“Fique em casa” é o consenso entre as recomendações das autoridades sanitárias para conter a propagação da Covid-19. Mas para pelo menos 1.668 famílias no Ceará, a casa é uma incerteza diária. O dado se refere a ocupações que foram alvo de remoções e ameaças de despejo durante a crise sanitária, de março de 2020 a maio deste ano.
O levantamento foi realizado pelo O POVO com informações do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), do Escritório de Direitos Humanos Dom Aloísio Lorscheider (EDHAL), da assessoria jurídica do mandato da vereadora Larissa Gaspar (PT) e da campanha Despejo Zero.
Na quinta metrópole mais populosa do Brasil, a realidade do déficit habitacional se escancarou com os impactos socioeconômicos da pandemia. No último 17 de março, enquanto a Capital se aproximava dos seis mil óbitos por Covid-19 no começo da segunda onda pandêmica, Joana Darc Nogueira Felipe, 47, via seu barraco ser derrubado na ocupação Pacífica, no bairro Vicente Pinzón. A moradia improvisada servia de abrigo para ela e os dois filhos.
Desempregada, Joana não conseguiu mais pagar aluguel na comunidade do Castelo Encantado, onde antes residia. Assim, começou a ocupar o terreno nas proximidades do residencial Alto da Paz há cerca de cinco meses. O barraco havia sido construído de forma colaborativa com a ajuda de vizinhos.
A ocupação Pacífica reúne 200 famílias e foi alvo neste ano de ações de desocupação da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), com o apoio da Guarda Municipal. Moradores relatam emprego de força violenta e desproporcional nas ocasiões.
As condições na ocupação são precárias. O terreno é íngreme, com muita vegetação e mosquitos. “O poder público tem que olhar para os pobres. Tem uma pandemia matando todo mundo, não tem trabalho. A gente vive de cesta básica, de doação”, reivindica Joana.
Karolyne Lima dos Reis, 24, também tinha uma moradia improvisada, mas na ocupação do Jeri, no bairro Luciano Cavalcante. Chegou a residir no local durante dois meses, quando teve seu barraco derrubado em março após demolições realizadas pela Agefis.
Agora Karolyne vende bolos e dindim para pagar R$ 400 de aluguel da casa onde mora com os dois filhos e o marido, mas as dificuldades são muitas. “Já dormi duas noites com meus filhos na rua. Tinha tempo que eu não tinha condição [de pagar aluguel]. Numa pandemia desta, a gente conseguindo uma moradia já ajuda”, diz.
Segundo ela, após a remoção, ainda existem tentativas de ocupação por parte de algumas das 56 famílias que constituíam a ocupação do Jeri. Contudo, as novas investidas do grupo acabam sendo impedidas pela Prefeitura de Fortaleza.
MPCE apura desocupações realizadas pela Prefeitura
O Ministério Público do Ceará (MPCE) recomendou em abril de 2020 a suspensão de remoções administrativas em Fortaleza durante a pandemia de Covid-19. A exceção é para casos de ocupações em área de risco comprovada por documentos técnicos.
Ainda nessas situações, se a remoção ocorrer, as famílias devem ser direcionadas para uma nova moradia ou para o aluguel social. A medida vale enquanto durar a situação de emergência em saúde pública na Capital.
As remoções administrativas são realizadas pelo Município quando uma posse é considerada nova. Quando há uma ocupação consolidada, em terreno público ou privado, é preciso que haja uma ação de reintegração de posse por vias judiciais para desocupar a área.
"Se for demarcação de terreno não consistindo em moradias, não vejo problema de ser retirado. Agora, se existirem moradias, existe orientação para que o poder público não faça remoção."
É o que explica a promotora Giovana Melo, titular da 9ª Promotoria de Justiça do MPCE, especializada em conflitos fundiários e defesa da habitação. “Se for demarcação de terreno não consistindo em moradias, não vejo problema de ser retirado. Agora, se existirem moradias, existe orientação para que o poder público não faça remoção”, completa.
Após a provocação de escritórios de assessoria jurídica popular, o MPCE instaurou procedimentos para apurar as circunstâncias das desocupações ocorridas nos bairros Vicente Pinzón (ocupação Pacífica) e Luciano Cavalcante (ocupações Jeri e Jaime de Alencar) neste ano.
Órgãos municipais, entre eles Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), foram oficiados para prestar esclarecimentos. Um eventual descumprimento à recomendação do Ministério Público daria abertura para processar o Município por ato de improbidade administrativa.
Em nota ao O POVO, a Agefis informa que segue a recomendação do MPCE “e monitora as áreas ambientais e de patrimônio público para que não sejam ocupadas”. A agência diz que atendeu a denúncias de ocupação irregular nos bairros Luciano Cavalcante e Vicente Pinzón. “Foram identificadas construções não habitadas com materiais como madeira e lona, além de demarcações”, afirma.
A Guarda Municipal de Fortaleza (GMF) reforça o posicionamento da Agefis sobre as construções encontradas nos locais. Acerca dos relatos de violência, a pasta ainda ressalta que “não é a favor de nenhum tipo de violência e que seus agentes empregam o uso moderado da força ou armamento de baixa letalidade, apenas em casos necessários para garantir a própria integridade ou a da população.”
"Foi um ato administrativo. A recomendação do MPCE é clara em não haver despejos administrativos. Essas famílias ocupam terrenos por uma questão urgente de assistência."
A versão sobre a existência de moradias inabitadas na ocupação Pacífica é contestada pelo advogado Cláudio Silva, coordenador do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Dom Aloísio Lorscheider, que vem acompanhando os moradores do local.
“Foi um ato administrativo. A recomendação do MPCE é clara em não haver despejos administrativos. Essas famílias ocupam terrenos por uma questão urgente de assistência. No caso dessa ocupação, temos relato de pessoas passando fome”, atenta.
Ainda em março, um ofício foi enviado à Prefeitura pedindo a suspensão dos despejos durante este cenário de alto nível de contaminação pelo Covid-19, bem como a efetuação do cadastro para atender às demandas habitacionais das famílias da ocupação Pacífica.
A advogada Isabelle Maciel, assessora jurídica do mandato da vereadora Larissa Gaspar (PT), tem acompanhado a ocupação do Jeri, no bairro Luciano Cavalcante, e garante que a comunidade tinha pessoas habitando em moradias improvisadas, além de demarcações. Ela também assessora a ocupação Jaime de Alencar, no mesmo bairro, onde as construções iniciadas por 17 famílias foram retiradas também em ação da Prefeitura.
“As pessoas dessas duas ocupações estão em sua maioria desempregadas. A pandemia trouxe essa situação, e a moradia é urgente. Tanto por uma questão de saúde pública quanto pelo exercício do direito fundamental à moradia e à dignidade da pessoa humana”, afirma.
A vereadora Larissa Gaspar, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal, fez projetos de indicação para que a Prefeitura destine os dois terrenos públicos ocupados aos moradores das ocupações Jeri e Jaime de Alencar, tendo em vista que não foram apresentados projetos para utilização dos terrenos referidos. Os documentos estão tramitando.
Também foram encaminhados ofícios ao poder público para que as famílias sejam incluídas em algum programa de habitação ou de assistência social como os aluguéis sociais. A Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) confirma o recebimento dos ofícios e diz que os documentos seguem em análise do Núcleo de Locação Social.
"O poder público tem o dever não apenas de proteger seus bens públicos ou uma propriedade particular, mas também tem o dever de efetivar o direito à moradia."
Ao receber a demanda, a secretaria explica que avalia os critérios estabelecidos na lei nº 10.328/2015, do Programa de Locação Social. Também é levada em conta a ordem cronológica de entrada dos processos, inclusive de outros entes como Ministério Público e Defensoria Pública, "além de prioridades, como nos casos de desalojamento e desabrimento."
Conforme pondera a promotora, o MPCE tem questionado a falta de direcionamento de famílias para soluções habitacionais quando ocorrem remoções. “O poder público tem o dever não apenas de proteger seus bens públicos ou uma propriedade particular, mas também tem o dever de efetivar o direito à moradia, que é um direito constitucional”, alerta. Apenas na 9ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, da qual Giovana é titular, são acompanhadas 15 comunidades em questões relativas ao direito à habitação.
Também no bairro Vicente Pinzón, outra comunidade se mobiliza contra uma ação de reintegração de posse expedida pela 27ª Vara Cível de Fortaleza, no último dia 19 de abril, pela juíza Mirian Porto Mota Randal Pompeu. A ocupação Alto das Dunas fica na avenida Douglas Marshall com rua Narcisio Lima e abrange uma área aproximada de 22 lotes. São 313 barracos assentados onde moram idosos, crianças e mulheres grávidas.
Cerca de 40 famílias residentes de quatro lotes do terreno ocupado, em uma área total de 1.290 metros quadrados (m²), estão ameaçadas de remoção. Um eventual despejo traria repercussões para toda a ocupação porque as famílias tentariam se abrigar na própria comunidade.
Ângela Maria Alves dos Santos, 37, construiu o barraco dela no local para morar com os dois filhos, de 9 e 15 anos. Com a mudança, foi possível sair do aluguel para desafogar o orçamento familiar, já bastante apertado. A renda mensal vem do auxílio de um salário mínimo recebido pelo filho mais novo que tem autismo. A criança toma dois medicamentos que, às vezes, precisam ser comprados quando estão em falta no sistema público de saúde. “Se acontecer isso [remoção], meu sonho de ter uma casa para criar meus filhos foi por água abaixo. Não tenho pra onde ir. Ou compro alguma coisa pra gente comer, ou ficamos no meio da rua”, lamenta.
Dois recursos contra a decisão judicial foram interpostos pelo Escritório de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar (EFTA), mas um deles já foi negado. Assim, as famílias da ocupação Alto das Dunas estão sob risco de despejo.
O EFTA e a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) acompanham o caso e questionam os termos de posse que fundamentaram a decisão da Justiça, argumentando que o proprietário não conseguiu comprovar devidamente a posse em audiência realizada. Um ofício enviado à Habitafor em abril, requisitando soluções habitacionais para os moradores, também segue em análise no Núcleo de Locação Social.
Após articulações da vereadora Larissa Gaspar (PT), a Polícia Militar do Ceará (PMCE) informou em abril que não tinha sido acionada para cumprir reintegração de posse no bairro Vicente Pinzón. Contudo, em nota mais recente, a PM esclarece que quando requisitada pelo Poder Judiciário, mesmo durante a pandemia de Covid-19, “não se pode negar a prestar apoio a ações que envolvam desapropriação, sob pena de responder por crime de desobediência.”
Em março deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a recomendação nº 90/2021 indicando que, enquanto durar a pandemia de Covid-19, o Judiciário avalie com cautela os pedidos de desocupações coletivas de imóveis rurais e urbanos, "sobretudo nas hipóteses que envolverem pessoas em estado de vulnerabilidade social e econômica".
A norma sugere aos magistrados do Brasil a considerar o grau de acesso da população afetada às vacinas ou a tratamentos disponíveis para o enfrentamento do coronavírus.
Na avaliação da advogada Mayara Justa, do EFTA, a recomendação é pertinente para que juízes avaliem os impactos de suas ações sobre a realidade. “Óbvio que o juiz tem autonomia, isso faz parte do cargo dele. Mas o juiz não pode viver alijado da sociedade, e a recomendação do CNJ deve ser considerada na sua atividade jurisdicional”, completa.
O defensor público José Lino Fonteles, supervisor do Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham), acredita que a orientação do CNJ é pouco eficaz na medida em que não está sendo observada. “E não é só no Ceará. Aqui parece que nem olham a recomendação, mas temos notícias de outros estados onde não estão cumprindo”, comenta.
O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) disse, por meio de nota, que as decisões proferidas pelo Judiciário cearense são fundamentadas na legislação e, “quando necessário, seguem cautelosamente jurisdição de instâncias superiores, além de recomendações do CNJ.”
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Uma medida considerada como mais urgente para dar suporte às famílias sem moradia durante a pandemia de Covid-19 é o aluguel social. Em Fortaleza, cerca de 300 pessoas aguardam para entrar no Programa de Locação Social, segundo dados de 2020 da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor). Atualmente, o programa dispõe de 1.250 vagas.
No ano passado, foram investidos mais de R$ 4,5 milhões em aluguel social na Capital. Os beneficiados recebem o valor de R$ 420 por um período de até dois anos. A iniciativa contempla, por exemplo, famílias impactadas por projetos de urbanização e famílias desalojadas que estejam cadastradas nos programas habitacionais ou em processo de reassentamento.
"O número de possibilidades para a demanda do aluguel social é enorme e não dá conta das necessidades, mas o mais rápido de operacionalizar é aumentar o valor e o limite do aluguel social para contemplar mais famílias"
Pessoas em situação de rua, moradores de áreas de risco e mulheres vítimas de violência doméstica também estão inseridos na política. Na análise da pesquisadora Valéria Pinheiro, do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab), da Universidade Federal do Ceará (UFC), as vagas do programa são limitadas, e o valor necessita de um reajuste.
“O número de possibilidades para a demanda do aluguel social é enorme e não dá conta das necessidades, mas o mais rápido de operacionalizar é aumentar o valor e o limite do aluguel social para contemplar mais famílias”, considera. Valéria acrescenta que o aproveitamento de imóveis urbanos vazios na Cidade seria uma alternativa mais efetiva a longo prazo.
De acordo com a Habitafor, a ampliação de vagas e de valores do aluguel social depende de autorização legislativa, visto que é uma ação com impacto direto no orçamento público. A pasta ainda menciona os apoios financeiros promovidos pela Prefeitura a diferentes categorias durante a pandemia.
Sobre o uso de imóveis vazios em Fortaleza, a secretaria disse apenas que estudos e pesquisas são realizados pela Prefeitura sobre o interesse da população em habitar a área central. “Estão sendo considerados os instrumentos urbanísticos que devem ser previstos no novo Plano Diretor para que se viabilizem projetos de Habitação de Interesse Social (HIS), de maneira sustentável, diversificando o uso na área mais infraestruturada da cidade.”
Em 2012, o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHISFor) mapeou cerca de 1.864 vazios (imóveis não edificados) em Fortaleza, com um total, aproximadamente, de 22.507.675 m², o que contemplaria 512.131 unidades de habitação. Esse dado deverá ser atualizado na revisão do Plano Diretor de Fortaleza, suspensa em 2020 devido à pandemia.
Na Capital, cerca de 200 mil pessoas já se dirigiram, voluntariamente, para efetuar o cadastro habitacional à espera de uma moradia, de acordo com a Habitafor. Nos últimos oito anos, o Município entregou, em parceria com os governos Estadual e Federal, 25.403 moradias de interesse social, além de 15.204 títulos de posse definitiva (papel da casa) e mais de 2.000 melhorias habitacionais.
A Prefeitura mantém aberto, permanentemente, um cadastro autodeclaratório para qualquer pessoa que deseja concorrer a uma moradia dentro das regras da política pública de habitação de interesse social.
A política habitacional é uma competência comum da União, dos estados e dos municípios. Valéria Pinheiro analisa que o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), substituído pelo Casa Verde Amarela no ano passado, gerou acomodação por parte de governos estaduais e municipais, que terminaram não reservando tantos recursos para a área.
“Com o fim do Minha Casa Minha Vida, não tem outra saída. Tem que ter garantia de orçamento público para moradia popular, e ela tem que ser feita em área bem localizada”, reforça.
Segundo a Habitafor, apesar da redução de investimentos do Governo Federal na área da habitação e das limitações impostas pela pandemia, o Município executou R$ 19.096.833,10 com a função habitacional em 2020. Neste ano, a Lei Orçamentária Anual de 2021 previu R$ 59.190.085,00 para o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (HIS), a fonte de financiamento da política habitacional de Fortaleza.
“É importante dizer que a política local de habitação também depende de recursos do Governo Federal, que nos últimos dias tem apresentado cortes significativos, especialmente para a chamada faixa 1, principal foco da política habitacional do Município”, pondera a secretaria.
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Especialistas ouvidos pelo O POVO elencaram possíveis soluções a longo prazo para a questão habitacional em Fortaleza. Confira a seguir as alternativas e o que a Prefeitura diz sobre cada uma delas.
Um artigo publicado na revista científica Nature, em abril deste ano, revela as repercussões de remoções para a transmissão do novo coronavírus. A pesquisa analisou os efeitos de despejos individuais em diferentes cidades dos Estados Unidos, onde há moratória nacional (adiamento do pagamento) desde 2020 para impedir despejos em caso de impossibilidade de pagar aluguel.
Os estudiosos simularam a transmissão viral entre casas de uma área metropolitana teórica. No estudo foram considerados dois cenários: primeiro, despejos sendo efetivamente suspensos com uma rigorosa moratória; e segundo, despejos sendo permitidos.
“Descobrimos que para todas as trajetórias, quando permitimos que os despejos ocorressem, eles levaram a aumentos significativos nos casos de Covid-19 [...] Os despejos também servem para exacerbar as disparidades pré-existentes na prevalência de infecções entre bairros”, apontam os autores da publicação.
"Cada família que não fica exposta ao vírus é uma vitória. Estar em casa neste momento é estar protegido não só em relação ao direito à moradia, mas ao direito à vida."
Para Talita Gonsales, pesquisadora do Observatório de Remoções (FAU/USP e UFABC), o estudo da Nature respalda cientificamente que a suspensão de remoções é uma medida para o controle da Covid-19. Ela faz parte da campanha "Despejo Zero", lançada em julho de 2020 justamente no intuito de impedir remoções no Brasil durante a crise sanitária. “Cada família que não fica exposta ao vírus é uma vitória. Estar em casa neste momento é estar protegido não só em relação ao direito à moradia, mas ao direito à vida”, salienta. Até o começo de maio, foram suspensas 34 remoções na pandemia após mobilização popular e atuação de entidades de defesa da campanha.
Desde o dia 1° de março de 2020 até 11 de fevereiro de 2021, a campanha contabilizou ao menos 9.156 famílias removidas no País durante a pandemia. Outras 64.546 famílias foram ameaçadas de remoção neste mesmo período, além de 37 casos sem número de famílias. No Ceará, foram registradas 225 famílias ameaçadas de remoção. Talita elenca como conquistas da campanha a aprovação de projetos de lei contra as remoções em estados como Rio de Janeiro e São Paulo.
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Na última terça-feira, dia 18 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou por 263 votos a 181 o projeto que proíbe o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021, suspendendo os atos praticados desde 20 de março de 2020, exceto aqueles já concluídos. A proposta (PL 827/20) será enviada ao Senado.
De acordo com o substitutivo aprovado, do deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), serão suspensos os efeitos de qualquer ato ou decisão de despejo, desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, seja os de moradia ou para produção.
No caso de ocupações, a regra vale para aquelas ocorridas antes de 31 de março de 2021 e não alcança as ações de desocupação já concluídas na data da publicação da futura lei.
A proposta é de autoria dos deputados André Janones (Avante-MG), Natália Bonavides (PT-RN) e Professora Rosa Neide (PT-MT). “O projeto protege os mais vulneráveis, aqueles que passam fome e ainda têm de arranjar dinheiro para pagar o aluguel, afirma Natália Bonavides. (com informações da Agência Câmara de Notícias)
Matérias legislativas que poderiam evitar despejos no Ceará e em Fortaleza, caso aprovadas e sancionadas, aguardam para serem votadas na Câmara Municipal de Fortaleza (CMfor) e na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Somente neste ano, três projetos de lei para suspender remoções administrativas e judiciais foram protocolados.
No âmbito municipal, o PL nº 160/ 2021, batizado de “Despejo Zero”, foi protocolado em março pela mandata coletiva Nossa Cara (Psol). A vereadora Adriana Gerônimo cobra um andamento mais célere do projeto, que ainda aguarda entrar em pauta no plenário.
“É inadmissível e muito cruel que no momento da pandemia, famílias inteiras estejam sendo despejadas das suas casas. Essas famílias se veem com a única possibilidade de ocupar terrenos vazios na cidade”, enfatiza.
Na Assembleia Legislativa, dois projetos do deputado estadual Renato Roseno (Psol) para a suspensão de remoções no Ceará aguardam análise da procuradoria geral e das comissões temáticas.
“Em qualquer situação, um despejo de uma comunidade pobre que vai ficar sem moradia é uma violência. Numa pandemia como agora, isso se torna uma tragédia humanitária”, pontua Roseno, que também preside a Comissão Direitos Humanos e Cidadania da AL-CE.
Outra iniciativa que tramita na Câmara é a indicação para criar uma Comissão Intersetorial de Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos em Fortaleza, de autoria da vereadora Larissa Gaspar (PT), apresentada em janeiro de 2021. O projeto aguarda parecer na Comissão de Política Urbana e Meio Ambiente.
A instância com participação da sociedade civil e do poder público viabilizaria a monitoração das ocupações da Cidade, organizando a realocação dessas famílias quando fosse necessário. “Entendo que são muitas matérias, mas estamos diante de uma situação emergencial de pandemia, com pessoas sendo despejadas. O conjunto dos vereadores poderia ter um compromisso maior com a tramitação dessas causas”, comenta a vereadora.