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Bola na areia: futevôlei cresce no Ceará
Reportagem Especial

Bola na areia: futevôlei cresce no Ceará

Em 2009, um comerciante viu na modalidade um potencial para o Estado. Hoje, a mistura do futebol com o voleibol tem mostrado força em cada ponta do Ceará

Bola na areia: futevôlei cresce no Ceará

Em 2009, um comerciante viu na modalidade um potencial para o Estado. Hoje, a mistura do futebol com o voleibol tem mostrado força em cada ponta do Ceará
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O encontro entre o comerciante Jorge Baltazar e o futevôlei, em 2009, na Barra do Ceará, foi fundamental para o crescimento da modalidade no Estado. Do contato inicial ao aprendizado, o esporte virou paixão e projeto pessoal para popularizá-lo. É ele o fundador da Federação Cearense de Futevôlei. A partir daí, em trabalho conjunto, a atividade cresceu e se espalhou por Fortaleza e Região Metropolitana até chegou ao Interior do Estado.

O futevôlei é praticado hoje por homens e mulheres de diferentes faixas etárias, com diferentes motivações, desde quem já tinha relação intimidade com a pelota a partir do futebol até praticantes que buscaram na modalidade um estilo de vida mais ligado à saúde. Apesar de não haver uma estimativa oficial de quantas pessoas praticam o esporte no Estado, é possível afirmar que centenas de adeptos estão concentrados em bairros como Praia de Iracema, Barra do Ceará, Vila Velha e João XXIII.

Lucas Mota, repórter do O POVO, participa de aula de futevôlei
Foto: FABIO LIMA
Lucas Mota, repórter do O POVO, participa de aula de futevôlei

Fora da Capital, o esporte ganhou força na Regiões Metropolitana de Fortaleza. Em Caucaia foi revelada a primeira dupla cearense campeã brasileira. Maracanaú e Pacatuba também são celeiros de talentos. No Interior, Martinópole foi pioneira na prática e tem arena com dimensões oficiais construída com o apoio da Prefeitura do Município.

A expansão do futevôlei até o cenário atual no Ceará passa pela atuação de Jorge Baltazar, mais conhecido pela alcunha "Futesporte". Dois anos após o primeiro contato, ele fundou a primeira Associação Cearense de Futevôlei, na região da praia de Iparana, em Caucaia. Com aulas gratuitas para a comunidade, o projeto social passou a funcionar na quadra construída pelo comerciante no quintal da própria casa.

"O futevôlei, na época, era tratado como um esporte para gente mais velha, ex-jogadores. Mas eu pensei: 'Se eu aprendi já velho, imagina uma criança'. E começamos com aula para crianças a partir de 9 anos." Jorge Baltazar, comerciante, impulsionador do futevôlei no Ceará
"Popularizou, quase todos os bairros têm futevôlei. Em 2011 não tinha tanto praticante. Deus colocou no meu coração para eu trabalhar o esporte com criança. O futevôlei, na época, era tratado como um esporte para gente mais velha, ex-jogadores, atletas profissionais. Mas eu pensei: 'Se eu aprendi já velho, imagina uma criança'. E começamos com aula para crianças a partir de 9 anos", comenta Jorge, que trouxe professores para ministrar as aulas na Associação.

Com o pontapé do projeto em Iparana, o processo de crescimento do esporte ocorreu de forma natural. Jorge "Futesporte" ajudou a criar outras associações no mesmo modelo. Foram abertas na Barra do Ceará, em Martinópole e Pacatuba.

Em 2017, as associações se juntaram e criaram a Federação Cearense de Futevôlei. Jorge se tornou o presidente da entidade, que passou a organizar campeonatos regulares com até cinco etapas até 2020 — quando a instituição fechou por falta de recursos, um pouco antes do baque da pandemia da Covid-19. Embora tenha durado pouco, a movimentação em prol do futevôlei enraizou a modalidade no Estado.

"Conseguimos dar uma alavancada no esporte. Hoje não tem mais circuito. Éramos regulamentados pela Confederação Brasileira. Torneios ainda são realizados, mas sem a orgnanização da Federação", explica "Futesporte".

Mesmo sem uma federação operando no Ceará, a modalidade segue a todo vapor. A Beira Mar, em Fortaleza, é um dos principais "picos" dos praticantes. O esporte é visto com facilidade por quem caminha pela orla. As escolinhas recebem alunos durante os três turnos do dia. A hora/aula custa, em média, entre R$ 35 a R$ 40.

 

 

Origem e regras do futevôlei

 

O futevôlei é um esporte 100% brasileiro e criado nas praias do Rio de Janeiro, nos anos 1960. A modalidade evoluiu, estruturou-se com regras estabelecidas e cresceu não só no Brasil, sendo praticado ainda em países da Ásia, Europa e nos Estados Unidos.

Uma partida de futevôlei pode ser disputada em duplas (2x2), em trios (3x3) ou quartetos (4x4) no mesmo time. A modalidade é praticada numa quadra de 18x9 metros com uma rede ao meio de 2,20m de altura. O piso é de areia. A título de comparação, a quadra de vôlei tem o mesmo comprimento e largura, mas com a rede a 2,43m (masculino) e 2,24m (feminino). Já a de praia é de 16x8m. 

O jogo é iniciado por um saque com os pés. Cada equipe pode tocar até três vezes na bola com o objetivo de passar novamente para o lado adversário. É possível devolver a pelota de primeira ou de segunda também.

No futevôlei, as partidas têm geralmente três sets com 15 pontos cada. O jogador pode usar o pé, a coxa, o peito, a cabeça e o ombro para tocar na bola — braços e mãos estão vetados. Os fundamentos do esporte são basicamente saque, recepção, passe, ataque e defesa.

O ataque de cabeça costuma ser o mais utilizado pelos atletas. Outro modo de atacar é o "shark attack" (ataque de tubarão, em inglês), lance plástico feito pelos jogadores para pontuar. É uma espécie de bicicleta de futebol, feita de frente, de forma a jogar a bola para baixo.


 

Futevôlei transformou a vida de pernambucano radicado no Ceará

 

Depois da família, o futevôlei é quem manda no coração do pernambucano de 31 anos, que fez morada em Fortaleza a partir de 2008. De segunda a sábado, manhã, tarde e noite, o professor Oseias Nascimento se dedica a passar conhecimento em aulas da modalidade na Praia de Iracema (PI), em frente ao Jardim Japonês, na Escola Futevôlei Mucuripe. São dez anos ensinando a atividade esportiva em solo cearense.

Oseias apostou no futevôlei como forma de ganhar a vida. Antes do baque da pandemia, a escolinha particular, que dispõe de duas quadras montadas na PI, mantinha fluxo mensal de 100 alunos, que se dividiam entre horários de 5h30min às 20 horas, de segunda-feira a sábado. E a adesão de novos praticantes sempre foi constante. A demanda é alta, com média de 20 a 30 aulas experimentais por semana, conta ele.

 Oseias Nascimento, professor de futvôlei
Foto: FABIO LIMA
Oseias Nascimento, professor de futvôlei

Antes de se consolidar como professor de futevôlei, o pernambucano natural da praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca (PE) precisou superar dificuldades. Oseias ressalta que o esporte sempre lhe ensinou valores importantes. Como forma de retribuir, além das aulas particulares, o "Apiguana", como é conhecido no meio, passou a se dedicar também a projetos sociais de forma gratuita, formando novos jogadores e professores em comunidades carentes.

"Deixei de ser machista, um cara egoísta. Sempre tem algo novo para aprender. Sou um cara muito grato ao futevôlei. Minha forma de retribuir é ajudando as pessoas, como me ajudaram no início", comenta.

O pernambucano desembarcou em Fortaleza em 2008 para uma nova vida acompanhando a esposa, que havia sido aprovada em concurso público. Naquele momento, pairava a dúvida sobre qual rumo profissional o marido seguiria em terras alencarinas. A ideia inicial era se dedicar a ser jogador de futevôlei, atividade que já exercia em Pernambuco.

Aula de futevôÌei na escola Mucuripe, na  avenida. Beira mar
Foto: FABIO LIMA
Aula de futevôÌei na escola Mucuripe, na avenida. Beira mar

"Praticamente não tinha nada para eu fazer aqui. Pensei: vou voltar a praticar futevôlei. Com dois meses de treino, comecei a me destacar entre os melhores do Estado", lembra ele sobre o início.

Questões financeiras para se manter competindo nos torneios nacionais frearam a carreira como jogador. Foi aí que veio a ideia de passar os conhecimentos adquiridos no esporte.

"Estou sendo egoísta e tendo dor de cabeça. Resolvi passar meu conhecimento. O público feminino não era muito visado. Comecei um projeto com as meninas. Oito meses depois, duas delas se destacaram e fizeram a semifinal contra as melhores do país no Brasileiro", conta Oseias, que revelou jogadoras da comunidade do Mucuripe.

"As pessoas que estão de fora olham para o futevôlei e pensam que é muito difícil. A experiência para quem nunca teve contato com o futebol passa a ser mais interessante ainda." Oseias Nascimento, professor da Escola de Futevôlei Mucuripe

No boca a boca, o professor foi ganhando novos adeptos. Em determinado momento, Oseias estava dando aulas particulares e em projetos sociais na Beira Mar, no João XVII, na Iparana e na Maraponga.

"As pessoas que estão de fora olham para o futevôlei e pensam que é muito difícil. A experiência para quem nunca teve contato com o futebol passa a ser mais interessante ainda. Em seis meses de ensino, eu aposto com qualquer um: pega um cara viciado em futebol, peladeiro, e um cara sem noção nenhuma, e vamos ver quem vai desenvolver mais rápido, ter a técnica mais apurada. É quem nunca teve vínculo com futebol. As mulheres ficam impressionadas", afirma.

Estabelecido com a escolinha na Beira Mar, Oseias garante que não se preocupa com a concorrência. O objetivo principal é expandir o futevôlei, dar novas oportunidades e aumentar a comunidade. Ele já formou diversos alunos em projetos sociais que estão hoje dando aulas no Estado.

"Eu sou uma pessoa que não tive pai na infância toda. Penso mais no próximo. Vejo que o cara tem talento para vencer no futuro e tento ensiná-lo. Incentivo a fazer faculdade, procuro parceiros, tento arranjar desconto. Dou o empurrão que eu não tive quando era atleta profissional. Como sofri, não quero que sofram agora. Peço para os caras se esforçarem para não fazer que nem outros meninos que tiveram oportunidade, trabalharam comigo, treinaram e deixaram de mão beijada. Um moleque perdeu a vida dia desses com dois tiros na cabeça. É triste. Poderia ter se engajado no esporte."

 

 

 Benefícios da prática do futevôlei

 

Para quem pensa em iniciar no futevôlei para manter a saúde em dia e perder peso, o professor Oseias garante que a perda de calorias por treino é elevada, dependendo do metabolismo. O profissional lembra de um aluno que passou a fazer aulas em 2019.

"Ele nos procurou para perder peso. Eu disse que o futevôlei ajudaria, mas ele também precisaria se ajudar, fazendo dieta equilibrada. Com a junção do futevôlei com a dieta, o cara perdeu em quatro, cinco meses, 28 quilos. Quando ele chegou, não dava dois piques", narra Oséias.

"Para quem busca o emagrecimento, o futevôlei pode ajudar bastante por ser uma modalidade explosiva, por ter movimentos curtos de saltos e de sprint (corrida). Isso faz com que o batimento cardíaco eleve e o gasto energético seja mais alto." Mateus Melo, nutricionista

O nutricionista Mateus Melo reforça que o praticante de futevôlei pode "queimar" entre 500 a 700 calorias a cada hora de treino. "Para quem busca o emagrecimento, o futevôlei pode ajudar bastante por ser uma modalidade explosiva, por ter movimentos curtos de saltos e de sprint (corrida). Isso faz com que o batimento cardíaco eleve e o gasto energético seja mais alto", explica.

Além da queima de calorias, o profissional lista os benefícios da atividade esportiva. "Melhora a saúde cardiovascular, mental, a disposição durante o dia e a absorção de nutrientes. Como é um esporte praticado ao ar livre, geralmente na praia, favorece o contato com raios ultravioletas que são importantíssimos para a produção de vitamina D."

 Lucas Mota, repórter do O POVO, participa de aula de futevôlei na Escola de Futevôlei Mucuripe
Foto: FABIO LIMA
Lucas Mota, repórter do O POVO, participa de aula de futevôlei na Escola de Futevôlei Mucuripe

O nutricionista ainda dá dicas de alimentação para antes e depois dos treinos do futevôlei. "A hidratação é importantíssima. Por ser esporte praticado na praia, o praticante sua muito. Essa reposição é importante. Antes dos treinos, o consumo de carboidratos, como tapioca, frutas, banana, laranja, melancia, é importante para o desportista ter disposição. Após a atividade, as proteínas são destaque para recuperar bem a musculatura, como carne, frango, ovo, leite, soja, principalmente."

 

 

Do sedentarismo ao futevôlei: o relato dos alunos

 

A massoterapeuta Ianny Paiva procurou a modalidade de forma despretensiosa. O interesse veio após uma amiga comentar que estava praticando o esporte. O objetivo era aprender a jogar, perder peso e tonificar as pernas. Cinco meses depois do início das aulas, o futevôlei virou paixão.

"Mudou minha vida. O que eu sinto quando vou ao treino, eu não tiro só o estresse, mas acho divertido, tem a resenha, o aprendizado. A parte mais prazerosa da minha rotina é sair de casa e ir para o futevôlei", conta Ianny, aluna da Escola Futevôlei Mucuripe, localizada na Beira Mar.

Massoterapeuta Ianny Paiva é praticante de futevôlei
Foto: FABIO LIMA
Massoterapeuta Ianny Paiva é praticante de futevôlei

Quando resolveu praticar o esporte, Ianny estava parada há três anos. Vivia o sedentarismo. Em meio à pandemia até ensaiou alguns exercícios em casa. No primeiro contato com o futevôlei, a dificuldade da atividade na areia pesou, mas ela não desistiu.

Hoje em dia não sabe viver sem o futevôlei.

A agenda de trabalho já é moldada após o treino diário. Nem o cansaço da rotina tira ela da manhã esportiva na praia. "Eu era uma pessoa sedentária e estressada. Com o futevôlei, me sinto em total equilíbrio, sem estresse por qualquer coisa. Fui, sem noção de nada, treinar. Hoje já tenho noção de recepcionar, a gente aprende a dominar. Tem a resenha, os professores te apoiam", diz ela.

"Antes de entrar do futevôlei, estava um pouco sedentário porque minha rotina de trabalho estava muito intensa Logo nas primeiras semanas comecei a notar mais disposição no meu dia a dia e perda de peso." Yuri Landim, pediatra

A pesada rotina do pediatra Yuri Landim fez o profissional refletir sobre mudanças de hábito. A necessidade de uma vida mais saudável o levou até o futevôlei. Em sete meses de atividade mais acompanhamento de nutricionista, ele perdeu 12 quilos.

"Antes de entrar do futevôlei, estava um pouco sedentário porque minha rotina de trabalho estava muito intensa, mas eu sabia que precisava cuidar da minha saúde. Logo nas primeiras semanas comecei a notar mais disposição no meu dia a dia e uma perda de peso que nunca tinha conseguido em outro esporte. (Eu) Me empolguei, marquei um nutricionista e já vou perdendo 12 quilos de forma saudável", ressalta Yuri, que também é aluno da Escola Futevôlei Mucuripe.

Assim como Ianny, o pediatra ressalta o bem-estar gerado por causa dos treinos, do contato diário com a praia e com os companheiros de escolinha. "Sempre gostei de esportes, principalmente futebol. Um dia, andando na Beira Mar, fiquei sentado assistindo o pessoal jogar futevôlei. Falei: 'Esse vai ser meu novo esporte'. Hoje faz parte da minha rotina. No meu momento no esporte, tento esquecer todos os estresses. É um momento de reflexão, descontração e se tornou um estilo de vida."

 

 

Entrei na história

Minha experiência no futevôlei

Por Lucas Mota

 

Lucas Mota, repórter do O POVO,
Foto: FABIO LIMA
Lucas Mota, repórter do O POVO,

De 2017 pra cá, me joguei de cabeça no sedentarismo e deixei de lado a prática esportiva, que me acompanhou de forma rotineira da infância ao início da fase adulta. Hoje, a profissão é quem tem me dado empurrões para voltar a me relacionar com quem mantive laços firmes. E foi assim que fui parar numa aula experimental de futevôlei, nas areias Praia de Iracema, em frente ao Jardim Japonês, na Beira Mar.

A preparação foi quase nula. A refeição matinal básica de café, ovos e torradas apenas para dar uma pontada de energia. Vesti uma roupa leve e calcei meus chinelos antes de partir feliz rumo à Escola de Futevolei Mucuripe, comandada pelo professor Oseias Nascimento. Às 7h30min, eu já estava no aquecimento com pés na areia sob o sol de Fortaleza e o mar à vista da Praia de Iracema.

Nunca tinha jogado futevôlei. Em meu favor, apenas a intimidade com a bola dos tempos de futebol e futsal. Apesar das diferenças entre os esportes e a necessidade da técnica de tocar a pelota no ar, consegui converter os movimentos no aquecimento.

Antes de iniciar os treinos de fundamentos com o professor Oseias, eu já estava tomado pela empolgação no novo esporte. Concentrado nas orientações e, ao mesmo tempo, imaginando que poderia finalmente deixar o sedentarismo prestes a completar 29 anos.

Consegui executar as séries repetitivas de fundamentos, entre toques com os pés, peito e cabeça. É um treino intenso. Na reta final dos exercícios, meu corpo pedia descanso. O cansaço era aparente na medida que o semblante não disfarçava a satisfação de estar ali. O professor notou e brincou: "Acho que você vai voltar".

"O futevôlei traz leveza pelo próprio ambiente em contato com a natureza, embora haja espaços fechados distantes da praia. O interessante é que é um esporte possível para todos, até mesmo para quem nunca chutou uma bola." Lucas Mota, jornalista, sobre as vantagens do esporte

A prática na areia puxa bastante a parte física. Quem procura a modalidade pelo bem-estar e melhorias na saúde se sentirá contemplado. Colegas que conheci na aula experimental ressaltaram os pesos perdidos e mudança no estilo de vida.

O futevôlei traz leveza pelo próprio ambiente em contato com a natureza, embora haja espaços fechados distantes da praia. O interessante é que é um esporte possível para todos, até mesmo para quem nunca chutou uma bola. Basta querer aprender. Você vai ser conquistado.

Futevôlei, vou voltar.


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