Há 100 anos, em 14 de abril de 1921, morria o homem que foi o mais poderoso do Ceará e que se tornou sinônimo de oligarquia. O comendador Antônio Pinto Nogueira Acióli foi o primeiro civil a exercer o cargo de presidente do Estado do Ceará — equivalente ao atual governador — na República.
Exerceu três mandatos correspondentes ao de atual governador entre o fim do século XIX e o começo do século XX, de 1896 a 1912, quando foi deposto. Somente ele e Tasso Jereissati (PSDB) governaram o Estado em três ocasiões até hoje.
Foi um período de investimentos em infraestrutura na Capital e municípios próximos, com instalação de sistema de esgoto e rede de telégrafo. Também valorizou a educação. Costumava inspecionar pessoalmente as escolas. Na cultura, construiu o Theatro José de Alencar. Foi então um ótimo governo, certo?
Bom, falemos mais um pouco do que foi o governo dele. O ciclo foi marcado pelo autoritarismo e nepotismo. As obras públicas tinham suspeita de superfaturamento e em muitos casos era apontada má qualidade da construção. Controlava empréstimos que não dependiam do aval da União. No Interior, fortalecia os coronéis.
Ao mesmo tempo que adotava iniciativas com ares modernizadores, combatia a oposição com fúria e violência. Por fim, o oligarca caiu em meio a revolta popular que se converteu em guerra civil nas ruas de Fortaleza.
O comendador ascendeu na política por ser genro de Tomás Pompeu de Sousa Brasil, o Senador Pompeu. Quando o sogro morreu, em 1877, Acióli assumiu o controle do Partido Liberal, que logo se fragmentou.
Em 1884, quando era vice-presidente da província do Ceará, foi nomeado presidente da província do Espírito Santo, mas não aceitou o cargo. Em 1889, foi eleito senador, mas não assumiu. Afinal, veio a proclamação da República.
Nogueira Acióli era monarquista. Proclamada a República, aderiu à nova ordem e fundou o Partido Republicano Federal, nome depois alterado para Partido Republicano Cearense. Os primeiros anos do novo regime no Estado — que deixava de ser província — foram de instabilidade. A ponto de, em 1892, o presidente do Ceará, general Clarindo de Queiroz, ter sido deposto de forma violenta. Barricadas foram armadas no Centro e o Palácio do Governo, na Praça dos Leões, foi bombardeado. Acióli teve intensa participação na articulação na oposição a Clarindo e na queda dele.
Subiu ao poder um aliado do comendador, o tenente-coronel José Freire Bezerril Fontenele. Acióli era o vice e chegou a assumir temporariamente o poder, antes de entregá-lo a Bezerril. Foi também presidente da Assembleia Legislativa. Gradualmente, assumia o controle do Estado. A ponto de Bezerril, governante de direito, ter atribuída a ele a frase: "Eu aqui sou apenas o vaqueiro, o dono da fazenda é o Acióli." Em 1896, Acióli se elegeu presidente do Ceará.
O poder de Acióli envolvia circunstâncias nacionais. Para dar estabilidade ao jovem regime, o presidente da República, Campos Sales, instaurou o que se passou a chamar "política dos governadores". Envolvia o fortalecimento dos chefes políticos dos estados em troca de sustentação federal. Os grupos locais foram favorecidos e Acióli foi o grande beneficiário no Ceará.
Porém, a influência federal no Estado era enorme. Na própria sucessão, o comendador tinha força para emplacar o novo gestor. Porém, o governante cearense tinha um inimigo no Ministério da Fazenda: Joaquim Murtinho, que trabalhou e conseguiu impor a candidatura de Pedro Borges, que acabou eleito. Porém, Acióli veio a fechar acordo com Borges para se revezarem nos postos. Eleito deputado federal em 1900, o comendador virou senador em 1902 e retornou à presidência do Estado em 1904. Borges, por sua vez, foi para o Senado. Em 1908, Acióli foi eleito para o terceiro mandato — durante o segundo mandato, enviou projeto instituindo a reeleição, o que a Assembleia aprovou. Na articulação federal, conseguiu que a sede da Inspetoria de Obras contra as Secas, atual Dnocs, fosse instalada em Fortaleza, em 1909.
Na virada de década, começou resistência nacional às oligarquias estaduais. Como para a ascensão, o fator federal foi determinante. No plano local, o poder que vinha desde a monarquia foi desgastando-o e fortalecendo a oposição. Na virada de 1911 para 1912, protestos populares tomaram Fortaleza. Em 21 de janeiro de 1912, foi promovida uma passeata em apoio ao candidato de oposição, Franco Rabelo, composta basicamente de crianças. O percurso foi entre a praça Marquês de Herval (atual José de Alencar) e a Praça do Ferreira. A cavalaria avançou sobre a manifestação e houve violenta repressão, correria, gritaria. Crianças foram pisoteadas. Os relatos são imprecisos, mas conta-se que crianças teriam morrido. Houve algumas dezenas de feridos. A revolta e a violência tomaram definitivamente as ruas.
Equipamentos públicos foram depredados, confrontos tomaram as ruas e deixaram mortos e feridos, com iminência de invasão do Palácio. Em 24 de janeiro de 1912, Acióli renunciou. É uma das mais célebres fotografias da história do Ceará a imagem dele e da família na canoa na qual foram até o navio que os conduziria ao Rio de Janeiro.
No caminho, em Natal, Acióli foi vítima de atentado a bala cometido por Antônio Clementino de Oliveira, ex-gerente do Jornal do Ceará, opositor duramente perseguido pelo oligarca. O comendador escapou, mas morreram um de seus filhos, Antônio Acióli, além de Clementino.
A oligarquia aciolina foi o primeiro dos grandes ciclos políticos do Ceará republicano. Após a queda de Acióli, a disputa entre oligarquias foi travada entre os partidos Democrata e Conservador.
Num Estado marcado historicamente pela fragilidade das elites governantes, Nogueira Acióli comandou o primeiro de cinco ciclos duradouros de um mesmo grupo no poder cearense durante a República, até a atualidade. Três deles foram constituídos na democracia, inclusive a oligarquia aciolina, e dois foram em ditaduras.
Quando a queda da oligarquia Acióli completou 100 anos, O POVO publicou especial rememorando esses momentos. O POVO+ reedita este material:
Por Ranne Almeida*
Publicada originalmente em 22/1/2012
Ao amarrar seu jumento na cerca do curral, o agricultor passava, quase que imediatamente, para o local da votação. Era chegada a hora, no longínquo ano de 1900, da eleição para governador do Ceará. Em troca de calçados, vestimentas, moradia ou até de alimentação, a solução era mesmo votar no nome ordenado pelo coronel, dono da fazenda, que não dava trégua e colocava seus capangas para vigiar todo o processo. E não bastasse a submissão dos eleitores, as eleições eram fraudadas, afinal, valia “tudo” para manter a oligarquia no poder.
Foi assim quando o comendador Antônio Pinto Nogueira Acióli, ex-senador e político influente desde o tempo do Império, passou a dar as cartas, por 16 anos, no Ceará. Com características de nepotismo (emprego de parentes nos cargos públicos), corrupção e autoritarismo, o longo mandato aciolino iniciou a política de oligarquias no Estado, que mal sabia, à época, vivenciaria ainda outros processos semelhantes a esse.
Hoje, 100 anos depois da queda da oligarquia de Nogueira Acióli, o que se pode perceber é que as práticas políticas no Ceará dão sinais de que não romperam com o clientelismo e com a concentração de poder, remanescentes da República Velha.
O antigo modo de fazer a política do “vale tudo” para não perder o comando do poder insiste em fazer parte da vida política cearense. Nos mesmos moldes, até hoje, têm-se notícias de interferência direta de governantes nas eleições, bem como de empregos de recursos públicos em campanhas políticas milionárias.
Porém, cada uma ao seu tempo e ao seu modo. Conforme a historiadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Simone de Souza, que faz parte do conselho editorial do O POVO, apesar de termos características oligárquicas, autoritárias e clientelistas nos governos contemporâneos, temos, por outro lado, uma sociedade civil organizada, que pode “denunciar as mazelas e os desmandos do poder local”. “Isso porque hoje a gente vive em uma sociedade de direito que permite que o cidadão se manifeste, muito ao contrário de oligarquias que não tinham tolerância”, explica.
Para ela, com a redemocratização brasileira, ocorrida após a queda da ditadura militar no País, ampliou-se o campo de cidadania, o que permitiu um embate com os poderes constituídos no sentido de melhorar a vida da população com políticas públicas efetivas. “As características (dos governos) podem ser parecidas, mas a história nunca é a mesma, porque ela é um processo, está sempre em transformação”, avalia.
Esse especial, aproveitando os 100 anos da chamada oligarquia aciolina, cumpre a tarefa de articular a história dos ciclos políticos cearenses do século XX com o atual cenário político vivido em nosso Estado, sem esquecer de discutir a influência que a maneira de governar desses grupos exerce até hoje no modo de fazer política do Ceará.
(*) Texto publicado originalmente em 22/1/2012
"OLIGARQUIA. É a forma de governo em que o poder político está concentrado em pequeno número de pessoas. No Brasil, sobretudo no Nordeste, o termo ficou também associado a coronelismo"
Em uma tentativa de organizar o momento politicamente conturbado que vivia o Brasil no período de transição entre a Monarquia e a República, o presidente Campo Sales, que governou o País de 1898 a 1902, estabeleceu a chamada política dos governadores, cuja estratégia central era a de dar autonomia aos estados e, em contrapartida, obter uma bancada de deputados federais “obedientes” à palavra do presidente.
Em meio a todo esse contexto, não somente pelo desejo da política local, e muito mais por um desejo nacional, nascia, em 1896, a oligarquia aciolina no Ceará, bem como outras oligarquias nos demais estados brasileiros. “A crítica que se fazia ao Império, era a crítica à centralização política no governo federal, que controlava as províncias (como eram chamados os estados). Uma das grandes bandeiras da República era, então, a descentralização, significando a autonomia para os estados”, explica a historiadora da UFC, Simone de Souza.
Ao sabor de Nogueira Acióli, portanto, ficavam a indicação de todos os cargos públicos, empréstimos que não precisavam de aval da União, dentre outras vantagens que foram agigantando o poder do governo acciolino. Paralelo a isso, no interior do Estado, entravam em ação os coronéis.
Como moeda de troca, os “mandatários do sertão” recebiam benefícios do oligarca, enquanto encabrestavam os votos dos moradores de suas fazendas para garantir a permanência da oligarquia no poder.
A artimanha política de Accioly era tamanha que logo tratou de fazer aliança com Pedro Borges - seu até então rival político -, que foi eleito presidente do Ceará , em 1900, no mesmo período em que ele foi eleito senador da República. A ideia era a de fazer apenas uma “troca de cadeiras”, quando chegassem as eleições de 1904. E assim aconteceu: Acióli voltou para a presidência do Estado e colocou Pedro Borges no lugar que ele ocupava no Senado.
Nessa política do “toma lá dá cá”, a oligarquia conseguiu se sustentar por 16 anos no Estado, realizando eleições fraudulentas, perseguindo duramente os opositores e empastelando jornais da oposição.
Mas as práticas de nepotismo, autoritarismo e outros desmandos sem fim começaram a incomodar a população de Fortaleza e a criar um cinturão de descontentamento entre as cidades vizinhas. Com vontade de mudanças, a população foi às ruas protestar. A Praça do Ferreira e o Passeio Público, na Capital, foram escolhidos como palcos para os comícios da oposição.
Depois de vários episódios de violência contra a população, Acióli não conseguiu manter-se no governo, e foi deposto no dia 24 de janeiro de 1912. Chegava ao poder Franco Rabelo.
O estopim para a derrocada de Nogueira Acióli foi mesmo a repressão violenta à Passeata das Crianças - movimento de contestação à oligarquia aciolina que contou com a participação de 600 crianças, “vestidas de branco com enfeites verde e amarelo e um medalhão de Franco Rabelo”, diz o historiador da UFC, João Mendes de Andrade.
Entretanto, antes disso, a população já vinha oprimida havia 16 anos e, durante esse período, a imprensa cumpria o papel de estampar em suas páginas de jornais e panfletos o descaso do governo aciolino.
O discurso oposicionista foi ganhando força e a imprensa, com o seu instrumento de poder, foi dando voz a articulistas que possuíam discurso combativo a Acióli.
Entre os periódicos que faziam oposição mais ferrenha à oligarquia estavam o Jornal do Ceará e o Unitário, cujas páginas sempre apareciam recheadas de discursos ácidos contra os desmandos de Acióli.
Comandados por João Brígido e Agapito dos Santos — principais desafetos políticos do oligarca —, os jornais encampavam batalhas e eram responsáveis por esquentar os ânimos da população. “Eleições, secas, roubo do dinheiro público, benefícios trazidos pelo governo” eram temas recorrentes nos jornais, como pontua Emília da Silva, em sua Dissertação de Metrado “À sombra das palavras”.
Textos: Ranne Almeida. Publicados originalmente em 22/1/2012
O período que compreende a queda da oligarquia de Nogueira Acióli, em 1912, e a Revolução de 1930 foi marcado por uma redefinição das forças oligárquicas locais. Nesse período, apenas dois partidos — o Democrata e o Conservador — serviam aos grupos das oligarquias que ainda se mantinham na governança do Estado.
Depois da Revolução de 1930, o Estado passou a ser comandado por três interventores do Governo Federal — Fernandes Távora, Carneiro de Mendonça e Felipe Moreira Lima — e, concomitantemente, passou pelo processo de organização e formação de partidos políticos.
De um lado, nasce o Partido Social Democrático (PSD), que agrupou os políticos mais revolucionários, e de outro, constitui-se a Liga Eleitoral Católica (LEC), organizada sob a alegativa de orientar o eleitorado católico do Brasil.
Responsável por agrupar as chamadas forças conservadoras do Estado, inclusive remanescentes políticos da oligarquia aciolina, a LEC fez uma varredura pelo Ceará e saiu vitoriosa nos importantes pleitos 1933 (Constituinte Federal), 1934 (Constituinte Estadual) e 1935 (Eleição indireta de governador).
As vitórias representaram o início de 12 anos de dominação da Igreja Católica na vida política e cultural cearenses. Na figura do primeiro arcebispo de Fortaleza, dom Manuel da Silva Gomes, considerado um fino estrategista pelo cientista político Josênio Parente, a LEC foi ganhando força e ocupando espaços por todo o Estado. É desse período, segundo ele, a criação dos Círculos Operários de Fortaleza e de dois bispados em Crato e Sobral.
“Nessa época, Dom Manuel exerceu de maneira muito eficaz a hegemonia política no Ceará, colocando os seus vigários nos pontos estratégicos da sociedade civil e controlando o movimento operário”, explica Parente.
À frente dos mandatos públicos, a LEC teve como governador do Ceará Francisco de Menezes Pimentel, de 1935 a 1937. Depois, seguiu como interventor da ditadura do Estado Novo entre 1937 e 1945.
Texto: Ranne Almeida. Publicado originalmente em 22/1/2012 e agora reeditado e ampliado
Por Hébely Rebouças*
Por 19 anos, no Ceará, a força dos coronéis ultrapassou os limites do Exército e se estendeu ao controle político do Estado. Foi quando o triunvirato formado por César Cals, Adauto Bezerra e Virgílio Távora assumiu o Governo local, entre 1963 a 1978, sob a unção do Regime Militar. Por tratar-se de um grupo restrito, que dividia o poder entre si, o ciclo é avaliado como oligárquico por alguns analistas. Porém, são tantas as peculiaridades do período que é preciso flexibilizar o conceito puro de oligarquia – e o de coronelismo – para dar conta desse recorte da História.
O “tempo dos coronéis” no Ceará misturou pitadas de atraso e modernidade. Ali, já não se via as características do coronelismo político clássico, baseado na propriedade de terra e no prestígio social dos mandatários. Esse modelo, tradicional, “se não extinto, já estava, pelo menos, moribundo”, conforme observa a socióloga Linda Gondim no artigo “O Governo das Mudanças”.
O coronelismo de Virgílio, Adauto e Cals ganhou ares de progresso a partir do momento em que buscou dar os primeiros passos rumo à industrialização e ao desenvolvimento econômico do Ceará.
Conforme lembra Gondim, a experiência pioneira de planejamento estratégico do Ceará surgiu justamente na primeira gestão de Virgílio Távora (1963-1966), com o incentivo a projetos estruturantes e de largo alcance capitalista — como o abastecimento de energia elétrica para todas as regiões, o Distrito Industrial, a inauguração da Fábrica de Asfalto do Mucuripe, entre outros.
Dessa forma, apesar das inúmeras críticas, os coronéis ajudaram a desenhar uma parte do Ceará que resiste ao tempo. O Centro de Convenções de Fortaleza, o Centro de Artesanato, a Rodoviária da Capital e a Companhia Docas do Ceará são parte de um legado que até hoje beneficia economicamente o Estado. (Da publicação original da matéria para cá, o Centro de Convenções foi desativado, a partir da construção do Centro de Eventos).
Mas, ao mesmo tempo em que se abriram para o novo, os coronéis mantiveram os dois pés fincados numa cultura política para lá de arcaica. O clientelismo, em sua forma mais rústica, encontrou terreno fértil nas gestões do trio. Embora ainda hoje vivas na política cearense, as trocas de favores, o empreguismo e o uso do aparelho estatal para a manutenção do poder corriam soltos, sem o freio hoje imposto pela lei.
Eis a contradição dos coronéis: "Ao mesmo tempo em que se tentava dar uma estrutura de mercado ao Ceará, criando novos atores no setor empresarial e na classe média para poder fortalecer o Estado; você teve também essa parte mais tradicional, de fazer política na base do clientelismo", destacou ao O POVO o cientista político Josênio Parente, professor da Universidade Estadual do Ceará.
A seca e a pobreza, bem como a ausência de regras de preenchimento de cargos públicos – que só apareceram com a Constituição de 1988 – favoreciam aquela cultura. Por isso, apesar do relativo avanço, foi o estigma do “atraso” que derrotou a trindade coronelista. Em 1983, Gonzaga Mota assumiu o Governo como fruto da gestão dos coronéis, mas já inebriado pela onda “mudancista” que viria a se consolidar, depois, a partir da eleição de Tasso Jereissati. Quatro anos depois, este assume o Executivo com a promessa de sanear as práticas “atrasadas” dos adversários militares, dando início a uma nova era hegemônica.
(*) Texto publicado originalmente em 22/1/2012
Ponto de vista
No tempo dos coronéis
Frederico Fontenele*
Apesar de oficiais do Exército e de o poder dos três ter sido consolidado no regime militar de 1964 a 1985, as origens políticas de dois dos três coronéis da política cearense foram precedentes. O primeiro deles, Virgílio Távora, depois de derrotado em 1958, elegeu-se diretamente governador em 1962, num mandato de 1963 a 1966. VT governaria de novo, bionicamente, de 1979 a 1982. Adauto Bezerra estreou como deputado estadual em 1959 e, por eleição indireta, foi governador de 1975 a 1978. Já César Cals, administrador de companhias energéticas, só passou a ser político ao governar de 1971 a 1975.
Essa conjugação de coronel militar com cacique político, tornando-se adversários dentro dos mesmos partidos, Arena e seu sucessor PDS, a exemplo do Ceará, ocorreu na ocasião em poucos estados. Repetiu-se no Pará com a dobradinha Jarbas Passarinho e Alacid Nunes, também coronéis no duplo sentido e, a princípio, aliados.
O julgamento da herança dos três coronéis cearenses, na maioria das vezes, é parcializado devido à época em que governaram e pelo que deixaram de fazer pelo Estado. Mas, como legados permanentes, Virgílio trouxe a energia de Paulo Afonso até Fortaleza, César implantou o turismo no Estado e Adauto fundou a Universidade Estadual do Ceará (Uece).
(*) Jornalista do O POVO em texto publicado originalmente em 22/1/2012
Os três primeiros meses de 1987 foram suficientes para que o número de contracheques do Estado fosse cortado de 146 mil para 120 mil. De repente, quem tinha emprego público foi posto para fora. Gratificações desapareceram dos salários com uma simples canetada.
Por trás das medidas, um “galego de olhos azuis”, recém-eleito para o Governo do Ceará: Tasso Jereissati. Ao fazer valer promessas de moralização que lhe garantiram vitória nas urnas, ele dava início a um novo ciclo político – ambíguo e polêmico.
A primeira eleição de Tasso talvez tenha significado a maior ruptura política da história do Estado. O jovem empresário de 38 anos, então neófito na arena pública, era tido como a personificação do “novo”, da “modernidade”, em contraponto ao “atraso” e ao “tradicionalismo” representado pelos coronéis.
A promessa era a de reposicionar a imagem do Ceará no País, retirá-lo da condição de extrema pobreza e dar fim ao empreguismo e às práticas assistencialistas que marcaram o grupo político que o antecedeu. Para isso, a técnica e a profissionalização empresariais foram colocadas a serviço do Estado.
Tasso deu início à gestão com uma “faxina” na máquina pública. Milhares de funcionários fantasmas foram excluídos das folhas de pagamento. Assim, o tucano deu um passo importante na responsabilidade fiscal e no reequilíbrio financeiro do cofre público. O dinheiro do Ceará começou a aparecer, o que atraiu grandes empresas interessadas no novo mercado.
O estilo administrativo “agressivo” estendeu-se também ao campo político. Conforme lembra a pesquisadora Auxiliadora Lemenhe, da Universidade Federal do Ceará, “em menos de um ano, aliados foram feitos adversários, em razão de divergências programáticas e ideológicas. Empresários, políticos e movimentos sociais eram ouvidos apenas à medida que faziam eco às suas ideias”.
Mesmo assim, Tasso conseguiu eleger, embora com dificuldade, seu sucessor Ciro Gomes, nas eleições de 1990. Carismático, este começou a reatar o diálogo com forças políticas que até então haviam sido repelidas do Governo. E, quem diria: tinha início ali uma tentativa de repactuação justamente com os coronéis do Interior do Estado – que, depois, foram capitalizados para a volta de Tasso ao Executivo, na disputa de 1994.
Aos poucos, o estigma de “modernidade” com o qual o tucano havia emergido no Ceará começou a se confundir com práticas outrora consideradas arcaicas, em nome da hegemonia política. Nos dois últimos mandatos da Era Tasso, o governador passou a deter o controle do Legislativo, com mais de 60% da Assembleia ia em sua base aliada. “O clientelismo não era a principal característica, mas não dá para dizer que eles não recorreram a alguns tipos de cooptação, de negociações para a liberação de obras”, avalia o sociólogo Washington Bonfim, professor da Universidade Federal do Piauí.
Depois de 12 anos à frente do Governo – feito único no Ceará –, Tasso deixou o Executivo com uma oposição em ascensão, oriunda, sobretudo do PT. E foi essa sigla a principal responsável por tentar imprimir no tucano uma marca diametralmente oposta àquela que o consagrou nas eleições de 1986: a do conservadorismo. Tenha ou não o PT conseguido – e estivesse, ou não, com razão –, trata-se de uma ironia do destino. Hoje, é ele quem lida com a alcunha de “coronel”. Agora sem mandato, após derrota para o Senado em 2010, o ex-governador mantém-se como personagem ambíguo, dividindo opiniões como poucos no Ceará.
Publicado originalmente em 22/1/2012
Conquistas e polêmicas de um governo
A Era Tasso contou com a dobradinha entre a influência política e o poder econômico, ingredientes vistos com frequência em oligarquias Brasil a fora. Alem disso, também seria indicativo do exercício oligárquico daquele governo o “controle hegemônico sobre o Legislativo estadual, consolidado a partir do segundo mandato, e sobre os poderes Executivo e Legislativo dos municípios do Interior”, explica a socióloga Auxiliadora Lemenhe, da Universidade Federal do Ceará.
Com uma rede de poder construída nos quatro cantos do Estado, Tasso experimentou uma das maiores experiências hegemônicas da democracia cearense, com três mandatos à frente do Governo, feito jamais alcançado por outro gestor. Nesse período, conseguiu duplicar a rede de água e eletricidade e reduzir a mortalidade infantil, que caiu de 106 por 1.000 nascimentos para menos de um terço disso.
Entretanto, também não escapou às polêmicas. Uma das que recaíram sobre seu governo diz respeito às denúncias da oposição sobre supostos favorecimentos a aliados, através de transações irregulares no Banco do Nordeste e no Banco do Estado do Ceará (BEC). A privatização da Companhia Energética do Ceará (Coelce) também foi alvo de ataques.
Textos: Hébely Rebouças. Publicados originalmente em 22/01/2012
Considerada a etimologia do termo – governo de poucos – nenhum ciclo da política cearense se distancia tanto do conceito de oligarquia quanto a administração Cid Gomes (PSB). Afinal, como o próprio governador gosta de lembrar, jamais tanta gente diferente e tantos grupos distintos e até tradicionalmente adversários estiveram reunidos no mesmo arco de aliança.
O conceito tradicional de oligarquia vincula ainda essa forma de dominação à articulação necessária entre poderes político e econômico. Também nesse aspecto os Ferreira Gomes se distanciam da estrutura oligárquica, conforme tradicionalmente concebida. Nesse aspecto, diferem do ex-padrinho político do clã – Tasso Jereissati (PSDB). Os irmãos que hoje comandam a política do Ceará não são empresários, não têm envolvimento em atividades econômicas, tampouco possuem grandes fortunas, a despeito das excelentes relações com os setores mais influentes do empresariado. São profissionais da política. Não se enquadram, portanto, nos dois principais aspectos definidores do conceito.
O fato de o principal eixo decisório está nas mãos dos irmãos Cid, Ciro e Ivo é recorrentemente apontado como reedição das arcaicas estruturas de poderio familiar. Cid costuma reagir com irritação a tal questionamento. Argumenta que os três não podem ser condenados por serem parentes e gostarem de política. De fato, poderia até caracterizar nepotismo – embora o Supremo Tribunal Federal assim não entenda. Mas, definitivamente, não é suficiente para caracterizar oligarquia.
Por outro lado, há aspectos que aproximam a atual administração e as tradicionais forças que se estabeleceram no Ceará ao longo do século passado. O modo de construção da hegemonia mantém muitas das características comuns a todos os ciclos dominantes que conseguiram se estabelecer de forma duradoura na história da República no Ceará. Conforme mostrado acima, poucos desses momentos se caracterizam como oligarquias em todas as suas nuances do conceito definidas pela ciência política. Mas, em menor ou maior grau, aproximaram-se dessa forma de dominação, pela concentração de poder em círculos bem definidos, pela negação do diálogo, o autoritarismo – também em gradação variável – e pela tentativa gradual de eliminar os focos de resistência.
No caso específico dos Ferreira Gomes, os acordos políticos e a partilha de cargos promovida por Cid não são propriamente divisão do poder. Todas as definições cruciais são tomadas por um círculo bastante estrito.
Constituiu-se um grande pacto político que entregou espaços governamentais, mas não compartilhou o processo de tomada de decisões. A adesão do grande número de aliados não significou, para eles, a conquista de poder real, mas a obtenção de benesses localizadas, concedidas pelo círculo restrito que gere de fato o Estado. Em troca, penhoraram a obediência. A extensão do domínio levou ao processo de eliminação dos possíveis focos de oposição. Deu certo até certo ponto. Os embates mais duros se deram com aliados, sobretudo na figura da prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT). Mas não foi da política partidária, e sim dos servidores públicos – destacadamente professores e policiais – que vieram as maiores manifestações de descontentamento.
A coalizão governista se tornou tão ampla que encontrou os adversários entre os próprios parceiros e nos funcionários que compõem a máquina do Estado. De dentro da própria base de apoio brotaram os polos de insatisfação e contestação que tiraram a paz administrativa – a meta maior, e atualmente frustrada, de toda a intrincada operação política montada pelo Palácio da Abolição.
Atualização: desde a publicação da matéria, no começo de 2012, concretizou-se o rompimento com o grupo petista de Luizianne. Por outro lado, outra parte do PT, representada por Camilo Santana, ganhou o Governo do Estado com apoio dos irmãos, dando continuidade ao ciclo Ferreira Gomes. Por outro lado, aquele que àquela altura era o maior aliado dos irmãos de Sobral, Eunício Oliveira (MDB), rompeu com eles em 2014. Chegou a se aliar em 2018, sentiu-se traído e hoje segue com duras críticas ao grupo, poupando o governador.
Texto: Érico Firmo. Publicado originalmente em 22/1/2012