peña mandou mensagens para todos nós esta noite. Nós poderíamos fazer isso”, disse o gestor após a luta.

Joe Rogan, apresentador responsável por entrevistar os atletas do UFC após os combates, foi enfático ao avaliar o domínio de Amanda no evento. "É a maior da história! O problema é que não tem mais ninguém para enfrentar você!", ressaltou.

"Não sei, Joe, se existe alguém que ganhe de mim. Mas não é minha culpa (risos). Sei que tem várias meninas aí que querem essa oportunidade, estou só esperando", respondeu a líder do ranking peso-por-peso feminino do UFC. “Fico mais forte e melhor sempre. Uma leoa é sempre perigosa, mas quando ela tem uma filha, fica ainda mais perigosa. Eu vou me aposentar invicta e com os dois cinturões na minha cintura", homenageou Amanda.

A campeã se referia a Reagan Ann Nunes, filha dela com a esposa, a também lutadora Nina Ansaroff. A leoazinha atualmente tem cinco meses de vida e apareceu ao lado de Amanda no octógono após o triunfo mais recente dela no MMA.

 

Apesar do sucesso de Amanda, MMA perdeu espaço no Brasil

 

Apesar do grande desempenho recente da Leoa no UFC, a audiência do evento caiu bastante entre os brasileiros. Reflexo disso é o número de assinantes do canal Combate, do Grupo Globo, que fechou 2020 com menos de um milhão pela primeira vez em dez anos, quando houve o boom do esporte no Brasil. No início dos anos 2010, o Brasil teve amplo domínio no MMA, com vários lutadores conquistando cinturões, como Anderson Silva, José Aldo e Júnior Cigano. Para Rafael Rebelo, diferentes fatores explicam a queda vertiginosa de apelo do UFC no Brasil.

Anderson Silva ainda é recordista de vitórias consecutivas no UFC, com 16
Foto: Steve Marcus/AFP
Anderson Silva ainda é recordista de vitórias consecutivas no UFC, com 16

“O que aconteceu ali foi uma tempestade perfeita. O Brasil tinha o lutador número um peso por peso, que era o Anderson Silva, cujo maior rival era outro brasileiro, o Vitor Belfort, um outro nocauteador, um cara que ameaçava ele, eles não se gostavam. E o Vitor era uma figura popular aqui no Brasil. Então, você criou um evento mainstream, algo que o público amplo se identificava. Além disso, tínhamos nossa época dourada de lutadores. Aqui no Brasil tem muito daquele lance da torcida nacionalista para esportes, que a gente se identifica mais com aqueles que são do mesmo lugar que a gente. Depois houve uma entressafra. O Brasil ficou muito tempo sem campeão. Praticamente só a Amanda Nunes tinha cinturão de campeã por muito tempo, agora temos o Deiveson também. Então o público foi esfriando,” aponta.

Atualmente, o Brasil é dono de três cinturões, mais que qualquer outro país. São os dois de Amanda Nunes e o de Deiveson Figueiredo (peso mosca). Estados Unidos (Stipe Miocic e Aljamain Sterling) e Nigéria (Israel Adesanya e Kamaru Usman) têm dois, enquanto Polônia (Jan Blachowicz), Rússia (Khabib Nurmagomedov, da província separatista do Daguestão), Valentina Shevchenko (Quirguistão), Austrália (Alexander Volkanovski) e China (Zhang Weili) têm um cada.

 

O primeiro título nacional no UFC remonta à fundação do evento, em 1993, quando se tratava de um duelo de "vale-tudo" entre lutadores de estilos diferentes. Foi quando o mundo foi apresentado ao jiu-jitsu brasileiro, representado por Royce Gracie. À época, não havia divisão de peso e o formato da competição era de torneio, com fases eliminatórias até a final. 

O filho e pupilo do lendário Hélio Gracie venceu três das quatro primeiras edições. O único que não ficou com Royce foi o UFC, vencido por Steve Jennum. O brasileiro não conseguiu lutar as semifinais após uma luta brutal com o gigante Kimo Leopoldo, de 1,91m e 107kg (contra 1,83m e 83kg do Gracie).

Depois dele, outros 16 brasileiros ficaram com um cinturão do UFC, com nomes como Marco Ruas, Vitor Belfort, Anderson Silva, Rodrigo Minotauro, Cris Cyborg, José Aldo, Lyoto Machida e Maurício Shogun.


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