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Mapa do estrangeiro no Ceará
Reportagem Especial

Mapa do estrangeiro no Ceará

Pandemia de Covid-19 desacelerou o fluxo de imigração, mas o Ceará se mantém como uma das principais portas de entrada e de destino final para estrangeiros

Mapa do estrangeiro no Ceará

Pandemia de Covid-19 desacelerou o fluxo de imigração, mas o Ceará se mantém como uma das principais portas de entrada e de destino final para estrangeiros
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A expressão “em todo canto do mundo tem cearense” é ouvida com relativa frequência e expressa uma realidade de êxodo vivida intensamente até o começo da década de 1990 no Estado. Cerca de 30 anos depois, porém, o principal fluxo migratório no Ceará se inverte e a terra da luz deixa de ser um ponto de partida e se torna o destino final para muitos imigrantes, especialmente europeus.

No somatório de 2018 até o primeiro trimestre deste ano, 15.506 estrangeiros conseguiram registro de permanência definitiva no Ceará junto à Polícia Federal (PF). 

Fortaleza concentra o maior número, com 9.057 residentes, seguida por Caucaia, com 996, e Acarape, com 459. O órgão pondera que o número exato pode ser ainda maior já que imigrações ilegais não são contabilizadas no banco de dados.

Entrada do município de Caucaia
Foto: FCO FONTENELE
Entrada do município de Caucaia

O fato é que o fluxo para o Estado acelerou a partir dos anos de 2004 com a implementação de políticas governamentais que buscavam incentivar o investimento estrangeiro no País. 

Para a coordenadora do Laboratório de Estudos Agrários, Urbanos e Populacionais (LEAUP) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Denise Cristina Bomtempo, houve uma “reorganização da política migratória e da política do recebimento de investimentos estrangeiros” que acarretou na aceleração da vinda de imigrantes para o Brasil.

A especialista em Migração e Territorialidade explica ainda que o Brasil viveu um apogeu de divulgação para outros países com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

"Estávamos meio que no auge do nosso contexto político e econômico, recebemos um fluxo muito forte de turistas e muito do Brasil foi divulgado no Exterior." Denise Cristina Bontempo, coordenadora do Leaup da Uece

Foi deste cenário de divulgação e avanços tecnológicos que nos tornamos atrativos para os que buscavam fugir de adversidades sociopolíticas e econômicas em seu país de origem ou viam no Brasil uma possibilidade de evolução pessoal e profissional.

Denise destaca ainda que o Ceará é o estado que mais recebe imigrantes de diferentes perfis. "Temos tanto o imigrante com perfil de refugiado, migrante latino-americano, que vê no Brasil um ponto de referência; o migrante africano que tem um perfil de estudante, investidor e refugiado; e temos a migração de europeus, que já é um movimento mais antigo e está muito associada a investidores”, explica. 

 

Intercâmbio de culturas

 

Nascida na Colômbia, a engenheira química Melina Cantillo Castrillon veio ao Ceará pela primeira vez em um programa de intercâmbio quando fazia mestrado em 2011. “Senti ser um país que iria me permitir crescer. Crescer como pessoa, como profissional e também entender um espaço tão diverso como o Brasil”.

Ela conta que voltou para o país de origem já pensando em retornar ao Estado, pelo fato de a Universidade Federal do Ceará (UFC) ser referência mundial em pesquisas em sua área de estudo.

Melina Cantillo Castrillon, engenheira química de 34 anos que após uma curta estadia no Ceará, decidiu mudar-se da Colômbia para fazer do Estado e construiu um novo lar
Foto: Fabio Lima
Melina Cantillo Castrillon, engenheira química de 34 anos que após uma curta estadia no Ceará, decidiu mudar-se da Colômbia para fazer do Estado e construiu um novo lar

Em 2014, para o doutorado na UFC, ela esperava cursar os quatro anos e então voltar, mas não conseguiu deixar o Ceará para trás.

“Aqui no Brasil eu consegui entender coisas que eu via no meu país, mas não tinha forças para entender. O Brasil me deu isso, esse empoderamento, de conversas com as pessoas e elas sempre perguntarem o que eu acho, de dizerem: você tem voz’”, lembra-se ao mencionar que o Estado é um local “onde se pode criar raízes”.

Construção do novo lar

 

Aos 34 anos, a colombiana Melina Cantillo Castrillon não apenas decidiu fazer do calor cearense rotina, como também se casou com um cearense, que conheceu ainda na sua primeira passagem pelo Estado. Daí iniciou um plano de trazer toda a família para terras cearenses.

"Minha irmã mora aqui já faz dois anos, e a gente tem planos de trazer nossa mãe em breve. O contexto social aqui nos foi surpreendente, especialmente a saúde e a educação de qualidade e públicas. Aqui a gente aprende que não precisa se conformar com pouca coisa”, avalia.

Na visão de Denise, a experiência da colombiana representa bem uma dinâmica comum nos fluxos migratórios. “Os migrantes constroem redes de informação, de dicas, de impressões sobre o local em que estão inseridos. Isso tanto atrai novos turistas como novos imigrantes para a região”, explica.

Para Melina, a imigração pode ser uma forma de aproximar a relação entre os países e promover uma evolução conjunta. “Nós como estrangeiros também podemos ser pontes com outros países”, frisa.

Ela defende Fortaleza como uma cidade onde a cultura está sempre em desenvolvimento e se diz feliz ao ter escolhido ficar no Ceará. E ao lembrar que desembarcou definitivamente no Estado sabendo falar apenas: “bom dia, boa tarde e estou com fome”, comenta que adora andar pelas ruas do comércio no Centro de Fortaleza, como um bom cearense.

 

 

Economia urbana de imigração

 

O fortalecimento desse sentimento do imigrante com o Estado impulsiona o surgimento de uma economia urbana de imigração.

Constituída essencialmente por investimento de médio e pequeno porte, ela representa “uma atividade muito significativa do ponto de vista da movimentação econômica, da dinâmica de trabalho em muitos municípios que até então não tinham atividades econômicas dinamizadas”, avalia Denise.

A especialista pondera que, em boa parte dos casos, o investimento do imigrante está associado a atividades que o remetem ao seu local de nascimento.

“Como os africanos investindo em linhas de confecção de roupas com estampas típicas de seus países ou na construção de restaurantes étnicos com comidas coreanas, chinesas ou ainda que remetem a toda a América Latina em investimentos de venezuelanos e peruanos”, complementa.

Conforme os empreendimentos vão se firmando no Estado, segundo Denise, tem-se a construção de pequenos territórios estrangeiros.

Ela destaca a atuação de chineses no comércio de produtos para consumo direto no Ceará e ainda a concentração de portugueses e italianos que investem em restaurantes de comidas típicas nos bairros litorâneos de Fortaleza, da Barra do Ceará ao Vicente Pinzon.

 

Parada na pandemia

 O cenário econômico incerto da pandemia de Covid-19 reduziu, mas não suspendeu os interesses de investidores estrangeiros no Ceará. No primeiro semestre de 2020, com US$ 4,10 milhões, o Estado foi o que mais recebeu investimentos de fora, especificamente, de empresas de capital social constituídas em solo cearense para o período.

Mas, também nos primeiros seis meses do ano passado, se considerado o estoque de aportes de outros países, o valor foi de US$ 4 bilhões. Somente no ano passado foram 184 novos investidores e 153 novas empresas de fora constituídas no Estado, totalizando 8.531 com aplicações de capital, em 5.822 empreendimentos espalhados por 139 municípios cearenses. Os dados são do Observatório de Migrações Internacionais do Governo Federal (Obmigra) e do Ceará Global.

Para além do aporte direto no Estado, a presença de capital estrangeiro pode significar ainda um estreitamento de relações entre o Brasil e os países de origem dos imigrantes, conforme avalia Cesar Ribeiro, secretário para Assuntos Internacionais do Governo do Ceará.

A somatória das aplicações de Capital estrangeiro nos últimos 20 anos ultrapassa o patamar de R$ 20,6 bilhões, conforme cotação atual do dólar.

Os empreendimentos se concentram geograficamente em Fortaleza e Região Metropolitana e nos municípios de São Gonçalo do Amarante, em virtude do Complexo industrial e Portuário do Pecém, e cidades turísticas como Jijoca de Jericoacoara, Beberibe, Fortim e Aracati.

Pedra Furada, em Jericoacoara
Foto: AURÉLIO ALVES
Pedra Furada, em Jericoacoara

 

Atraídas pelo Pecém

 

No Brasil como empreendedoras desde 2014, as sul-coreanas Chan young yang de 29 anos e sua mãe, Meejeon jee, 58, decidiram montar um negócio no Ceará após observar, ainda na Coreia do Sul, o grande movimento de trabalhadores que estavam se deslocando para o Estado por causa da construção da Siderúrgica do Pecém.

“Começamos o negócio para atender coreanos e acabamos ganhando outros clientes: os brasileiros. Não sabíamos que tinha tanta gente que gosta e adora a cultura coreana”, afirma Chan.

Mãe e filha contam que se assustaram com a demanda que tinham por parte dos brasileiros e que, com o fim das obras na Siderúrgica, optaram por fechar o empreendimento na região e abrir um novo em Fortaleza.

Muitos coreanos vieram ao Ceará na construção da Companhia Siderúrgica do Pecém
Foto: EVILÁZIO BEZERRA, em 22/2/2017
Muitos coreanos vieram ao Ceará na construção da Companhia Siderúrgica do Pecém

 


K-Pop no Ceará

 

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Batizado de “K-pop&Food”, o restaurante emprega cerca de sete pessoas e representa mais do que apenas o negócio da família: “Nosso objetivo é espalhar nossa comida, apresentar para todo mundo", comenta Chan.

De professora de piano na Coreia a empresária no Ceará, Meejeon, comenta ainda que o processo de investimento no Estado foi inesperado e sem muito planejamento.

“Nunca tínhamos trabalhado com restaurantes antes, mas vimos uma boa oportunidade de crescer junto com a disseminação da cultura coreana.”

 

Fatores de escolha

 

A presidente da Câmara Setorial de Comércio Exterior e Investimentos da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Karina Frota, pondera que, em geral, os empreendimentos estrangeiros buscam se associar a regiões e segmentos com tendência de crescimento acelerado, com possibilidade de retorno imediato e de inovação.

Outro fator decisivo no momento da escolha do empreendimento por estrangeiros, segundo ela, é a preocupação com o desenvolvimento sustentável e a avaliação de como o negócio será beneficiado pelas qualidades climáticas, ambientais e pelos hubs aéreo, logístico, tecnológico e também pela Zona de Processamento de Exportações existente no Ceará (ZPE-CE). 

 

 

Os prós e os contras de investir no Estado

 

Mesmo avaliando o cenário estadual como mais receptivo a empreendedores do que no seu país de origem, as sul-coreanas relatam dificuldades para empreender no Estado, desde problemas com fornecedores à comunicação em Português.

Compreender os processos burocráticos para abertura de uma empresa no Brasil, que, por vezes, “até desanima”, conforme relembra Chan, foi o mais difícil.

Meejeon critica ainda a desorganização pública, a grande quantidade de impostos e o pouco apoio governamental para empreendedores. Apesar das ponderações, ambas afirmam que não imaginam suas vidas sem a escolha que fizeram de abrir um negócio no Ceará.

“O clima é muito bom, as pessoas são receptivas e muito animadas. Acho que todo estrangeiro que chega aqui sente que pode empreender em algo e crescer junto com a cidade. Não é somente chegar aqui e abrir um negócio, não é fácil, mas vale muito a pena”, complementa Chan.

Assim como o K-pop&Food, das empresárias Meejeon e Chan, 93% das empresas abertas por estrangeiros no Ceará foram criadas com capital individual, sendo geridas por pessoas físicas que se beneficiam da diferença cambial para iniciar pequenos e médios empreendimentos com boas perspectivas de crescimento.

De acordo com dados do levantamento Ceará Global realizado pela Adece e outras 24 instituições, os empreendedores estrangeiros detinham, juntos, um capital social de R$ 31,22 milhões até o fim do primeiro semestre de 2020.

Depois desse período, com o agravamento da crise da Covid-19, o fluxo de investimento estrangeiro no Estado caiu em decorrência da instabilidade econômica mundial.

"Apesar de previsão da redução no comércio global, a internacionalização é um dos principais indutores do crescimento econômico e pode ser uma saída estratégica para a recuperação das empresas. " Karina Frota, presidente da Câmara Setorial de Comércio Exterior de Investimentos da Adece

Ela avalia ainda que a identificação de novas oportunidades e abordagens de negócios podem ser um dos caminhos para conquistar clientes e garantir o faturamento das empresas.

Meejeon e Chan seguem a mesma linha de raciocínio e mesmo com os impactos da pandemia dificultando a viabilidade do restaurante, as sul-coreanas já planejam seus investimentos futuros. Dentre eles, a criação de um pequeno museu com artigos que contem a história da Coreia, com exemplos de brincadeiras e roupas típicas do país.

“As pessoas não querem somente provar a comida coreana e nós queremos dar esse algo a mais, ir além, permitir que sintam um pedaço de tudo que é a Coreia quando forem ao nosso restaurante”, comenta Meejeon.

Outra ação para o futuro é o investimento em franquias para o K-pop&Food, conforme revela Chan. “Ficamos tristes de não conseguir atender pedidos de locais mais distantes de Fortaleza, então, a ideia é criar uma franquia para quiosques ou pequenas lojas, algo que venda apenas nossos pratos mais famosos de forma rápida e simples”, detalha, na esperança de que, com a estabilização da pandemia, ela e a mãe possam seguir investindo na expansão de seu negócio.

 

10% do turismo internacional do Brasil

 

Um dos atrativos do Ceará são as praias
Foto: BARBARA MOIRA
Um dos atrativos do Ceará são as praias

Uma das principais portas de entrada para estrangeiros no Brasil, o Ceará representa 10% de todo o fluxo do turismo internacional no País. Mantendo a tendência de crescimento desde 2010, o número médio anual de turistas que vieram de fora do País nos últimos cinco anos para o Estado é de 307 mil.

Em levantamento de dados sobre o fluxo de entrada e saída de turistas no Estado, O POVO analisou, junto à Secretaria do Turismo do Ceará (Setur), que, em 2019, foram 374.962 estrangeiros a desembarcar no Estado, um crescimento de 9,4%, com 32.272 a mais do que no ano anterior.

Os dados da Setur mostram que a busca por lazer representa 45,4% dos desembarques de turistas no Estado via entradas de Fortaleza. Em seguida, a visita a parentes e amigos assume 19,8%.

Na sequência, viagens a negócios assumem 18,4% e congressos e eventos 12,3% do fluxo de turistas no Estado.

Assim, o turismo apresenta relação direta com o fluxo migratório, já que muitos estrangeiros conhecem o Estado em viagens de curta e média duração, a passeio ou devido a compromissos profissionais e acadêmicos e, então, decidem retornar para criarem uma vida nova no Ceará. 

Veio a trabalho e ficou

É o caso do português José Wahnon que, no ano 2000, veio para o Estado a pedido da empresa hoteleira Vila Galé. "Era apenas para realizar uma avaliação breve, mas aí a empresa foi pedindo mais coisas, pedindo para integrar outros projetos e eu fui ficando, fui ficando".

Instalado no Ceará, o empresário seguiu carreira no ramo da administração e gerência de empresas hoteleiras e fundou uma consultoria para o segmento, além de ser sócio-diretor do Hotel Laguna Blu, na Prainha, no Ceará, e diretor na Nutfor Consultoria em Higiene Alimentar.

Vista aérea do Laguna Blu
Foto: Divulgação
Vista aérea do Laguna Blu

“Sempre considerei o Estado como um destino fantástico em termos de turismo, não há no mundo um lugar como o Ceará. É com certeza absoluta um dos melhores destinos turísticos do mundo, tem tudo para dar certo”, frisa José.

Ele havia visitado o Estado duas vezes em viagens de férias antes de se mudar para o Brasil e avalia que o setor turístico era e ainda é “mal explorado”.

O empresário destaca as belezas naturais e condições climáticas que fazem com que o Ceará esteja apto para o turismo internacional em todas as épocas do ano e pondera: “Tem tudo para dar certo, mas hoje não tem nem um terço do seu potencial bem desenvolvido”.

José afirma que mais do que políticas de incentivo, fazem-se necessárias leis que flexibilizem o processo burocrático para empreendimentos estrangeiros no Ceará e no Brasil.

"Aos investidores que me procuram, eu sempre digo para analisarem com muito cuidado. É um ótimo país, temos boas condições para gerar lucro, mas não é um mar de rosas.<br>" José Wahnon, sócio-diretor do Hotel Laguna Blu e diretor da Nutfor

Apesar de preocupações e críticas ao que chama de “entraves burocráticos e falta de apoio governamental para o empresário”, ele afirma que não pretende deslocar seus investimentos para outro local.

José faz parte da rede de empreendedores que juntos fortalecem o fluxo de dinheiro associado ao turismo no Estado. Anualmente, o Ceará tem arrecadado mais de R$ 300 milhões com as atividades do segmento conforme o mais recente relatório do Ministério do Turismo.

A atividade turística no Ceará apresenta crescimento anual consecutivo há três anos. Entre 2018 e 2019, o o avanço foi de 4,8%, ficando acima da média nacional de 2,6% e tendo o segundo melhor desempenho do País.

A sequência de bons resultados, porém, foi interrompida pela pandemia de Covid-19, mas, antes da crise sanitária, em 2019, o Estado atingiu o marco de arrecadação de R$ 365.434.096,73, terceiro maior valor do Nordeste.

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