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Polêmica e esperança sobre o futuro do tratamento de Alzheimer
Reportagem Especial

Polêmica e esperança sobre o futuro do tratamento de Alzheimer

Medicamento é capaz de atacar provável causa da doença e, possivelmente, desacelerar seu avanço. O aducanumabe é o primeiro a combater o declínio cognitivo. Mas o custo é hoje superior a R$ 200 mil reais por ano. E cientistas estão divididos quanto aos resultados

Polêmica e esperança sobre o futuro do tratamento de Alzheimer

Medicamento é capaz de atacar provável causa da doença e, possivelmente, desacelerar seu avanço. O aducanumabe é o primeiro a combater o declínio cognitivo. Mas o custo é hoje superior a R$ 200 mil reais por ano. E cientistas estão divididos quanto aos resultados
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A aprovação nos Estados Unidos do medicamento Aduhelm, ou aducanumabe, fabricado pela Biogen Inc., para tratar pacientes com Alzheimer pode afetar o futuro da pesquisa e do tratamento da doença. É o primeiro novo fármaco contra a doença aprovado em quase duas décadas e o primeiro a combater o declínio cognitivo decorrente. A esperada decisão da Food and Drug Administration (FDA) é controversa. 

Nos meses que antecederam esse anúncio, o aducanumabe foi objeto de intenso debate entre pesquisadores, pacientes e defensores. A Biogen sustenta que, ao desacelerar a doença, ele dá aos pacientes um tempo valioso para estar com suas famílias e viver suas rotinas. Mas, os críticos argumentam que os dados sobre sua eficácia são fracos, inconsistentes. Um painel de especialistas independentes considerou, em novembro, que as evidências do benefício do aducanumabe eram insuficientes. Para eles, a aprovação do FDA é uma redução perigosa dos seus padrões habituais de exigência. "Há uma necessidade médica enorme não atendida" de novos tratamentos, disse Billy Dunn, diretor de avaliação de produtos de neurologia do FDA, na reunião técnica em novembro.

 

"Aduhelm é o primeiro tratamento que visa a fisiopatologia subjacente do mal de Alzheimer, a presença de placas de beta amiloide no cérebro." Patricia Cavazzoni, da Food and Drug Administration (FDA)

 

Na prática, a FDA está orientando a Biogen a conduzir um estudo pós-aprovação para confirmar que o medicamento de fato funciona. O aducanumab visa a remover os depósitos pegajosos de uma proteína chamada beta amiloide dos cérebros de pacientes em estágios iniciais de Alzheimer para evitar a devastação da perda de memória.

"Aduhelm é o primeiro tratamento que visa a fisiopatologia subjacente do mal de Alzheimer, a presença de placas de beta amiloide no cérebro", disse Patrizia Cavazzoni, da FDA.

Com este parecer, o medicamento caminha agora para um processo de "Aprovação Rápida" da FDA, que a autoridade reguladora dos Estados Unidos usa quando acredita que uma droga pode fornecer benefícios significativos em relação aos tratamentos existentes, mas ainda há alguma incerteza.

"Como costuma acontecer quando se trata de interpretar dados científicos, a comunidade de especialistas ofereceu perspectivas diferentes", disse Cavazzoni em um comunicado reconhecendo a polêmica.

 

"Isso não é uma cura. A esperança é que ela possa desacelerar o progresso da doença." Ronald Petersen, médico especialista em Alzheimer

 

"É uma boa notícia para os pacientes com a doença de Alzheimer. Jamais tivemos uma terapia modificativa da doença aprovada", comemorou o médico Ronald Petersen, especialista em Alzheimer da Mayo Clinic, nos Estados Unidos. O medicamento será comercializado com o nome Aduhelm.

"Isso não é uma cura. A esperança é que ela possa desacelerar o progresso da doença”, alertou. "Este é um grande dia, mas não podemos prometer demais."

ilustração Alzheimer(Foto: Getty Images/iStockphoto)
Foto: Getty Images/iStockphoto ilustração Alzheimer

 

 

Testes e efeitos

O Aduhelm, um anticorpo monoclonal também conhecido por seu nome genérico aducanumab, foi testado em dois ensaios em humanos em estágio avançado da doença, conhecidos como ensaios de fase 3. Ele demonstrou uma redução no declínio cognitivo em um, mas não no outro.

Mas em todos os estudos, demonstrou de forma convincente uma redução no acúmulo de uma proteína chamada beta amiloide no tecido cerebral dos pacientes com Alzheimer.

Uma teoria afirma que a doença de Alzheimer é causada por um acúmulo excessivo dessas proteínas no cérebro de algumas pessoas à medida que envelhecem e seu sistema imunológico se deteriora.

Portanto, fornecer anticorpos a esses pacientes pode ser um meio de restaurar parte de sua capacidade de eliminar o acúmulo de placa.

"Sentimos um grande propósito e responsabilidade para tornar a esperança da aprovação do Aduhelm pelo FDA em realidade para as pessoas que vivem com o mal de Alzheimer e suas famílias", afirmou Alisha Alaimo, presidente da farmacêutica Biogen US em um comunicado.

Ele acrescentou que a empresa estava comprometida na "equidade na saúde" e em ajudar os pacientes de baixa renda a ter acesso ao tratamento, administrado uma vez por mês.

O custo anual do tratamento seria de 56.000 dólares (mais de R$ 282 mil no câmbio atual), mas para os pacientes americanos dependeria de seu seguro médico.

 

 

Reação mista dos especialistas

 

"Em nome dos afetados pelo Alzheimer e todos os demais tipos de demência, comemoramos a histórica decisão de hoje", tuitou a Alzheimer's Association, organização americana sem fins lucrativos, no dia do anúncio.

Os cientistas tiveram reações mistas, esperando que a aprovação sirva para impulsionar o desenvolvimento de melhores medicamentos no futuro.

"Embora me agrade que o aducanumab tenha sido aprovado, temos que ter claro que, na melhor das hipóteses, trata-se de um fármaco com um benefício marginal que só ajudará pacientes selecionados cuidadosamente", disse John Hardy, professor de neurociência no University College de Londres. "Precisamos de remédios amiloides melhores no futuro", acrescentou.

O último medicamento para o mal de Alzheimer foi aprovado em 2003 e todos os anteriores se concentraram nos sintomas associados à doença, não em sua causa subjacente.

Cientistas buscam chave para conter a perda de memória no Alzheimer(Foto: Tumisu/Pixabay)
Foto: Tumisu/Pixabay Cientistas buscam chave para conter a perda de memória no Alzheimer


 

 

É possível interromper a perda de memória?

 

O princípio ativo do aducanumab demonstrou ser capaz de remover eficazmente do cérebro as placas prejudiciais chamadas beta-amiloides (também conhecidas como A-beta). Mas uma pergunta permanece: seria isso suficiente para interromper o declínio da memória? Além disso, também há um problema: os pacientes precisariam tomar o medicamento muito antes de apresentarem os primeiros sintomas de demência.

Estudos em pessoas saudáveis

Os criadores do fármaco, Roger Nitsch e Christoph Hock, são da Universidade de Zurique, na Suíça. Inicialmente eles não analisaram pacientes com a doença de Alzheimer, mas idosos saudáveis e em boa forma. Os pesquisadores se concentraram na busca específica por células do sistema imunológico capazes de produzir anticorpos contra placas A-beta. E as encontraram. Por meio de trabalhos meticulosos, os cientistas decifraram os anticorpos e os recriaram em laboratório. Juntamente com a empresa americana Biogen, eles levaram então o princípio ativo para os testes clínicos.

Um efeito cascata

No ponto em que hoje se encontram as pesquisas em torno do Alzheimer, a grande maioria dos pesquisadores concorda que a doença progride de maneira extremamente lenta e em efeito cascata, no qual se sucedem vários processos de decomposição das células cerebrais. Central para isso é a formação das placas A-beta, seguida pela ativação da defesa imunológica celular e a formação posterior de outros depósitos, as chamadas placas tau. Estas surgem quando as proteínas tau estabilizadoras são liberadas do citoesqueleto das raízes nervosas e então depositadas entre os neurônios, onde se tornam então provavelmente tóxicas.

Nesse processo em cascata, os pesquisadores também veem o maior dos problemas: a perda de memória só pode ser interrompida de maneira sustentável se for combatida em um estágio inicial. Em entrevista à agência DW, o professor de neurodegeneração molecular Christian Haas, do Centro Alemão de Doenças Neurodegenerativas (DZNE) em Munique, comparou a progressão da doença com uma queda d'água: "Se quisermos interromper o fluxo a partir do topo, precisamos fazer isso diretamente com a amiloide. Se chegarmos tarde demais, teremos passado da amiloide, e a proteína tau talvez já consiga continuar a operar a cascata por conta própria." O sucesso do tratamento, portanto, depende de quão cedo os médicos detectam a doença e se eles conseguem intervir com o princípio ativo adequado.

O problema é que o Alzheimer não costuma ser diagnosticado num estágio inicial, evoluindo de forma silenciosa ao longo dos anos – e quando a perda de memória se torna evidente, já é tarde demais. O mesmo problema foi constatado também nos ensaios clínicos com aducanumab.

Quebra-cabeças
Foto: Sigmund/Unsplash
Quebra-cabeças

Os ensaios clínicos

Antes de entrar com um pedido de aprovação na FDA em 2019 e na EMA em 2020, a Biogen realizou três estudos clínicos, batizados de Prime, Emerge e Engage. A avaliação dos resultados dos estudos feita pelos pesquisadores mudou diversas vezes. Foi como uma montanha-russa.

No estudo Prime, em 2016, o aducanumab combateu com sucesso as placas A-beta em 166 pacientes com Alzheimer. As pesquisas que se seguiram, Emerge e Engage, tiveram um total de 3,2 mil participantes, mas acabaram levando a conclusões contraditórias. Em março de 2019, ambos os estudos foram interrompidos, pois os resultados provisórios não mostraram melhoras cognitivas nos voluntários. "E essa é a única coisa que realmente importa no final", diz Haas.

Mas, em outubro de 2019, os pesquisadores mudaram seu parecer: em pacientes do estudo Emerge pôde ser comprovado um efeito positivo no desempenho de memória. A Biogen solicitou então a aprovação da FDA. Pouco depois, no entanto, um painel independente de especialistas comissionado pela agência americana afirmou mais uma vez que o fármaco tinha pouco eficácia, contrariando, portanto, uma avaliação preliminar do órgão. A FDA então estendeu o processo de revisão do medicamento até junho de 2021.

Efeitos positivos ou colaterais

Aparentemente, as diferentes avaliações em torno da eficácia do aducanumab também estariam associadas à dosagem administrada entre os pacientes de cada estudo. De acordo com os médicos, o efeito mais forte foi observado entre aqueles que receberam doses particularmente altas. Neles, o declínio no desempenho cognitivo pareceu sofrer desaceleração.

No entanto, altas dosagens geram outro problema: sobretudo em pessoas com uma certa predisposição genética chamada APOE4, o aducanumab pode causar inchaço no cérebro. Pacientes que apresentaram tais alterações, contudo, foram imediatamente retirados do estudo. "Tais mudanças parecem estar regredindo", relata Haas. A condição é que sejam reconhecidas corretamente.

Curiosamente, são justamente os pacientes com essa predisposição genética que melhor respondem ao aducanumab. "Parece haver uma conexão. Só não está claro qual", diz Haas. Mas de maneira alguma isso deve ser motivo para descartar o medicamento, defende o pesquisador de Munique. "Afinal, o aducanumab é uma droga que consegue eliminar de forma quase completa do cérebro do paciente a patologia primordial."

Isso pôde ser comprovado de forma muito clara através de imagens. "Trata-se de uma história fantástica: quanto mais desse anticorpo se fornece, mais a patologia se decompõe." Agora, continua Haas, tais conexões precisam ser estudadas mais a fundo.

Quanto antes, melhor

Quando se trata de Alzheimer, o importante é interromper a cascata neurodegenerativa o mais cedo possível. "Em todos os ensaios clínicos chega-se tarde demais", avalia Haas. A doença começa geralmente de dez a 20 anos antes que algo seja detectado pelos médicos. "E se as proteínas tau já estiverem lá, uma terapia à base de amiloide não irá mais funcionar."

Mas até mesmo pequenos avanços no tratamento de Alzheimer já representam um grande sucesso. "Seria maravilhoso se pudéssemos estabilizar a condição de um paciente no estado mental com o qual ele entra em nossa clínica." No início do tratamento, muitos dos afetados ainda se locomovem de forma completamente independente. "Eles costumam vir de carro ou de transporte público", conta Haas. "Eles ainda são totalmente capazes de ter uma vida normal e de maneira independente."

No futuro, portanto, a ideia seria iniciar o tratamento medicamentoso quando a memória do paciente ainda estiver completamente normal. É por isso que os médicos agora estão canalizando seus esforços para identificar biomarcadores que possam ajudar na detecção precoce da doença. Mas até agora ainda não está claro se, no final, isso será suficiente para intervir a tempo com anticorpos A-beta, como o aducanumab.

 

 

Doenças da memória geram sofrimento aos pacientes e à família(Foto: Gerd Altmann/Pixabay)
Foto: Gerd Altmann/Pixabay Doenças da memória geram sofrimento aos pacientes e à família
O que muda com o novo tratamento

As autoridades dos Estados Unidos enviaram uma mensagem de incentivo à pesquisa, que não teve sucesso em 20 anos, ao aprovar um medicamento para Alzheimer esta semana. Mas a cura para esta doença parece estar longe.

 

 

 

As células que ativam o descarte de "lixo" no cérebro

 

Quando se trata de combater e eliminar as placas cerebrais, o descarte de lixo celular também desempenha um papel importante. Em pacientes com Alzheimer, tal processo começa bastante cedo – provavelmente como uma reação à formação das primeiras placas A-beta. Por um lado, essa defesa imunológica é considerada parte do problema, mas os pesquisadores também querem usá-la no combate ao Alzheimer.

As micróglias, responsáveis por tal limpeza, são únicas: essas células do sistema imunológico servem, por um lado, como fagócitos e, ao mesmo tempo, como células precursoras das células nervosas. Se forem superestimuladas, elas podem desencadear reações inflamatórias perigosas – reações autoimunes – algo que pode ser detectado em pacientes em estágio avançado de Alzheimer. Por outro lado, também pode acontecer que as micróglias permaneçam inativas, embora sejam urgentemente necessárias para prevenir a formação de placas.

Atualmente, Haas está trabalhando com a empresa americana Denali no desenvolvimento de um anticorpo correspondente a ser utilizado em testes clínicos iniciais em humanos. A ideia é que as células microgliais sejam treinadas a tempo de reconhecer e combater tais placas. Elas também poderiam então ser usadas em conjunto com o novo medicamento.

Funcionaria da seguinte forma: "O aducanumab se deposita nas placas. As placas são então mais facilmente reconhecidas pelas células microgliais estimuladas pelos anticorpos e passam assim a ser fagocitadas logo no início. Mas tudo isso ainda precisa ser testado", diz o pesquisador.

 

 

A longa luta para conter o Alzheimer

 

Desde sua descoberta, em 1906, a doença de Alzheimer é um desafio. O anúncio na semana passada de que a Food And Drug Administration (FDA), agência dos Estados Unidos que regula o uso de medicamentos, aprovou uma nova medicação para a doença trouxe à tona o esforço de pesquisadores, ao longo de mais de um século, para tentar atacar o quadro pela raiz e as tecnologias para fazer o diagnóstico precoce.

O exame PET-CT (da sigla em inglês Tomografia por Emissão de Pósitrons), utilizado em pacientes com câncer, está começando a ser usado no País, mas em um número restrito de pessoas e ainda não é um procedimento gratuito, tendo em vista o alto custo por causa dos insumos importados. A proposta é encontrar a proteína beta-amiloide no cérebro, cuja deposição no órgão comprova a presença da doença.

No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), estima-se que há 1,4 milhão de pessoas com a doença e que 55 mil novos casos ocorrem por ano. "A doença é caracterizada por alguns achados e um deles são placas senis no interior do cérebro, constituídas por proteínas anômalas. Quando existe um depósito em excesso no cérebro, é um dos constituintes associados para a demência de Alzheimer", explica Carlos Alberto Buchpiguel, professor titular do Departamento de Radiologia e Oncologia e Diretor da Divisão de Medicina Nuclear e Imagem Molecular do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad-HCFMUSP).

Doenças que afetam a memória têm avanço no Brasil(Foto: Gordon Johnson/Pixabay)
Foto: Gordon Johnson/Pixabay Doenças que afetam a memória têm avanço no Brasil

O InRad realiza o exame que é capaz de evitar procedimentos invasivos, como a coleta do liquor (por meio de punção lombar). "Sem muita agressão, detecta se o paciente expressa a proteína em grande quantidade no cérebro. Se for negativo, afasta totalmente o diagnóstico."

O composto que aponta o acúmulo da proteína foi desenvolvido no instituto com base em um marcador usado pela Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. "A gente ainda tem uma avenida a percorrer para mostrar com muita transparência que está conseguindo reverter ou curá-la (a doença), mas temos de usar todos os recursos para detecção precoce para reverter a história progressiva da doença e para ver se conquistamos o controle do Alzheimer", diz Buchpiguel.

A expectativa, segundo ele, é de que a técnica, que já é utilizada nos Estados Unidos, no Japão, na China e em países da Europa, se torne mais acessível no futuro. Mesmo assim, a indicação deve ser após triagem de especialistas, como neurologistas, geriatras e psiquiatras. Em fevereiro deste ano, um estudo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou a eficácia da combinação de um algoritmo computacional com a eletrencefalografia, exame de baixo custo, para o diagnóstico da doença. O achado foi publicado na revista científica Plos One.

Outra expectativa é de que exames de sangue sejam capazes de auxiliar no diagnóstico. No ano passado, um estudo liderado pela Universidade de Lund, na Suécia, observou a proteína P-tau-27, presente no sistema nervoso central e no sistema nervoso periférico, e constatou que os níveis aumentam nas fases iniciais da doença. Os pesquisadores estimam que seria possível detectar mudanças no cérebro até 20 anos antes do aparecimento dos sintomas.

Tratamento

Geriatra e diretora científica da ABRAz, Carla Núbia Borges diz que, ao longo da história, pesquisadores buscaram meios de frear o avanço da doença. No entanto, as medicações desenvolvidas atuavam apenas nos sintomas da doença já instalada, incluindo registros de desorientação, falhas de memória, alterações comportamentais, cognitivas e de linguagem, irritabilidade, depressão e perda da autonomia. "Depois do descobrimento, tivemos um gap em pesquisas e medicamentos. A primeira foi a tacrina e isso tem quase 30 anos; porém, tem muitos efeitos colaterais. Surgiram outros medicamentos, mas que têm a função de atuar nos sintomas."

A medicação aducanumabe, fabricada pela Biogen Inc, que teve aprovação acelerada pela FDA, ainda não tem previsão de chegar ao Brasil, segundo a empresa. Mas foi submetida à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em fevereiro deste ano. Christiane Machado, geriatra e diretora científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), diz que a questão ainda é muito polêmica, pois a droga foi liberada ainda precisando entregar um estudo que comprove eficácia.

"Isso diante de uma doença que não tem controle e progride. Quem concordar vai assumir os riscos. É um dilema ético e ainda vai ter muita discussão. A gente está no caminho do mecanismo de ação da doença, mas é preciso muita cautela." Segundo Christiane, este tratamento ainda está "muito longe da nossa realidade" no Brasil. Gerente geral da Biogen Brasil, Tatiana Marante afirma que a aprovação no País ainda pode abrir caminho para avanços no tratamento da doença. "Acreditamos que a aprovação do aducanumabe será um catalisador para os novos progressos científicos, críticos no enfrentamento da complexa doença de Alzheimer. Foi exatamente assim que o HIV/aids e muitas formas de câncer foram alteradas de doenças intratáveis para condições com opções terapêuticas viáveis."

 

 

Brasileiros com demência devem quadruplicar em 30 anos

 

Cerca de 1 milhão de brasileiros sofrem de demência atualmente – a maioria deles têm a doença de Alzheimer. Há 30 anos, eram 500 mil. Daqui a 30 anos, serão 4 milhões. Esta é a principal conclusão de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pela Universidade de Queensland, da Austrália.

O trabalho foi publicado no dia 14 de abril na Revista Brasileira de Epidemiologia. De acordo com os cientistas, os dados são preocupantes mesmo considerando o envelhecimento da população e a melhoria dos diagnósticos. A projeção realizada indica que, se hoje um quarto dos idosos com mais de 80 anos têm algum tipo de demência, daqui a três décadas metade dessa parcela da população terá desenvolvido a doença.

"É a primeira vez que fornecemos uma descrição abrangente de pacientes com doença de Alzheimer no Brasil. Mesmo considerando que em todos os países as pessoas vivam o mesmo, ou seja, tirando o 'efeito da idade' [sobre a incidência da doença] apesar de estarmos passando por uma transformação demográfica importante, o Brasil tem a segunda maior prevalência do planeta [por 100 mil habitantes, perdendo apenas para a Turquia, e seguido por Nigéria e Gana]", explica um dos autores do estudo, Natan Feter, pesquisador do Centro de Pesquisas em Exercícios, Atividade Física e Saúde da Universidade de Queensland e da UFPel.

Isso indica um "descontrole dos principais fatores de risco modificáveis para demência", ou seja, de tudo o que não depende da predisposição genética, da melhor expectativa de vida e do aprimoramento dos diagnósticos, aponta o pesquisador. "O Brasil está num caminho contrário ao de países como Inglaterra e Estados Unidos, onde estamos observando um melhor controle desses fatores", comenta Feter.

Fatores de risco

Os cientistas estão convencidos de que hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes, sedentarismo e obesidade favorecem o aparecimento de doenças como Alzheimer. Dados mais recentes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicada em outubro do ano passado, 22,8% dos homens adultos e 30,2% das mulheres adultas sofrem de obesidade, ou seja, têm índice de massa corporal maior do que 30. Isso é mais do que o dobro do que o apontado pelo IBGE entre os anos de 2002 e 2003, quando eram obesos 9,6% dos brasileiros e 14,5% das brasileiras.

De acordo com o estudo publicado em abril, 75% das hospitalizações decorrentes de demência no Brasil são atribuídas à inatividade física. Por outro lado, também é importante manter a cabeça ativa.

 

 

Hábitos de leitura diminuem as chances de demência

A pesquisa constatou também que aposentados com baixa escolaridade têm mais chances de desenvolver Alzheimer do que os que se mantêm economicamente ativos e os que estudaram mais. "É claro que o envelhecimento tem um papel muito importante [no desenvolvimento de demência], mas com certeza não é a única razão", frisa Feter. "Aproximadamente metade dos casos [de demência] são atribuíveis a fatores modificáveis, como hipertensão, obesidade, diabetes e baixa escolaridade."

Outros problemas de saúde como consequência

Segundo o estudo, os respondentes com Alzheimer relataram mais consultas médicas, quedas, e maior frequência e duração de hospitalizações quando comparado a participantes sem a doença, o que pode estar relacionado à pior saúde física e mental observada nessa população.

Os pesquisadores observaram ainda que dois a cada três idosos com Alzheimer no Brasil apresentam depressão ou relatam tristeza "na maior parte do tempo". "As análise ajustadas revelaram que os pacientes com DA [doença de Alzheimer] tinham maior probabilidade de serem diagnosticados com diabetes, doença de Parkinson, e acidente vascular cerebral, em comparação com adultos mais velhos sem diagnóstico de DA", diz o artigo.

Quebra-cabeças
Foto: Mel Poole/Unsplash
Quebra-cabeças

Conscientização e prevenção

Um recente levantamento realizado pela organização britânica Alzheimer's Disease International apontou que dois terços das pessoas acreditam que a demência é parte normal do envelhecimento. A mesma sondagem indicou que 25% da população entende que não há nenhuma maneira de prevenir o aparecimento de doenças como Alzheimer. Feter acredita que a conscientização da população é a melhor maneira de reverter – ou pelo menos diminuir – a gravidade desse cenário.

"Grande parcela da população acredita que não pode fazer nada em relação à demência, que ela é inevitável e tratada como ‘normal' em decorrência do envelhecimento", pontua ele. "Contudo, atividade física, ao longo da vida, é importante pare reduzir o risco de diversas doenças."

O especialista se preocupa com a falta de prevenção no Brasil. "Temos um quadro preocupante: a prevalência [de casos de demência no Brasil] tende a quadruplicar nos próximos 30 anos, e o controle dos fatores de risco não está sendo suficiente", alerta.

Os pesquisadores defendem que campanhas públicas foquem na importância de hábitos saudáveis, em todas as fases da vida. E que gestores e outras autoridades também preparem as instituições de saúde e serviço social para atender às demandas dessa população, que deve aumentar proporcionalmente.

As informações divulgadas sobre Alzheimer oficialmente pelo site do Ministério da Saúde mencionam como fatores de risco para o desenvolvimento da doença a idade, o histórico familiar e o baixo nível de escolaridade. Para prevenção, a pasta recomenda "estudar, ler, pensar, manter a mente sempre ativa", "fazer exercícios de aritmética", "jogos inteligentes", "atividades em grupo", "não fumar", "não consumir bebida alcoólica", "ter alimentação saudável e regrada" e "fazer prática de atividades físicas regulares".

Vale ressaltar que Alzheimer é o tipo mais comum de demência do mundo — responde por 70% dos casos. Mas há outras doenças, como a demência frontotemporal e a vascular. Cada qual tem suas particularidades, com diferentes características clínicas e progressões. "A generalização, sob o mesmo termo ‘guarda-chuva', é preocupante porque acarreta descuidos quanto ao tratamento e a origem. O diagnóstico correto e acurado é importante", alerta Feter. (Das Agências Estado, AFP e DW)


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