Logo O POVO+
Corcundas x liberais: a disputa política no Ceará na queda de dom Pedro I há 190 anos
Reportagem Especial

Corcundas x liberais: a disputa política no Ceará na queda de dom Pedro I há 190 anos

HISTÓRIA | Em 7 de abril de 1831, começava um dos mais instáveis momentos da história brasileira. O imperador dom Pedro I deixou o trono e iniciou nove anos de governos de regentes. No Ceará, a notícia demorou mais de um mês para chegar. Ao ser recebida, houve festa, reviravolta política e levaria a guerra civil

Corcundas x liberais: a disputa política no Ceará na queda de dom Pedro I há 190 anos

HISTÓRIA | Em 7 de abril de 1831, começava um dos mais instáveis momentos da história brasileira. O imperador dom Pedro I deixou o trono e iniciou nove anos de governos de regentes. No Ceará, a notícia demorou mais de um mês para chegar. Ao ser recebida, houve festa, reviravolta política e levaria a guerra civil
Tipo Notícia Por

Há 190 anos, chegava ao fim no Brasil o reinado de dom Pedro I. Ele abdicou em 7 de abril de 1831, em meio a uma aguda crise que se arrastou por anos e se converteu em agitação nas ruas. Naquela madrugada, chegava ao auge o turbilhão social que agitava o Rio de Janeiro havia ao menos cinco dias. Militares deixavam os quartéis e se uniam ao povo em protestos que iam até a vizinhança da Quinta da Boa Vista, onde ficava o Palácio Imperial, posteriormente o incendiado Museu Nacional. O primeiro governante do Brasil independente saiu fugido antes de o sol nascer, em trajes civis, sem ter tempo de se despedir dos quatro filhos que ficavam para trás. Entre eles o futuro imperador Pedro II, então com cinco anos. O imperador viajou com a imperatriz Amélia e a filha mais velha, Maria da Glória, aos 12 anos já rainha deposta de Portugal, três anos antes, posto ao qual voltaria dali a três anos.

O imperador, a imperatriz e a jovem rainha refugiaram-se na embarcação inglesa Warspites e daquele modo terminou o primeiro governo do Brasil autônomo. Teria início um dos períodos de maior instabilidade da história brasileira, com revoltas de Norte a Sul, inclusive no Ceará. Como o herdeiro do trono, o pequeno Pedro, tinha cinco anos, o País seria governado por regentes.

Notícia em Fortaleza

O império estava de pernas para o ar, facções políticas se confrontavam, mas, em Fortaleza demorou mais de um mês para chegar a notícia de que o imperador havia deixado o trono, abandonado o País e voltado para a Europa. Não havia novo monarca, mas três regentes de posições moderadas.

A notícia chegou à capital cearense em 13 de maio de 1831, quando navio inglês vindo de Pernambuco aportou. O Ceará era longínquo, atrasado e desconectado da Corte.

A tardia notícia do fim do reinado de Pedro I foi comemorada com festa nas ruas de Fortaleza. A forca do Campo de Pólvora, atual Passeio Público, foi posta abaixo a machadadas. Ela foi montada para ser usada para enforcar os participantes da Confederação do Equador, em 1824. Como ninguém aceitou servir de carrasco, eles foram mortos a tiro, mas a forca foi mantida de pé para simbolizar a autoridade do imperador. A derrubada tinha significado.

Árvores foram plantadas para comemorar a libertação, tiros de canhão e fogos foram disparados para festejar e dar vivas à regência e a dom Pedro II. A celebração também ocorreu em vilas do Interior.

No dia da abdicação de dom Pedro I, o infante Pedro de Alcântara foi saudado pela população como herdeiro do trono, momento registrado na litografia "Aclamação", de Thierry Frères, 1839
No dia da abdicação de dom Pedro I, o infante Pedro de Alcântara foi saudado pela população como herdeiro do trono, momento registrado na litografia "Aclamação", de Thierry Frères, 1839 (Foto: Biblioteca Nacional Digital/Domínio público)

Por que dom Pedro abdicou

O desgaste do imperador começou pela própria negociação do reconhecimento da independência por Portugal. Ele foi acusado de ceder demais aos interesses de Lisboa e de seu pai, o rei dom João VI. Aliás, acompanhou-o por todo o reinado a crítica por nunca ter abraçado integralmente a defesa do Brasil e sempre buscar se equilibrar levando em conta a posição de Portugal e dos portugueses no novo País independente.

Somaram-se os escândalos da vida pessoal e o desgaste da guerra contra a Argentina pela província Cisplatina — que acabou não ficando nem de um lado nem de outro e formou o Uruguai. O conflito foi oneroso a um País recente e já quebrado. E morreram oito mil brasileiros, uma calamidade em um tempo no qual não se estava acostumado com as cifras de óbitos do tempo de Covid-19. A instabilidade política era enorme e, em nove anos de reinado, dom Pedro teve dez ministérios. A oposição liberal estava organizada e fortalecida. Em 1829, a Câmara dos Deputados votou impeachments dos ministros da Justiça e da Guerra. Os parlamentares queriam não apenas destituir os dois, mas nomear os substitutos, reduzindo o poder do imperador. O impeachment não passou, mas foi apertado: 39 votos a 32.

Diante do desgaste e da tensão, portugueses e simpatizantes do imperador organizaram homenagens a ele no retorno ao Rio de Janeiro após três meses viajando. A manifestação de apoio foi puxada pela organização chamada Colunas do Trono, defensora do absolutismo monárquico. Em 11 de março de 1831, portugueses decoraram as casas com luminárias e acenderam fogueiras para saudar o imperador. No dia seguinte, os críticos reagiram e organizaram protestos. A situação ficou mais tensa a partir de 13 de março. Fogueiras foram apagadas e vidraças e luminárias, quebradas a pedradas, sobretudo na Rua da Quitanda, polo de comércio lusitano. Os portugueses reagiram com pedradas, cacos e vidro e fundos de garrafas quebradas.  Muita gente ficou ferida no que foi chamada "Noite das Garrafadas".

Noite é modo de dizer. O conflito mais agudo se arrastou de 13 a 15 de março. Foi enorme a pressão para o imperador tomar providência para punir os portugueses, o que ele não fez. Em 3 de abril, as ruas entraram em ebulição. Em 5 de abril, dom Pedro destituiu o gabinete de ministros formado só por brasileiros, que havia nomeado semanas antes. Na madrugada do dia 7, deixou a coroa e o império.

Corcundas x liberais

Havia no Ceará dois grandes grupos políticos. Os "corcundas" eram monarquistas conservadores, muitos defensores da restauração da submissão a Portugal. Opunham-se a eles os patriotas/liberais, grupo de latifundiários que chegou a defender ideais republicanos — já abandonados àquela altura de 1831. Eram defensores da autonomia das províncias e contra a centralização de poder no Rio de Janeiro. Comandados pela família Alencar, no Cariri, levantaram-se ao lado de Pernambuco contra o domínio português em 1817, e novamente na Confederação do Equador, em 1824. Os dois movimentos foram sufocados e os corcundas esmagaram os liberais.

Com a abdicação, os liberais moderados estavam no poder. Houve uma limpa nos cargos e postos. A reviravolta despertou reações extremas. Em dezembro de 1831, eclodiu uma guerra civil a partir do Cariri. A sedição foi comandada por Pinto Madeira, que teve anulada pelo governo regencial a promoção a coronel de milícias. Ele havia combatido em 1817 e 1824 sempre a favor do governo central. Desta vez estava contra.

O conflito armado durou dez meses e teve violentos confrontos em Várzea Alegre, Barbalha, Icó e Missão Velha. Em 1834, Pinto Madeira foi julgado e executado. Caia um dos principais líderes e símbolo dos "corcundas" no Ceará.

 

Referências: História do Ceará, de Airton de Farias (Armazém da Cultura) e 1822, de Laurentino Gomes (Nova Fronteira)  

A influência das revoltas liberais no Cariri cearense e a "sedição de Pinto Madeira"

O que você achou desse conteúdo?