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Covid-19 e diabetes tipo 1: quando a comorbidade é em uma criança
Reportagem Especial

Covid-19 e diabetes tipo 1: quando a comorbidade é em uma criança

Adultos com diabetes foram incluídos nos grupos prioritários para imunização, mas ainda não há posicionamento sobre isso em relação aos adolescentes. No Ceará, expectativa é que faixa etária de 12 a 17 anos seja vacinada contra a Covid-19 após finalização do processo dos adultos cadastrados

Covid-19 e diabetes tipo 1: quando a comorbidade é em uma criança

Adultos com diabetes foram incluídos nos grupos prioritários para imunização, mas ainda não há posicionamento sobre isso em relação aos adolescentes. No Ceará, expectativa é que faixa etária de 12 a 17 anos seja vacinada contra a Covid-19 após finalização do processo dos adultos cadastrados
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A diabetes é considerada uma comorbidade com prioridade para a vacinação contra a Covid-19. Os adultos que convivem coma doença foram incluídos no Plano Nacional de Vacinação, mas ainda não existe previsão para vacinação de crianças e adolescentes com diabetes tipo 1 (DM1) — uma doença autoimune que surge na infância e juventude (veja quadro).

Após a aprovação da vacina da Pfizer para maiores de 12 anos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Estado do Ceará começou em junho a cadastrar jovens de 12 a 18 anos no sistema. Este público deve começar a ser imunizado na Capital após vacinação dos adultos. Enquanto isso, doença provocada pelo coronavírus continuar a afligir famílias de crianças e adolescentes com DM1 e preocupar especialistas.

“Todas as estatísticas levam a acreditar que o diabético tipo 1 deva ser vacinado precocemente, nesta fase de 12 anos”, defende o diretor-presidente do Instituto da Criança com Diabetes do Rio Grande do Sul (ICD), Balduino Tschiedel. O ICD é um Centro de Excelência certificado pela International Diabetes Federation que oferece atenção exclusiva para crianças com diabetes.

 

"Todas as estatísticas levam a acreditar que o diabético tipo 1 deva ser vacinado precocemente, nesta fase de 12 anos" Balduino Tschiedel, diretor-presidente do Instituto da Criança com Diabetes do Rio Grande do Sul

 

Conforme o endocrinologista, no último congresso do American Diabetes Association, que ocorreu entre os dias 25 a 29 de junho, foram apresentados diversos estudos que reforçam a necessidade de priorização de adolescentes com DM1 para a vacinação contra a Covid-19.

Um desses estudos demonstrou que 86% das pessoas com DM1 internadas com Covid-19 nos Estados Unidos apresentavam taxa de hemoglobina glicada (exame que mede o nível médio de glicose no sangue nos últimos meses) maior que 9%. Pacientes com diabetes controlada devem apresentar resultado de 6,5%. “O dado revela que o mau controle é preponderante para a internação por covid”.

Diabéticos com mau controle, de forma geral, tendem a agravar mais. Um outro estudo apresentado no Congresso revelou que entre os pacientes internados por Covid-19 não severa, apenas 7% apresentavam diabetes. Entre os pacientes graves, 20% eram diabéticos, o que confirma a relevância da diabetes não controlada como comorbidade importante para o agravamento da doença.

 

 

Vacinação de crianças e adolescentes

João Luís Holanda Gadelha, 14, tem diabetes tipo 1. Família dele aguarda ansiosa vacinação dos adolescentes para que ele possa retomar prática de esportes em grupo, importante para o controle da doença(Foto: ARQUIVO PESSOAL)
Foto: ARQUIVO PESSOAL João Luís Holanda Gadelha, 14, tem diabetes tipo 1. Família dele aguarda ansiosa vacinação dos adolescentes para que ele possa retomar prática de esportes em grupo, importante para o controle da doença

No Ceará, 344.614 mil pessoas, entre 12 e 17 anos, estão cadastradas no Saúde Digital, plataforma de cadastro estadual único para vacinação contra a Covid-19. No dia 29 de julho, o Governo Federal informou, por meio da alteração da Lei nº 14.124, de 10 de março de 2021, a inclusão como grupo prioritário no Plano Nacional de Operacionalização (PNI) da Vacinação contra a Covid-19 de crianças e adolescentes com deficiência permanente, comorbidade ou privados de liberdade. Há quase um mês da inclusão dos mais jovens no grupo prioritário do PNI, poucas cidades brasileiras iniciaram a aplicação da primeira dose nesse público, como Manaus (AM), São Luís (MA), Macapá (AP), Boa Vista (RR), Campo Grande (MS), Poá (SP), Ribeirão Pires (SP) e Rio Grande da Serra (SP).

Por ligação, a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) informou ao O POVO que a vacinação contra a Covid-19 de crianças e adolescentes de 12 a 17 anos começará após a vacinação dos adultos de 18 anos. A pasta destacou que aguarda orientação do Ministério da Saúde e da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) para iniciar a imunização dessa categoria, bem como saber se a vacinação contra a doença será iniciada nos adolescentes que possuem comorbidade ou se ocorrerá por ordem decrescente de idade.

Procurada pelo O POVO, a Sesa ainda não informou uma data específica para iniciar a vacinação desse público. No entanto, em entrevista à Rádio O POVO/CBN, na última quinta-feira, 12, o ex-titular da pasta, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, Dr. Cabeto, informou que terminando a vacinação do público adulto em 29 de agosto, a expectativa é iniciar a aplicação da vacina contra a Covid-19 ao público adolescente nos primeiro dias do mês de setembro. Na campanha de imunização no Brasil, apenas a vacina da Pfizer/BioNTech é autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aplicação nessa faixa etária. Mais detalhes de como será feita a campanha para os adolescentes não foram divulgados pela pasta. (Mirla Nobre/Especial para O POVO)

 

 

Diabetes na adolescência

O grande problema é que a adolescência é justamente a fase de mais difícil controle do DM1. Esse fator, na opinião do médico Balduino Tschiedel, deveria ter sido levado em consideração para inclusão dos jovens com a doença no grupo prioritário para vacinação contra Covid-19.

Tschiedel explica que a “explosão hormonal” da adolescência interfere negativamente na manutenção dos níveis ideais de glicemia. Tão ou mais importante que os hormônios para esse descontrole, conforme Tschiedel, é o fator comportamento. “Boa parte dos adolescentes tem a hemoglobina glicada alta porque a adolescência é um período de muita confusão, é difícil encontrar um adolescente com excelente controle”, diz o médico.

 

"Boa parte dos adolescentes tem a hemoglobina glicada alta porque a adolescência é um período de muita confusão, é difícil encontrar um adolescente com excelente controle<br>" Balduino Tschiedel

 

Isso ocorre porque para manter níveis de glicose próximos ao normal, o paciente com DM1 segue uma rígida disciplina diária de aplicação de insulina, monitoramento de glicemia capilar, controle da ingestão de carboidratos e prática de atividades físicas. É muito comum que os pacientes na adolescência não consigam manter todos esses cuidados permanentemente, como a doença impõe. O médico explica que é mais comum obter um bom controle na infância, porque as crianças obedecem aos pais e seguem a rotina necessária. E também na idade adulta, quando o paciente entende as consequências de não manter os cuidados necessários.

Outro efeito da pandemia para pessoas com DM1 revelado no congresso, de acordo com o médico, é a severidade de casos de cetoacidose diabética — emergência médica resultante de níveis muito altos de glicose no sangue que podem levar ao óbito do paciente. Segundo ele, houve um aumento de pessoas internadas com o primeiro diagnóstico dessa complicação durante a pandemia, por retardo ou receio de saírem de casa e procurarem o serviço de saúde.

 

 

João quer voltar à rotina

A pandemia trouxe um impacto mais grave para a vida do adolescente João Luís Holanda Gadelha, 14, que para os demais colegas de classe. Além das aulas remotas, ele ficou impedido de praticar as atividades físicas que fazem parte do tratamento para controle da diabetes tipo 1. Com isso, teve que aumentar muito a dose de insulina diária para manter o controle e acabou engordando 10 kg em um ano. “Ele praticava atividades físicas todos os dias, mas com a pandemia teve que ficar dentro de casa”, relata a mãe do adolescente, Adélia Holanda.

Adélia conta que João retornou à escola neste mês de agosto, embora o menino faça parte do grupo prioritário da vacinação contra a Covid-19 e ainda não tenha recebido a primeira dose da vacina. “Ele está indo à escola todos os dias. Como teve poucas pessoas na turma dele que optaram em retornar ao presencial, conseguiram deixar quem desejou retornar em uma única turma, com poucos alunos, cerca de 26, em uma sala no formato de auditório, com menos de 50% da capacidade”, explica a mãe de João.

Entre os pacientes graves de Covid-19, 20% eram diabéticos, segundo estudo(Foto: Freepik)
Foto: Freepik Entre os pacientes graves de Covid-19, 20% eram diabéticos, segundo estudo

Apesar do retorno à escola, um dos receios ainda para o jovem João Luís e para os seus pais é a volta à prática de atividades físicas, uma dos meios que ajudam o estudante no controle da diabetes. Adélia conta que ainda sente medo pela exposição do jovem à doença em um possível retorno às atividades. “Ele gosta muito de esporte de grupo, e a gente ainda não está confortável com esse retorno, principalmente porque é atividade de contato, então ficamos um pouco com medo”, conta a mãe do jovem.

João Luís tem acesso a todo o protocolo necessário para manter o controle da doença – o que não é a realidade de todas as crianças e adolescentes com DM1 no Brasil. A mãe do jovem, que é assistente social, acabou se tornando educadora em diabetes, após realizar diversos cursos na área. Isso foi fundamental para que o garoto, diagnosticado com a doença ainda bebê, chegasse aos 14 anos com boa saúde. Para outros adolescentes, com menor acesso à educação em diabetes e aos melhores e caros tratamentos, a realidade é mais dura. (Colaborou Mirla Nobre/Especial para O POVO)

 

 

 

100 anos da insulina e a DM1

Em janeiro de 1922, Leonard Thompson, um jovem de 14 anos e 30kg diagnosticado com Diabetes Tipo 1, recebeu injeções de um extrato pancreático descoberto no ano anterior por cientistas canadenses. Thompson, considerado o primeiro paciente tratado com insulina, viveu 27 anos – um milagre para a época. Até aquele ano, todas as crianças com DM1 sobreviviam pouco tempo após receberem o diagnóstico da doença.

Além de Thompson, uma das primeiras crianças a se beneficiarem da descoberta foi Elizabeth Hughes, filha mais nova de um dos políticos mais famosos dos EUA naquele tempo, Charles Evans Hughes. A menina começou o tratamento aos 12 anos, pesando 19 kg. A insulina devolveu-lhe a vida. Elizabeth desenvolveu-se normalmente, formou-se no Barnard College em 1929, casou-se, teve três filhos e morreu em 1981, aos 75 anos. 

A descoberta

A vida de Thompson, Elizabeth e de todas as demais crianças com diabetes tipo 1 nascidas depois de 2021, foi salva por uma descoberta de quatro cientistas. Os pesquisadores Frederick Banting e Charles Best, isolaram pela primeira vez a insulina no laboratório do professor de fisiologia John J. R. MacLeod, em 1921, em Toronto. Os primeiros testes não deram muito certo, até que o biólogo James Colip se uniu ao grupo, purificando o extrato pancreático e diminuindo os efeitos colaterais.

A insulina foi o primeiro tratamento verdadeiramente eficaz para pessoas vivendo com diabetes tipo 1. Sua descoberta, um dos fatos mais importantes do século XX, rendeu à equipe de estudiosos o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia.

Desde a primeira insulina comercializada, a Regular, até hoje, observou-se uma grande evolução no tratamento da diabetes. Embora não exista perspectiva de cura para a doença, há recursos para que os pacientes desfrutem de uma vida longa e saudável, desde que tenham acesso aos insumos – que custam caro – e que cumpram com rigor o tratamento.

 

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