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Renata Rizzi: "Importa melhorar nossa democracia e acreditamos no poder da informação para isso"
Reportagem Especial

Renata Rizzi: "Importa melhorar nossa democracia e acreditamos no poder da informação para isso"

Em entrevista comemorativa ao aniversário da plataforma O POVO+, a cofundadora e diretora de estratégia e negócios do Nexo, Renata Rizzi, fala sobre o cenário do mercado do Jornalismo no Brasil e a trajetória do Nexo - veículo de informação completamente digital

Renata Rizzi: "Importa melhorar nossa democracia e acreditamos no poder da informação para isso"

Em entrevista comemorativa ao aniversário da plataforma O POVO+, a cofundadora e diretora de estratégia e negócios do Nexo, Renata Rizzi, fala sobre o cenário do mercado do Jornalismo no Brasil e a trajetória do Nexo - veículo de informação completamente digital
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Lançado em 2015, o Nexo Jornal é um veículo nativamente digital focado em oferecer aos leitores conteúdos com recursos interativos e imersivos. Sustentado apenas por assinantes, o Nexo é reconhecido nacional e internacionalmente por suas reportagens e serve com inspiração para muitas outras produções focadas no jornalismo digital. 

Muito da lógica de produção de conteúdo e a importância da experiência do leitor pode ser compartilhada entre o Nexo e OP+, a primeira plataforma multistreaming da América Latina.

Em entrevista comemorativa ao aniversário de um ano de lançamento do OP+, a cofundadora e diretora de estratégia e negócios do Nexo, Renata Rizzi, conversa sobre a trajetória do veículo, sobre o cenário do mercado brasileiro de Jornalismo e sobre as maravilhas que o universo digital oferece aos leitores. Confira:

Renata Rizzi, cofundadora do Nexo Jornal e atualmente diretora de estratégia e negócios da empresa.(Foto: Kiko Ferrite)
Foto: Kiko Ferrite Renata Rizzi, cofundadora do Nexo Jornal e atualmente diretora de estratégia e negócios da empresa.

O POVO - A senhora é engenheira com doutorado em Economia. Como foi que chegou ao universo do jornalismo digital e entrou na fundação do Nexo?

Renata Rizzi - Então, é engraçado porque muita gente me pergunta isso e, interessantemente, para as outras pessoas que não são da área da comunicação, a gente é como um consumidor muito fascinado em muita coisa. Então, como consumidor, eu e com a idade que eu tenho fui vendo como foi acontecendo a transformação digital. Desde aquele momento inicial em que o que se via, na realidade, era uma adaptação meio mais ou menos do que tinha no impresso para o digital; até os veículos que começaram efetivamente a explorar tudo que o digital tem pra dar e com uma liberdade da parte impressa. Eu era uma super entusiasta dessa indústria.

E, para complementar, outras duas coisas aconteceram meio que paralelamente. Eu estudei no meu mestrado em Economia, a economia internacional e finanças, e depois no doutorado me fascinei por Economia Política. Ela é quase uma ciência política, mas da parte da Economia. Estudando isso eu e uma pesquisadora e professora, a Fernanda Lopes Leon, fizemos uma pesquisa e concluímos, com uma amostra bastante grande e relevante de entrevistados, que as pessoas não se informam para votar.

Aquilo foi um choque pra mim. Aquele momento eu falei: “Putz! Como é que a gente vai transformar essa democracia?” Um pouco de idealismo, sim, quando você conclui uma coisa desse tipo e quando a atividade que você está fazendo é uma coisa acadêmica, que tem muito pouco impacto. Mas aí, juntando isso com a ideia que, na verdade, quem teve foi a Paula Miraglia, que é outra fundadora do Nexo (ao lado também de Conrado Corsalette), a gente se perguntou se não deveria fundar um jornal digital. Então, juntando tudo isso, fui parar num campo novo.

 

 

Renata Rizzi em seminário na Fundación Gabo.(Foto: Fundacion Gabo)
Foto: Fundacion Gabo Renata Rizzi em seminário na Fundación Gabo.

O POVO - Inclusive, o Nexo desde o começo se sustenta por assinatura. Quais são os desafios e vantagens de se ter um modelo de negócio tão dependente do leitor?

Renata Rizzi - Justamente, isso que pensamos do Jornalismo, sobre fonte de receitas principais, publicidade, assinatura… Efetivamente dessa dupla a gente foi e escolheu somente assinaturas, é verdade. No digital, a publicidade dá bastante menos dinheiro do que no impresso, e cada vez menos. E você tem questões de eventuais conflitos de interesse, você tem questões da usabilidade, do UX (Sigla do termo em inglês user experience; em português: experiência do usuário). A experiência do usuário é bastante comprometida quando se tenta colocar publicidade em tudo quanto é canto.

Por outro lado, a gente sentiu que, com o modelo de assinaturas, teríamos um alinhamento muito grande de incentivos dos leitores em si. Quer dizer, a gente tinha incentivo para produzir conteúdo de qualidade, conteúdo independente, equilibrado, que fosse atrair leitores a se converterem assinantes. Então, nesse sentido, a gente acha bastante interessante esse modelo de assinaturas. Mas a gente também tem um foco muito grande em diversificar receitas com outras fontes, que não publicidade; como cursos, eventos, coisas que são alinhadas ao nosso a nossa missão.

É claro que é difícil você começar com o modelo de assinaturas, começando do zero. Você tem que primeiro criar sua audiência, depois você tem que converter essas pessoas a virarem assinantes, depois você tem que reter essas pessoas. Então, tem desafios também, né? Mas a gente está bastante contente com a escolha que fizemos de não ter publicidade no site.

"O ecossistema em que estamos tem dificuldades. No momento, tanto por conta da pandemia, quanto por conta da economia. " Renata Rizzi, sobre o mercado do Jornalismo no Brasil

O POVO - Algo muito bacana do Nexo são as reportagens especiais, que trazem linguagens muito interativas, algumas são imersivas. Como o leitor recebe esses recursos e como é para a equipe focar em produzir reportagens com essa linguagem?

Renata Rizzi - A gente, desde o início, procurou ter um veículo digital com toda força, explorando mesmo as possibilidades e os formatos que existem. A gente aprendeu rápido até, eu diria, que não é porque você pode fazer uma coisa que você deve fazer. Às vezes, a coisa é para se mexer, às vezes, não precisa se mexer. Você tem que pensar um pouco sobre o que que você vai agregar de valor pro leitor e o que que você vai agregar de valor para quem produz, né? Mas também o quanto vai ter de custo.

A gente acha bastante importante deslumbrar nossos leitores, por contar a história do melhor jeito pra que ela seja absorvida. Quer dizer, tem muito esforço, com eficiência, mas com uma empolgação também de que a coisa seja incrível. E de novo, nem tudo tem que ser dessa forma, realmente não fecharia a conta se a gente fosse fazer tudo muito incrível. Mas para a gente é bastante importante que seja diferenciado, sim, no digital, até mesmo por conta do modelo de assinatura.

 

 

Equipe do Nexo Jornal, antes da pandemia de Covid-19.(Foto: Arquivo do Nexo)
Foto: Arquivo do Nexo Equipe do Nexo Jornal, antes da pandemia de Covid-19.

A produção é muito legal em geral, ela envolve equipes diferentes. A gente está muito acostumado desde o início a produzir com muita interação entre as equipes no Nexo. Temos gente de tudo quanto é área, então é um ambiente muito rico. É uma delícia trabalhar lá, acho que todo mundo aprende muito, as pessoas têm diferentes afinidades com temas diferentes e as coisas acabam sendo produzidas até mesmo com mais facilidade. Essas trocas são muito ricas e favorecem que a gente consiga produzir com mais criatividade, que tenham qualidade, ainda assim, e com um ritmo suficiente para o leitor.

"O jornal que é mais regional no impresso, pode ter a pretensão de ser nacional no digital." Renata Rizzi, sobre o atrativo do digital

O POVO - Como a senhora comentou no começo, antigamente o conteúdo do impresso era simplesmente inserido no digital e, pronto, se tinha um jornalismo digital. Como a senhora avalia o cenário brasileiro de produção de jornalismo digital atualmente?

Renata Rizzi - Eu acho que a gente tem evoluído super bem, acho que tem muita coisa legal sendo produzida por uma diversidade de veículos. Acho também que o ecossistema em que estamos tem dificuldades. No momento, tanto por conta da pandemia, quanto por conta da economia. Mas sem dúvidas a gente tem evoluído super legal como indústria, tem muito incentivo porque você vai vendo cada vez mais coisa legal sendo produzida e você mesmo quer também participar disso. Então vejo com muito bons olhos.

Os jornais têm completa noção do quanto é importante desenvolver a parte digital, quer dizer, não é só uma questão de evolução do perfil do público, que é uma coisa relevante, mas também um momento de escolha. Tem muita receita vindo ainda do impresso, mas sabe-se que a receita lá pra frente virá muito mais do digital. Então, em que momento e como fazer essa escolha? Alguns migram imediatamente para o digital e cancelam as edições impressas, mantêm só no final de semana, tem uns que postergam um pouco isso… Mas é um movimento natural que vai acontecer ao longo do tempo.

O POVO - Isso leva à pergunta que não quer calar, o impresso vai sumir? (risos) Ou melhor, o que é mais atraente no jornalismo digital nesse sentido?

Renata Rizzi - Ah, olha... O impresso vai sumir? (risos) Não, eu espero que não. A previsão é de que sim, mas no Brasil deve demorar muito ainda para isso acontecer. O que sim pode acontecer é um pouco aquilo, de ter um impresso mais fininho durante a semana, mais no fim de semana… Essa questão da distribuição e da produção mesmo, da impressão, né?

São produtos muito diferentes. No digital, você tem um custo marginal quase zero. No impresso, isso não é verdade. E você consegue alcançar audiências imediatamente em tudo quanto é lugar, não só do Brasil, mas do mundo. Então, o jornal que é mais regional no impresso, ele pode ter a pretensão de ser nacional no digital.

 

 

Renata Rizzi em seminário na Fundación Gabo.(Foto: Fundacion Gabo)
Foto: Fundacion Gabo Renata Rizzi em seminário na Fundación Gabo.

O POVO - Nesse sentido, o Brasil tem um problema de que um a cada quatro brasileiros não têm acesso à internet. Como o Nexo lida com isso? Porque ele não é capaz, naturalmente, de atingir essas pessoas pelos meios convencionais.

Renata Rizzi - É, tem um pouco de dificuldade, realmente, de acesso à internet. Mas a verdade é que, em termos de acesso por smartphone e tal, a gente percebe que é quase universal. A questão é quanto de banda você pode consumir. Tanto que isso sempre foi uma discussão para gente. Quer dizer, ao terminar um artigo, você pode colocar um monte de coisa embaixo, mas isso vai ser muito pesado pras pessoas que estão consumindo e que tem problemas de consumo de banda, consumo de pacote de dados. Então isso é uma preocupação de manter as coisas leves. É um desafio, né?

Tem alguns conteúdos que, realmente, se você quer que eles sejam muito incríveis, não tem como. Mas a grande parte das nossas produções, como os gráficos, são em HTML. É algo que não vai ser super pesado no pacote de dados das pessoas. E além disso, a gente chega, por exemplo, aos estudantes do Enem, na época de preparação, já com toda a curadoria feita com os temas atuais que, em geral, caem nos vestibulares no Enem.

Também temos uma iniciativa para doação de assinaturas para alunos de cursinhos populares. Então, são alunos que têm acesso ao telefone e o acesso a uma assinatura digital com todo o conteúdo livre, pode ajudar muito na performance no Enem; bem como, desenvolver para a vida.

 

 

O Nexo Jornal recebeu o prêmio de Excelência Geral em Jornalismo Online, na categoria Pequenas Redações, em concurso promovido pela Online News Association. Renata Rizzi e Paula Miraglia recebendo o prêmio(Foto: Christian Monterrosa/ONA Student Newsroom)
Foto: Christian Monterrosa/ONA Student Newsroom O Nexo Jornal recebeu o prêmio de Excelência Geral em Jornalismo Online, na categoria Pequenas Redações, em concurso promovido pela Online News Association. Renata Rizzi e Paula Miraglia recebendo o prêmio

O POVO -  O Nexo é bem novo ainda, foi lançado em 2015, mas já é um veículo de jornalismo digital muito consolidado no Brasil. Inclusive reconhecido com prêmios nacionais e internacionais. Quais foram as inspirações para a construção do Nexo e a que a senhora atribui todo esse reconhecimento?

Renata Rizzi - Em termos de inspirações eu lembro bem da gente, em 2014, comentando que gostava muito dessa parte explicativa do Vox. Gostava muito dos gráficos da Economist e da interatividade dos especiais do The New York Times e do modelo de negócios deles. Então, tudo isso junto a gente começou a moldar o que seria o Nexo. O Nexo não é o puro Vox, não é o puro nada disso: é uma misturinha que a gente preparou aqui mesmo. Mas eu acho que a gente teve muita sorte de que a indústria estava super decolando em termos de inovação no mundo inteiro.

A gente falou: “Puxa, vamos ser um dos primeiros no Brasil, um dos pioneiros a trazer a efetiva exploração do digital para cá.” E acho que a gente foi bem sucedido nisso. A isso também se deve um pouco da nossa boa reputação aqui, assim como da nossa independência, do nosso equilíbrio, da nossa seriedade, do nosso rigor todo tempo até aqui.

Em termos de reconhecimento internacional, a gente ficou muito contente mesmo de perceber que isso aconteceu. Quer dizer, a gente estava se inspirando nos de fora e conseguindo produzir coisas aqui no Brasil que são do mesmo tipo, do mesmo nível de jogo. A gente também fica feliz toda vez que vê qualquer veículo do Brasil aí nas finais dos prêmios, porque significa que nós estamos no mesmo nível de desenvolvimento da do que a indústria no mundo.

"A gente tem um processo judicial em risco e quão menor se é, maior o risco de que isso efetivamente seja grande demais pra te abocanhar. " Renata Rizzi, comentando sobre os desafios de se fazer jornalismo no Brasil de 2021

O POVO - Como é olhar a trajetória do Nexo, desde as inquietações levantadas pela pesquisa de vocês em 2014, e ver o que o veículo se tornou?

Renata Rizzi - É super interessante. É muito gratificante, mas é muito interessante mesmo. Começar uma coisa do zero, e eu não estou falando só em aquisição de audiência, estou falando do antes: pensar, qual vai ser a tecnologia disso, como é que nós vamos fazer, como é que nós vamos contratar as pessoas, quem vão ser essas pessoas, como nós vamos treiná-las… Nossa, foi uma estrada que a gente percorreu.

Então, no início, a gente tinha essa perspectiva de estudar como dar certo, funcionar, entrar no ar, conseguir começar a ser consumido pelas pessoas, as pessoas começarem a ter interesse em assinar, etc. E aí, ao longo desses cinco anos, é claro que você está chegando num nível de ajuste mais fino. Você também, por outro lado, percebe que tem muita coisa que a gente não previu e que a gente percebeu que eram necessidades super importantes dentro de uma organização e que eram menos claras pra gente.

Assista à Live sobre Jornalismo Digital 

 

 

Equipe do Nexo Jornal, antes da pandemia de Covid-19.(Foto: Arquivo do Nexo)
Foto: Arquivo do Nexo Equipe do Nexo Jornal, antes da pandemia de Covid-19.

E aí, do lado dos nossos leitores, é uma grande alegria perceber, em conversa com leitores, que justamente o que eles valorizam é tudo aquilo que a gente queria ser. A maneira como eles percebem o que o Nexo é mesmo, sem que ninguém assope pra eles, sem que seja sugestionado. Quando eles falam os atributos do Nexo, são exatamente os que a gente gostaria que fosse valorizado. E olhando também em perspectiva, a gente tem somente cinco anos! A gente tem que crescer, realmente, ser grande no Brasil inteiro, é um negócio que leva um pouquinho mais de tempo.

O POVO - Estamos fazendo essa entrevista no dia 3 de maio, o Dia da Liberdade da Imprensa. Então, como é fazer jornalismo e ter uma empresa de jornalismo no Brasil de 2021?

Renata Rizzi - É um jogo bastante sério. É bastante comprometido por parte de quem joga do lado  de cá. Para a gente importa poder melhorar nossa democracia e a gente acredita muito no poder da informação para isso. Há dificuldades, tanto do lado financeiro, e acho que a indústria no mundo inteiro passa por isso, aqui no Brasil ainda mais, né?

A gente tem dificuldades porque nossas receitas estão impactadas, a receita de quem tem publicidade provavelmente está impactada, a receita de quem trabalha com assinaturas, também, já que as pessoas estão com muito menos dinheiro. Então, tem todo esse lado da economia, que é bastante difícil de continuar navegando esse mar com qualidade.

E tem o lado todo da liberdade, justamente, que é algo que a gente tem que tratar com maior seriedade e com muita atenção. A gente tem um processo judicial em risco e quão menor se é, maior o risco de que isso efetivamente seja grande demais pra te abocanhar. A gente tem um cuidado enorme, a gente presta super atenção e continuamos trabalhando para que seja muito transparente tudo o que está acontecendo aqui no Brasil. É importante para a gente que as pessoas possam se informar, que possam ter acesso ao que está acontecendo de verdade.

E dizer que estamos muito atentos e tomando todos os cuidados quando a gente está produzindo informação, não quer dizer que a gente deixe de produzi-la e deixe de publicá-la.

Assista à entrevista de Renata Rizzi

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