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Os caminhos que levaram Aretha Duarte ao topo do mundo
Reportagem Especial

Os caminhos que levaram Aretha Duarte ao topo do mundo

Montanhista apresenta os detalhes de sua expedição ao cume do Everest e sobre seus projetos como ativista socioambiental

Os caminhos que levaram Aretha Duarte ao topo do mundo

Montanhista apresenta os detalhes de sua expedição ao cume do Everest e sobre seus projetos como ativista socioambiental
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Após vencer 8.848 metros na vertical e superar 15.197 quilômetros de um trajeto em uma linha horizontal, a montanhista Aretha Duarte tornou-se a primeira mulher negra latino-americana a chegar ao cume do Everest no mês passado. Aos 37 anos, a atleta é a sexta brasileira a vencer o desafio de escalar o monte mais alto do mundo. Até 2020, apenas 25 montanhistas do Brasil haviam conseguido chegar ao topo da montanha. Até 2021, eram cinco mulheres.

O QUE ARETHA CONTOU ANTES DO DESAFIO DO EVEREST:

A experiência foi tão marcante que Aretha já declara que passará a atuar também em outras atividades. "O Everest é uma vivência rara e eu voltei mais forte e determinada a trabalhar por mudanças sociais, por um futuro melhor. Também voltei diferente no sentido de refletir quantas coisas eu ainda posso melhorar pessoalmente."

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Nascida e criada na periferia de Campinas, Sâo Paulo, Aretha é formada em educação física e acumula uma década no montanhismo. Já praticou o esporte em sete países, escalando o Aconcágua, na Argentina (cinco vezes), o ponto mais alto fora do Himalaia, e o Monte Kilimanjaro, maior montanha da África, além Elbrus (Rússia), Monte Roraima (Venezuela), Pequeno Alpamayo (Bolívia) e Vulcões (Equador).

Aretha Duarte, primeira mulher negra latino-americana a chegar ao cume do Everest(Foto: Gabriel Tarso/ Divulgação)
Foto: Gabriel Tarso/ Divulgação Aretha Duarte, primeira mulher negra latino-americana a chegar ao cume do Everest

O POVO - Como nasceu sua relação com o montanhismo?

Aretha Duarte - Conheci o montanhismo na faculdade, aos 20 anos, quando um professor da PUC de Campinas quis apresentar esportes outdoor para os alunos do curso de educação física. Ele nos levou até a Grade6, operadora de montanhismo. Lá, entendemos mais como funciona o esporte. Fiquei extremamente apaixonada, pensando: "Como nunca tinha ouvido falar neste tipo de esporte antes?" Fiquei entusiasmada e tentei me aproximar da empresa, fazendo cursos de escalada em rocha. Depois, trabalhei de modo eventual em eventos corporativos, para, em 2011, ser efetivada.

Depois que fui efetivada na Grade6, comecei a praticar escalada, trekking e expedições regularmente. Em janeiro de 2012, fui pela primeira vez ao Aconcágua. Desde então, ao menos uma vez por ano, realizo expedições no pico mais alto das Américas, na Argentina. Estive cinco vezes lá, quatro delas atingindo o cume de 6.962 metros.

OP - A experiência com o esporte a levou a traçar paralelismos com outros aspectos da vida?

Aretha - A montanha sempre ensina e é preciso observar e experimentar o montanhismo para aprender. O desafio de uma montanha ensina a pessoa a ser perseverante, resiliente, disciplinada e ter garra. Ensina a planejar objetivos, traçar metas e trabalhar para realizar. Mostra que é possível sonhar, acreditar e concretizar.

OP - A sua mensagem: "E se elas conseguirem pensar, imaginar e sonhar, terão a condição de realizar. É isso que eu acredito" é a prova de ideias e crenças que o montanhismo lhe trouxe?

Aretha - Sim, como disse, o montanhismo ensina, sempre.

OP - Quais foram os desafios de entrar para o esporte? A condição de mulher, negra e latina tornou a ida até o Everest mais desafiadora que para outros esportistas?

Aretha - Eu tenho dez anos de experiência como montanhista e nunca sofri discriminação. Contudo, quando olho ao redor, percebo que esses são ambientes frequentados por poucas mulheres e quase nenhum negro. Isso é a prova que temos um problema estrutural e que ele precisa ser corrigido.

"O que posso garantir é que voltei transformada, sempre para melhor, nem que seja um pouquinho, de cada montanha que escalei." Aretha Duarte, montanhista

OP - Que experiências anteriores a do Everest a deixaram mais preparada para o este último cume?

Aretha - Já pratiquei montanhismo em sete países. Antes de chegar ao cume do Everest, escalei o Aconcágua, na Argentina (cinco vezes), o ponto mais alto fora do Himalaia, e o Monte Kilimanjaro, maior montanha da África, além do Elbrus (Rússia), MonteRoraima (Venezuela), Pequeno Alpamayo (Bolívia), Vulcões (Equador), entre outros. Trabalho como guia de montanha na Grade6 e mantenho a forma física treinando no ginásio de escalada PowerBloc, em Campinas.

Cada experiência é única e toda montanha tem sua história. Posso dizer que gostei de todas, cada uma com seu grau de dificuldade. O que posso garantir é que voltei transformada, sempre para melhor, nem que seja um pouquinho, de cada montanha que escalei.

Aretha Duarte, primeira mulher negra latino-americana a chegar ao cume do Everest(Foto: Gabriel Tarso/ Divulgação)
Foto: Gabriel Tarso/ Divulgação Aretha Duarte, primeira mulher negra latino-americana a chegar ao cume do Everest

OP - Em que o Everest se diferencia em experiência nesse esporte?

Aretha - O Everest é um desafio grande, a começar pelo tempo de expedição. São 60 dias. Tem o fator altitude, afinal, é a mais alta montanha do planeta. E tem a parte técnica, embora eu possa afirmar que, tecnicamente, a dificuldade não é absurda. É uma montanha extremamente especial, no sentido de ter facilitadores, como a fixação de cordas ao longo de toda a montanha. Isso facilita demais a ascensão. Então, tecnicamente posso afirmar que não é o mais alto nível. No entanto, questões emocionais, físicas, relacionadas a estrutura, logística, lidar com outras pessoas, como os sherpas (locais do Nepal) ou os colegas de trabalho. Tem uma série de adversidades, especialmente para a mulher, com questões fisiológicas e bioquímicas envolvidas. Por isso minha satisfação era gigantesca ao entender o quão preparada eu estava e quão forte e resistente eu sou, para um desafio tão grande como esse. É claro que existem montanhas que, apesar de mais baixas, são mais desafiadoras que o Everest, tenho conhecimento disso, no entanto, conquistar o Everest, não é algo elementar e factível para todo mundo.

OP - Para o Everest, você anunciou que foram necessárias várias iniciativas próprias, como a organização de uma força-tarefa em reciclagem. Como foi viabilizar a Expedição Aretha no Everest?

Aretha - Eu retomei uma atividade que havia realizado esporadicamente quando queria comprar alguma coisa. A primeira delas foi um par de patins e eu tinha 12 anos. Para a Expedição Aretha no Everest, passei 12 meses e meio trabalhando com coleta seletiva, um processo que envolveu meus familiares e amigos. Depois, organizei bazares de roupas e móveis recebidos de doação, participei do quadro The Wall, do programa do Luciano Huck, e, na reta final, também consegui o apoio de patrocinadores. Com reciclagem, consegui reunir cerca de R$ 110 mil, o que deu cerca de 35% do valor do projeto.

OP - Em que aspectos a última trajetória no montanhismo mudou a Aretha?

Aretha - A experiência de montanha é sempre transformadora. Voltei mais consciente da necessidade de mudança e da minha posição como empreendedora socioambiental. Que esse meu passo gigante viabilize meu grande projeto, meu sonho, que é a transformação socioambiental. Ajudar a periferia a receber oportunidade, como a escalada, esportes ainda elitizados, cultura, artes, enfim, meu sonho grande é a possibilidade da educação, que oportunidades cheguem à periferia. Só assim vamos nivelar a sociedade por cima, equalizando todos os segmentos. Especificamente tenho o projeto de um centro de escalada na periferia de Campinas, onde moro.

Quem sabe a gente não dá sorte de encontrar (até) um talento que possa nos representar nas Olimpíadas? Porém, o mais importante é ajudar a dar uma vida digna e justa, para que as pessoas entendam a capacidade de se desenvolver. E um centro de escalada pode ajudar nesse processo, não só em Campinas. Espero que seja um projeto piloto que se espalhe pelo Brasil

 

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