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Quando o mercado disse basta a Bolsonaro na pandemia
Reportagem Especial

Quando o mercado disse basta a Bolsonaro na pandemia

Até base de apoio com participação de empresários e membros do mercado financeiro que antes assinava embaixo de cada posição do governo virou crítica de ações do Executivo frente à pandemia

Quando o mercado disse basta a Bolsonaro na pandemia

Até base de apoio com participação de empresários e membros do mercado financeiro que antes assinava embaixo de cada posição do governo virou crítica de ações do Executivo frente à pandemia
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A pandemia nunca esteve em pior condição no Brasil. Seus efeitos, mortes, crise política e paralisação da economia, têm sido desastrosos e as reações mais fortes já vêm e o principal alvo é o governo Jair Bolsonaro. A base de apoio liderada por grandes empresários e membros do mercado financeiro, que antes assinava embaixo de cada posição do governo, é a mesma que virou crítica de suas ações na pandemia e, por meio de manifesto divulgado em meio à fase mais mortal da crise em março, assinam as cobranças por mais diálogo e menos negacionismo. A afirmativa central é de que após um ano de País seguindo nas rédeas do presidente não levaram ao rumo desejado e chegou o momento de se posicionar para evitar o pior.

"A grande prioridade é garantir que essa pandemia acabe em 2021, vacinando em massa. Pois, com o surto descontrolado e a vacinação lenta, é o cenário perfeito para surgimento de uma cepa nova que fuja do alcance das vacinas que temos." Thomas Conti, economista, professor do Insper

Para o doutor em Economia, sócio e CEO da AED Consulting e professor do Insper e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Thomas Conti, a carta aberta "O País exige respeito; a vida necessita da ciência e do bom governo" escrita por ele junto de outros quatro economistas e assinada inicialmente por quase 200 especialistas, foi um marco. Para ele, ao ser respaldada por diversos nomes importantes do empresariado, sistema financeiro e autoridades, como ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, o material serve como base de ações e medição de riscos caso o pior ocorra.

"A grande prioridade é garantir que essa pandemia acabe em 2021, vacinando em massa. Pois, com o surto descontrolado e a vacinação lenta, é o cenário perfeito para surgimento de uma cepa nova que fuja do alcance das vacinas que temos. Precisamos entender que o combate à pandemia é a principal prioridade para termos alguma previsão de recuperação da economia", analisa.

Thomas Conti, doutor em Economia e sócio da AED Consulting. Foi um dos redatores da carta assinadas pelos economistas do Brasil cobrando ações do governo na pandemia.
Thomas Conti, doutor em Economia e sócio da AED Consulting. Foi um dos redatores da carta assinadas pelos economistas do Brasil cobrando ações do governo na pandemia. (Foto: Divulgação / AED Consulting)

A análise de momento que o PhD em Economia faz é que o governo avaliou mal os riscos e por inação contribuiu para a derrocada da economia no último ano. Ainda entende que, se o combate à pandemia não tem sido o ideal sob a tutela de estados e municípios - que assumiram responsabilidades após o Supremo Tribunal Federal (STF) permitir ainda no início da crise a divisão das atribuições -, isso aconteceu pela falta de coordenação nacional em políticas básicas e adotadas em outros países. Ações como campanha nacional educativa sobre o uso de máscaras e medidas de proteção, formação de um comitê de crise unindo forças políticas, de justiça, setores econômicos, mas sob tutela de cientistas e médicos, de preferência independentes do Governo Federal.

A pedido do O POVO, o economista fez a análise ponto a ponto dos momentos que considera cruciais na tomada de ação na pandemia.

O início da pandemia

Quando as primeiras notícias chegavam da China sobre uma infecção misteriosa acometendo pessoas na cidade de Wuhan, não só o Brasil, mas quase o mundo inteiro deu de ombros, entendendo aquele como um problema local. As proporções do risco foram entendidas por grande parte dos países, em especial das potências ocidentais, quando o surto da ainda epidemia chegou à Itália. Lá, o número de infectados se multiplicou e foi o epicentro para a Europa. Rapidamente a epidemia evoluiu.

Ali, aponta Thomas, seria o momento do Brasil seguir o exemplo de potências europeias e restringir voos ou a entrada de estrangeiros nos aeroportos. Porém, a percepção de que o problema estaria isolado na Europa foi um equívoco que contribuiu para uma entrada até hoje não medida do vírus no País. O primeiro caso confirmado da Covid-19 no País veio de São Paulo, de um homem de 61 anos, recém-chegado de viagem à Itália. Hoje, sabe-se que a possibilidade de outras pessoas infectadas, inclusive turistas em visita ao Brasil na época do Carnaval, pode ter contribuído para a disseminação inicial.

A gravidade da crise em solo nacional logo se deu. E as primeiras medidas de restrição de circulação de pessoas, obrigatoriedade de uso de máscaras e informes sobre o risco do vírus para idosos e pessoas com comorbidades foram divulgados. Detalhes sobre transmissão, sintomas e tratamentos, porém, ainda eram desencontrados.

"A partir de três meses de crise, os governadores assumiram as rédeas do combate. É um ano de covardia, que gerou tantas mortes." Thomas Conti

Neste cenário, critica o professor do Insper, existia a necessidade de uma ação coordenada, baseada no que um comitê científico repassasse de informações. "Acho que o principal erro foi a escala da ameaça, de ser nacional, mas por falta de coordenação, a resposta veio estadual, desde as primeiras medidas de quarentena pelos governadores."

Thomas cita ainda a falta de controle do Governo Federal nos aeroportos como danosa, além do abandono da ideia de testagem em massa da população com a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. "A partir de três meses de crise, os governadores assumiram as rédeas do combate. É um ano de covardia, que gerou tantas mortes."

Em 16/4/2020 foi confirmada a saída de Mandetta do Ministério da Saúde.
Em 16/4/2020 foi confirmada a saída de Mandetta do Ministério da Saúde. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Outro erro na tomada de ação do governo apontado por Thomas foi a centralização das ações de combate ao vírus no Ministério da Saúde, com o chefe da pasta sendo um servidor do Executivo, passível de sofrer interferências políticas no cargo. O ideal, avalia, era seguir o exemplo de países como Estados Unidos, que contou com o maior especialista do país em doenças infecciosas, dr. Anthony Fauci, figura que teve respaldo para contradizer o então presidente Donald Trump sobre cloroquina.

Outro exemplo seria o de Cingapura, em que médicos e enfermeiros da linha de frente foram os principais porta-vozes da nação. Eles se revezavam ao dar os informes sobre o avanço da pandemia no país. Por aqui, o que se viu foi a queda de um Mandetta bombardeado pelos apoiadores do presidente, no momento em que o Ministério da Saúde tentava coordenar o enfrentamento, buscando minimizar o impacto da doença no País, enquanto o chefe do Executivo combatia o que achava ser uma visão alarmista do momento. O Brasil chegava aos 30 mil casos confirmados e 2 mil mortes e o ministro da Saúde era demitido, após divergências públicas nas estratégias de enfrentamento.

O substituto de Mandetta, Nelson Teich, sofreu do mesmo problema. Desautorizado publicamente diversas vezes, durou 28 dias no cargo e pediu demissão.

Nelson Teich ficou 28 dias como ministro e saiu após ser desautorizado pelo presidente.
Nelson Teich ficou 28 dias como ministro e saiu após ser desautorizado pelo presidente. (Foto: EVARISTO SA / AFP)

 

Lockdowns entram no cenário da disputa política

 

Outro momento importante ainda no começo da pandemia no Brasil foi a medida emergencial dos estados para impedir a falência geral do sistema de saúde nas unidades federativas. Naquele momento, o básico faltava, como máscaras, EPIs e álcool gel. O também professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) ressalta que, sem a testagem em massa, a eficácia de encontrar pessoas infectadas e impedir que elas infectassem outras pessoas não foi possível. Outro problema grave foi a demora na atualização dos protocolos sanitários, conforme as descobertas científicas aconteciam.

"A influência política paralisou o ministério (da Saúde). Estamos vendo isso ainda hoje. O ministério tem estrutura técnica, mas não fez nenhum guia, modelagem epidemiológica, de proteção de escolas." Thomas Conti

Sobre o período do lockdown, o economista é enfático ao observá-lo como desorganizado. "Não utilizamos o tempo dos fechamentos para adotar medidas efetivas (para que a pandemia retrocedesse com sustentabilidade)".

"A influência política paralisou o ministério (da Saúde). Estamos vendo isso ainda hoje. O ministério tem estrutura técnica, mas não fez nenhum guia, modelagem epidemiológica, de proteção de escolas. Por exemplo, no CDC (centro de controle de doenças dos Estados Unidos) temos um guia de mais de 200 páginas. A pasta foi completamente omissa", critica.

 

O retorno da economia

 

Thomas Conti destaca que no momento em que as atividades econômicas retornaram e se mostraram com boa evolução, outro erro de cálculo importante aconteceu. Ali, a previsão foi muito otimista de recuperação imediata das perdas causadas pelas pandemia, que ainda continuava matando centenas de brasileiros todos os dias. A ideia era que as perdas poderiam ser recuperadas até o fim de 2020, numa retomada em "V", como diziam os membros da equipe econômica.

"Foi criada a ilusão de retomada em V e de que não haveria segunda onda. Foi um mercado de ilusões. Na primeira onda, até os governadores ao assinar decretos tinham a expectativa de que em uma semana a economia reabriria, mas a crise já apontava para combate bem mais longo".

 

Demora nas medidas econômicas foi principal erro

 

Ao O POVO, a doutora em Economia e vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Silvana Parente, concorda que o governo demorou a agir, mas, com as medidas de crédito, auxílio emergencial e segurança do emprego, conseguiu conter maiores perdas econômicas. Daí o nível de perspectivas positiva sobre a retomada da economia, mas menosprezar o poder do vírus foi um erro, pondera.

"A grande lição é que as medidas econômicas foram eficazes, mas a política de saúde foi nefasta, baseada no negacionismo. Sem coordenação, o governo não conseguiu controlar a pandemia, colapsando a economia em 2021."

Ainda assim, o cenário ao fim de 2020 foi de desvalorização do real frente o dólar próxima dos 30%, a maior entre as principais moeda dos mundo. Para dar noção ao leitor, a moeda mais desvalorizada no ano foi da Venezuela.


Saúde em colapso acelera crise 

 

A falta de coordenação e investimentos em pesquisa para a vigilância genômica, fez o Brasil perder o timming de outro momento importante: o surgimento de uma nova cepa do vírus em Manaus. Muito mais transmissível e potencialmente perigosa para pessoas fora do então grupo de risco, a mutação chamada hoje de cepa P1 foi descoberta por um grupo de pesquisas do Japão, que em 10 de janeiro notificou o Brasil sobre quatro viajantes com sintomas de Covid-19 que desembarcaram em Tóquio vindos do Amazonas.

Poucos dias depois, o caos estava instalado na capital do Amazonas. Sem estoque de oxigênio suficiente, já não conseguia atender a demanda de pacientes graves, muitos deles fora da então faixa de pacientes de risco da primeira onda. Dias depois descobriu-se que o governo havia sido alertado pela secretaria estadual de Saúde e empresa responsável pelo abastecimento, o que gerou uma enorme crise também política e jurídica.

O presidente indicou que pessoas identificadas com a direita usem cloroquina em seus tratamentos, enquanto a esquerda deveria tomar tubaína
O presidente indicou que pessoas identificadas com a direita usem cloroquina em seus tratamentos, enquanto a esquerda deveria tomar tubaína (Foto: Reprodução/youtube)

"A crise em Manaus deveria ser um divisor de águas na crise, pois os negacionistas afirmavam que Manaus era exemplo de cidade que atingiu a imunidade de rebanho, mas não se fez nada até a crise do oxigênio. Não foi tentado impedir o espalhamento da cepa P1. Não fizemos nada para evitar que grandes capitais virassem uma grande Manaus e temos assistido isso acontecer agora", critica Thomas Conti.

O novo fechamento das atividades em momento penoso para a economia, em que os informais que recebiam auxílio emergencial em 2020 ficaram desamparados. Pior ainda a situação dos desempregados. Ao fim do primeiro ano de pandemia, o nível de desemprego no Brasil bateu recorde, atingindo 13,4 milhões de pessoas, o maior registro da série histórica. A escalada do vírus foi monstruosa, fazendo com que a média de mortes na segunda onda fosse superior em mais de 40% ao pico da primeira onda.

 

A carta expõe sentimento nacional 

 

A carta dos economistas veio em meados de março e contou com aceitação 15 vezes maior do que as assinaturas iniciais. O peso das subscrições foi fundamental para que o canal de diálogo fosse aberto e posturas fossem revistas, ainda que a contragosto. A reforma ministerial foi efeito colateral dessa pressão política. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, Vinicius Torres, relatou alguns pontos de vista de empresários e banqueiros que participaram da reunião com Arthur Lira, presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, na noite logo após Bolsonaro desmerecer os pedidos da carta. Um deles, executivo que não é financista, foi enfático: "Muita gente (empresários etc.) está agindo desde o ano passado, doa dinheiro, faz pressão no governo, no Congresso, até entra em conflito público, como o Armínio (Fraga). Mas, para muitos, a ficha só caiu agora. Para falar francamente, essas pessoas viram que podem ficar sem hospital".

"Quando chegamos em 2021 temos duas fortes crises, sanitária e econômica, sendo alimentadas uma pela outra. O Governo só reconheceu agora a importância da vacinação em massa, no momento em que o sistema de saúde colapsou. A carta pressiona nesse sentido, de cuidar das medidas sanitárias para que a economia possa ser recuperada. Observamos que o primeiro e o segundo trimestres de 2021 estão totalmente prejudicados", analisa Silvana Parente.

A economista ainda aponta que a recuperação nacional está longe de concretizar o "V" previsto por Guedes. E quanto mais demorar para que o Brasil aprume seu rumo, mais tempo demorará a crise. "Economia não vai se recuperar imediatamente, ainda vai demorar a se recuperar nos patamares pré-pandemia, ainda vamos patinar. Os economistas falam em cuidar da crise sanitária, pois ela é tão séria que tem capacidade de esfacelar a economia nacional caso não seja combativa."

 
Para Beto Studart isolamento é "absolutamente necessário" 

Beto Studart é um dos empresários mais respeitados do Ceará. Proprietário da empresa Bspar, já foi presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e é voz respeitada no debate político. Em meio às disputas locais e nacionais, ele é diplomático, mantém bom relacionamento tanto com o petista Camilo Santana, governador do Ceará, quanto com o ultradireitista Jair Bolsonaro, presidente da República.

Beto Studart, presidente da BsPar(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Beto Studart, presidente da BsPar

Ao O POVO, Beto confidencia que ficou muito preocupado durante a primeira onda da pandemia, afirma que o momento era de muita incerteza. Com a retomada, as medidas de cuidado e protocolos próprios da Bspar fizeram com que o número de infecções fosse reduzido. Ações como disponibilização de duas máscaras por dia aos funcionários, implantação de home office para maioria dos trabalhadores do administrativo e, para aqueles que precisarem ir ao escritório e não possuírem veículo próprio, a empresa paga o Uber.

Essa realidade permitiu que a indústria da construção se tornasse atividade essencial, que não paralisa nem no lockdown, mas Beto reconhece que a política de cuidado não é a mesma em todo o mercado, especialmente nas empresas menores.

Por isso, o ex-presidente da Fiec defende o lockdown: "medida de absoluta necessidade. Não sou a favor dos efeitos do lockdown, mas se não fizermos, pessoas vão morrer".

Sobre a carta dos economistas apoiada por grandes empresários e mercado financeiro diz: "Acho que os políticos precisam receber pressão". De forma diplomática, Beto critica a falta de diálogo entre o presidente e os governadores.

"O momento é dramático. Nós não podemos estar numa disputa política de maneira nenhuma. E não é só o presidente que está fazendo disputa política, não. Governadores também fazem, vemos o (João) Dória (governador de São Paulo), sempre jogando pedras no presidente. Se o Bolsonaro tem alguma falha, é no entendimento, de aproximação para combate da pandemia, mas já criou uma saída, com o Rodrigo Pacheco incumbido do comitê de crise. Acho que assim ele cresce como líder", avalia.

O esforço dos empresários de contribuir na crise é defendido por Beto: "É papel da iniciativa privada ajudar nesse momento de crise. Nós temos esse dever de cuidar do meio ambiente, do social e da nossa governança. Então o empresário não pode estar preocupado somente com a última linha do seu balanço, mas como todo seu entorno. Então essa contribuição, inclusive em dinheiro, é espetacular, desde que a gente obedeça ao Plano Nacional de Vacinação, pois desorganizaria os esforços".


PONTO DE VISTA

Declínio Bolsonarista

Márcio Coimbra*


Bolsonaro é o ponto inicial e final desta história. Isto porque chegou à Presidência da República embalado em uma onda de reformas, mudanças e esperança. Representava a ruptura com os erros do passado e a vontade de fazer política de uma maneira muito diferente daquela que reinava no País há tanto tempo. Embalado pelo lavajatismo e também pelo antipetismo, tinha o apoio para fazer as coisas de forma diferente.

"Retomou um discurso de campanha, levando a beligerância para dentro do Palácio do Planalto. Longe de governar, passou a usar a tática do enfrentamento como motor de suas narrativas."

No poder, Bolsonaro voltou a encarnar o deputado do baixo clero que transitou pelo parlamento por quase três décadas. Retomou um discurso de campanha, levando a beligerância para dentro do Palácio do Planalto. Longe de governar, passou a usar a tática do enfrentamento como motor de suas narrativas.

No Congresso Nacional optou pela pauta de costumes, deixando as reformas estruturais em segundo plano, assim como as iniciativas anticorrupção propostas pelo Ministro da Justiça, Sérgio Moro. Mesmo assim, mais por empenho do parlamento do que realmente por esforço do governo, conseguiu aprovar uma Reforma da Previdência. Se tornaria a única vitória em um deserto de propostas.

"As reformas seguiram emperradas, a liderança do governo era amadora e Bolsonaro seguia mais interessado em criar narrativas do que encarar a realidade."

Ao encarar a pandemia, percebeu-se, o Brasil não havia feito a lição de casa. As reformas seguiram emperradas, a liderança do governo era amadora e Bolsonaro seguia mais interessado em criar narrativas do que encarar a realidade. Em pouco tempo a inércia cobrou o seu preço. Contas desajustadas, leitos lotados, descrédito governamental enquanto o Presidente conduzia seu show alicerçado em cloroquina e negacionismo.

Depois de um ano de pandemia, o foco surge na reeleição e dentro de uma nova coalizão capitaneada pelo centrão. Mas talvez seja tarde demais. Sem recursos e endividado, o País surge mais cético e decepcionado com a falta de resultados do bolsonarismo. O populismo presidencial perde seu encanto na medida que a realidade se abate diante dos bolsos dos brasileiros, agora vazios, encarando uma variante de vírus letal.

Acenos antidemocráticos, crises intermináveis, incompetência na compra de vacinas, choques entre os poderes e enfrentamento com o alto comando militar são apenas alguns dos ingredientes de uma presidência que passa longe de suas promessas e acenos eleitorais. Um verdadeiro estelionato eleitoral que cala fundo em enorme parcela da população que acreditou nas palavras de um presidente, hoje desacreditado.

"Conseguiu se afastar do mundo financeiro, que divulgou manifesto contra o governo, ao mesmo tempo que entrou em choque com os militares, resultando no afastamento conjunto dos comandantes das três Forças."

O descrédito de Bolsonaro se ampliou em suas bases eleitorais. Está longe dos liberais, lavajatistas, conservadores e antipetistas. Conseguiu se afastar do mundo financeiro, que divulgou manifesto contra o governo, ao mesmo tempo que entrou em choque com os militares, resultando no afastamento conjunto dos comandantes das três Forças.

Bolsonaro desembarca em 2022 controlando a máquina, mas eleitoralmente fraco. Pressionado pelos números de Lula e pela possibilidade de uma candidatura de centro, pode inclusive ficar fora do segundo turno. Não foi por falta de aviso. O declínio bolsonarista é um fenômeno previsto. O Brasil é muito grande para ser governado refém de narrativas populistas. Ao desconhecer as razões de sua vitória em 2018, segue firme na direção da derrota em 2022.

(*) Márcio Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil. Diretor-Executivo do Interlegis no Senado Federal

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