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Casamentos em baixa: será que o amor acabou?
Reportagem Especial

Casamentos em baixa: será que o amor acabou?

Os casamentos vêm diminuindo em quantidade no Brasil. Em 2020, a queda foi a maior desde que os registros começaram a ser catalogados no Portal da Transparência. Mas o que a pandemia tem a ver com isso?

Casamentos em baixa: será que o amor acabou?

Os casamentos vêm diminuindo em quantidade no Brasil. Em 2020, a queda foi a maior desde que os registros começaram a ser catalogados no Portal da Transparência. Mas o que a pandemia tem a ver com isso?
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Desde 2018, o número de casamentos civis no Brasil vem caindo e o advento do novo coronavírus intensificou ainda mais essa realidade. Por outro lado, a pandemia foi um marco na vida de casais que resolveram viver sob o mesmo teto antes de assinar qualquer papel.

O caso de Ana Paula Oliveira, 29, e Pedro Gurgel, 27, retrata essa vivência. Com mais de seis anos de relacionamento, o desejo de casar sempre existiu: “Para nós, formalizar a relação é importante, mostra a nossa decisão de estar um com o outro e de crescer como casal”, contam. Ambos contraíram matrimônio em 2021 e tiveram na pandemia a chance de viver na mesma casa, o que confirmou o desejo mútuo de selar um acordo civil.

Ana Paula e Pedro.(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Ana Paula e Pedro.

“No período de isolamento social, começamos a morar juntos. Fiquei muito tempo na casa dele e ele muito tempo na minha casa. Isso impactou a nossa rotina e a de nossas mães, com quem vivíamos, o que adiantou a decisão de casar o quanto antes e de organizar a vida que já vínhamos levando”, destaca Ana Paula.

Segundo a cerimonialista Malu Cavalcanti, muitos casais têm feito um “test-drive” no período de pandemia. “Algumas pessoas, ao estarem juntas na mesma residência, perceberam situações que não lhes permitiriam sustentar um relacionamento a longo prazo e, então, rompiam namoros e noivados.”

Em contrapartida, a crise pandêmica foi “o pontapé inicial” para a realização do casório de várias pessoas que já se relacionavam há muitos anos. “Houve casais que, até o momento do casamento, aguardaram bastante tempo, cerca de dez anos para contrair matrimônio, e, por isso, decidiram não pospor o desejo de oficializar a relação”, comenta Malu.

Elisangela Vasconcelos, 40, e Wenston Vasconcelos, 45, por exemplo, já estavam juntos há dez anos quando resolveram desposar em meio à crise sanitária atual. “Decidimos casar na pandemia quando chegamos à conclusão de que essa situação não terminaria tão cedo. Já tínhamos planos para isso muito antes do vírus aparecer”, relatam.

No entanto, tiveram de atrasar a tão sonhada festa. Por causa da política de não aglomeração, a realização de cerimoniais pomposos e com inúmeros convidados foi dificultada. O mesmo aconteceu com Ana Paula e Pedro, que prorrogaram a celebração da união para o fim de 2021 com a esperança de que as condições sanitárias do País melhorem.

Larissa e Fernando em sua festa de casamento.(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Larissa e Fernando em sua festa de casamento.

Já Larissa Pinheiro, 21, e Fernando Pinheiro, 25, depois de sete anos de namoro, não deixaram a Covid-19 adiar o sonho de serem casados. Fizeram um chá de panela virtual e tiveram direito a uma festa de casamento surpresa organizada pela mãe da noiva. “Não íamos fazer festa por causa da pandemia, somente um jantar íntimo. Mas, fomos surpreendidos. Minha mãe preparou uma cerimônia com 15 convidados, marcando, assim, a nossa união religiosa”, declara Fernanda.

 

Mas o que explica a grande redução no número de casamentos em 2020?


De acordo com cerimonialistas ouvidos pelo O POVO, a maior parte das pessoas contraem matrimônio com pouco tempo de relacionamento. Segundo Thaís Sombra, profissional do ramo de eventos há 20 anos, 70% dos casais com quem trabalha namoram pouco tempo antes de casar. “Eu mesma casei com sete meses de namoro”, relata.

Já no caso de Ariany Costa, cerimonialista atuando há 21 anos no mercado, muitos dos casamentos realizados por ela são de pessoas que se relacionam desde quatro meses até dois anos antes da oficialização civil do compromisso matrimonial. Em geral, são jovens que estão se casando pela primeira vez que normalmente se conhecem na faculdade, em bares, em festas e shows.

Sem o contato presencial, as profissionais disseram que o aumento de casamentos de pessoas que buscaram nas redes sociais uma maneira de encontrar um par romântico. De acordo com Jacqueline Castilho, vários casais tiveram bastante tempo para conversar e se conhecer antes de se encontrarem presencialmente.

Assim, a vida não parou na pandemia! Ela somente aconteceu de forma diferente, menos tradicional. Pessoas se conheceram, apaixonaram-se e até casórios foram registrados. Mas, se a limitação do contato presencial não impediu casais de se reunirem, qual seria a outra razão que contribuiu para a diminuição de casamentos no papel em 2020?

Somente um fator não responde a essa pergunta. Além da latência da vida social, muitos casais somente se juntaram; outros, sem aguentar a pressão do “novo normal”, terminaram relacionamentos. “Durante estes meses de pandemia, tive a notícia de que vários casais romperam noivados”, acrescentou Thaís Sombra.

Para completar, o grande número de mortes e os períodos de isolamento social rígido alteraram o funcionamento de vários cartórios em todo o País. Alguns cerraram as portas durante meses e outros funcionavam com o único propósito de registrar óbitos.

Na pandemia, muitos casais romperam noivado.(Foto: Ricardo Rojas)
Foto: Ricardo Rojas Na pandemia, muitos casais romperam noivado.

“Pouco tempo antes de casarmos no civil, ficamos bem apreensivos. Com o lockdown no Ceará, os cartórios não estavam prestando esse serviço. Este ano, passaram mais de um mês sem realizar casamentos no Ceará”, afirmam Larissa e Daniel.

Via de regra, segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen BR), os cartórios permaneceram em pleno funcionamento na pandemia. No entanto, alguns tiveram de adaptar suas atividades em face do que ocorria em um determinado local. Em Manaus, por exemplo, no auge da crise sanitária - época da falta de oxigênio -, o Tribunal de Justiça do Amazonas proibiu a contração de matrimônios por um mês na cidade.

 

 

Curiosamente, contrariando a tendência de queda de casamentos que se registra no Brasil desde 2019 e agravada na pandemia, o Amazonas apresentou um aumento de 21% no número de casais que assinaram o papel em 2020 em relação ao ano anterior.

“O que pode ter ocorrido em todo o País é que, pela necessidade de inclusão no plano de saúde, aquisição de bens em caso de falecimento de uma das partes, muitos casais assinaram um acordo de união estável ou de casamento com efeito civil para assegurar direitos e deveres”, diz Malu Cavalcanti.

Desde 2019, os registros oficiais de casamentos e uniões estáveis têm caído.(Foto: Heiner/Pexels)
Foto: Heiner/Pexels Desde 2019, os registros oficiais de casamentos e uniões estáveis têm caído.

No Ceará, por exemplo, durante os períodos de isolamento social rígido, há registro de cartórios que passaram um mês fechados ou que suspenderam o registro de casamentos. Além disso, houve atrasos na realização de muitas cerimônias devido à política de não aglomeração.

“O que provavelmente ocorreu em cartórios do Brasil durante a crise atual, é o remanejamento de datas. Isto é, havia 30 casamentos para ocorrer em um dia que tiveram de ser remarcados ao longo das próximas semanas para evitar o ajuntamento de pessoas em espaços fechados”, afirmou a assessoria da Arpen BR.

 

"Amar significa abrir a porta para esse destino, a mais sublime das condições humanas onde o medo se funde com o gozo em uma liga indissociável, cujos elementos já não podem ser separados." Zygmunt Bauman


E ainda que não se saiba ao certo o que causou a queda brusca de casamentos durante a crise do coronavírus, o matrimônio segue sendo a opção de vários brasileiros que não escolhem viver relacionamentos líquidos. Cunhado pelo pensador polonês Zygmunt Bauman, o termo alude à noção de que, na modernidade, “a mudança é a única coisa permanente e a incerteza a única certeza.”

Mesmo assim, na contemporaneidade, em que nada é feito para durar, vê-se o desejo de seres humanos que em meio a momentos tão desafiadores não deixam escorrer pelas mãos a alegria de amar ao outro. Com todas as barreiras impostas pela pandemia, os obstáculos foram contornados pelos casais que realmente queriam e podiam estar juntos.

O amor não precisa ser líquido, somente o medo de amar.

 

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