Em 2012, o Ministério do Esporte reconheceu oficialmente o pôquer como um esporte da mente, mesma posição ocupada pelo xadrez. A partir desta decisão, que legitimou a Confederação Brasileira de Texas Hold'em (CBTH), responsável pela organização dos torneios nacionais, como sua entidade oficial, a prática cresceu e ganhou novos adeptos, tanto amadores como profissionais.
No Ceará, o Circuito Cearense de Poker (CCP) foi criado cerca de dois anos depois, entre 2014 e 2015, passando a ser o principal campeonato do Estado. Organizada pela AX Eventos, o CCP é dividido em seis etapas por ano, que duram sete dias, além da realização de um torneio principal, com R$ 50 mil em premiação.
A partir de então, o esporte cresceu e se profissionalizou, atraindo cada vez mais pessoas que se dedicam à modalidade como principal fonte de renda. É o caso de Thiago Farias, que abandonou o cargo de engenheiro civil para investir em sua carreira no pôquer.
O que antes era um hobby lucrativo para Thiago, tornou-se profissão a partir de 2017 após seu bom desempenho no torneio Nordeste Poker Series. "Meu irmão me patrocinou e consegui o terceiro lugar no evento principal, ganhando a premiação de R$ 22 mil. A partir disso, passei a disputar todos os circuitos cearenses e nordestinos", conta.
"O torneio foi televisionado e isso os ajudou a entender que a realidade era diferente, que era, sim, um esporte e não algo obscuro como é representado em alguns filmes."
A aceitação familiar, no entanto, foi um problema. Havia uma ideia ultrapassada sobre o pôquer ser um jogo de azar. "No início, eu jogava escondido", relata Thiago. A situação mudou após a conquista da Nordeste Poker Series. "O torneio foi televisionado e isso os ajudou a entender que a realidade era diferente, que era, sim, um esporte e não algo obscuro como é representado em alguns filmes".
Diferentemente do que caracteriza um jogo de azar, onde o resultado depende do acaso, no pôquer a habilidade do jogador costuma interferir no desfecho da partida. Ou seja, ainda que a sorte possa influir, ela não é o principal fator. Se um atleta se dedicar ao estudo do esporte e desenvolver habilidades fundamentais, como a capacidade de realizar cálculos estatísticos e aperfeiçoar estratégias comportamentais e psicológicas, como o blefe, as chances de vitória em relação a um jogador que não possui estas habilidades aumentam.
O cenário do pôquer é dinâmico e, consequentemente, costuma ser uma renda instável. Diferentemente de um emprego tradicional, no qual há um salário fixo mensal, no "carteado competitivo" é preciso manter a regularidade com vitórias e boas colocações. "Às vezes, você passa o mês trabalhando, jogando, e mesmo assim termina negativo. É necessário ter bastante preparo psicológico para não se perder", explica Thiago, que teve como maior premiação na carreira R$ 58.000, vencido em um torneio on-line.
O Ceará está bem representado quando o assunto é desempenho no pôquer nacional e internacional. A primeira grande conquista foi de Bruno Foster, em 2014. Ele se tornou o único brasileiro da história a chegar à mesa final do evento principal da World Series of Poker (WSOP), torneio mais importante do mundo, realizado em Las Vegas, nos Estados Unidos. O cearense também foi campeão da etapa de Natal do Brazilian Series of Poker (BSOP), principal campeonato do Brasil.
Outro destaque da região é Oderlândio Moura, que venceu o primeiro circuito do WSOP realizado no Brasil, levando o prêmio de R$ 750.000. Ao todo, outros 1.050 competidores disputaram o prêmio com Oderlândio no evento principal.
Além dos desempenhos individuais, o Ceará acumula boas campanhas no Campeonato Brasileiro de Poker por Equipes (CBPE). A competição ocorre anualmente durante o mês de julho, reunindo seleções com os melhores jogadores do país, formada pelas federações de cada estado ligadas à Confederação Brasileira.
No Ceará, a modalidade é representada pela Federação Cearense de Texas Hold’em (FCTH), que tem como presidente o atleta Bruno Foster, responsável pela convocação da seleção. Em 2016, a equipe cearense conquistou a segunda colocação, melhor campanha entre todos os times do Nordeste.
Também em 2016, outro cearense ganhou visibilidade. Bruno Aguiar foi campeão do ranking do Nordeste Poker Series (NPS), considerado o maior circuito da região. O torneio acontece durante todo o ano, dividido em várias etapas e sediado em diferentes cidades nordestinas.
A cada etapa, dependendo da colocação, o competidor soma pontos para um ranking, que decide o grande campeão geral. Em 2019, o Ceará novamente conquistou o título, desta vez com Ramon Pessoa, tornando-se o estado com mais triunfos.
Apesar de ainda serem minoria no pôquer, somando cerca de 15% das participações nos campeonatos, o aumento da presença de mulheres mostra que o cenário feminino está em ascensão, conquistando marcas expressivas.
No Ceará, um dos grandes destaques é Paulinha Costa, com quatro títulos na categoria Ladies Only, destinado exclusivamente para a competição entre as mulheres. Foram três conquistas do Circuito Cearense de Poker e uma do Nordeste Poker Series.
Embora seja piauiense, Paulinha foi convocada para representar a seleção cearense no Campeonato Brasileiro de Poker por Equipes de 2019, em que chegaram ao top-7 do torneio.
No âmbito nacional, mulheres de outros estados conseguiram feitos inéditos. A mineira Gabriela Belisário, em 2008, se tornou a primeira jogadora a vencer um evento principal do Brazilian Series of Poker, realizado em Belo Horizonte. “Quando ganhei o BSOP, o pôquer não tinha tanta visibilidade. O público feminino era bem pequeno, quando muito, encontrávamos mais duas mulheres em um salão do evento”, conta, ao O POVO.
A façanha dela abriu portas e inspirou outras jogadoras a entrarem no mundo competitivo do pôquer. Para Gabriela, a implementação da categoria Ladies Only foi importante para demonstrar apoio ao cenário feminino. “Conversando com algumas mulheres, entendi que elas se sentiam mais à vontade nesses eventos exclusivos. Eles funcionam como uma porta de entrada para os eventos mistos”, explica.
Em um ambiente onde a presença masculina prevalece e o preconceito ainda existe, o grande desafio para Gabriela é mostrar que as mulheres podem disputar em igualdade. “Muitos ainda nos subestimam, mas confesso que estrategicamente isso pode ser explorado durante o evento, transformando esse certo preconceito em benefício”.
As conquistas se expandiram, chegando a nível internacional. O primeiro grande resultado aconteceu em 2015, com a paulista Renata Teixeira. A jogadora ficou na segunda colocação do evento principal do Latin American Poker Tour, ganhando premiação de US$ 113.460 (em câmbio de hoje, equivalente a R$ 572 mil). Foi o melhor desempenho de uma jogadora feminina no circuito.
As boas performances também chegaram ao World Series of Poker. Em 2019, Vivian Saliba, em disputa com outros 10.185 competidores, chegou às finais da categoria Crazy Eights, terminando na quarta colocação e faturando US$ 308.888,00 (equivalente a atuais R$ 1,5 milhão), maior premiação de uma brasileira em torneios presenciais.
Alguns brasileiros já fizeram história no Campeonato Mundial de Poker, como os já citados Bruno Foster e Vivian Saliba. Mas as conquistas vão além. Em 2020, devido à pandemia do coronavírus, a competição aconteceu de forma on-line pela primeira vez, e o desempenho dos brasileiros chamou a atenção.
Foram quatro títulos conquistados: Yuri Martins, Luís Eduardo, Marcelo Pudla e Leonardo Mattos, colocando o Brasil atrás apenas de Estados Unidos e Canadá na quantidade de braceletes de ouro vencidos, o troféu do torneio.
A maior competição do mundo do pôquer, como é reconhecida, acontece anualmente em Las Vegas e reúne diversos jogadores de todos os países. O campeonato, no entanto, possui uma variedade extensa de categorias, com premiações, hierarquias e quantidade de jogadores diferentes.
O WSOP engloba mais de 60 torneios que são disputados entre maio e julho. Para participar, é necessário comprar a entrada. Os preços variam de acordo com a relevância. Existem categorias que custam US$ 500 (cerca de R$ 2.500) e outros que chegam à US$ 10.000 (mais de R$ 50 mil), como os Championships.
Os Championships são, de fato, o campeonato mundial. Cada modalidade do pôquer possui um torneio deste nível. Existem diversas variações no esporte, como a Omaha, Razz, Courchevel entre outras, cada um com suas regras e peculiaridades. Devido ao preço elevado para participar, esses campeonatos reúnem os melhores jogadores do mundo.
Entre todos os Championships, o modo de jogo mais popular e cobiçado é o do Texas Hold’Em, considerado o evento principal do World Series of Poker, que chega a reunir mais de 6 mil jogadores, recompensando o campeão com US$ 10 milhões (mais de R$ 50 milhões, em câmbio atual).
Para este ano, a ideia da organização é realizar o torneio de forma presencial no Rio All-Suite Hotel & Casino, em Vegas. O campeonato está previsto para acontecer entre os dias 30 de setembro e 23 de novembro. (Mateus Moura, Especial para O POVO)