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Moda circular e sustentabilidade: a reinvenção do brechó
Reportagem Especial

Moda circular e sustentabilidade: a reinvenção do brechó

Fundadora da startup Susclo, a empreendedora Luciana Valente busca "mudar a forma como você consome moda" pensando na sustentabilidade

Moda circular e sustentabilidade: a reinvenção do brechó

Fundadora da startup Susclo, a empreendedora Luciana Valente busca "mudar a forma como você consome moda" pensando na sustentabilidade
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“A roupa mais sustentável é a que já existe”. Esse é apenas um dos pensamentos que guiam a Susclo. Considerada pela sua equipe como “mais que um brechó on-line”, a startup criada por Luciana Valente busca mudar as maneiras de se consumir moda atualmente, prezando também pelo “desapego” - essa, aliás, uma das palavras fortes aderidas no funcionamento da empresa.

Luciana Valente é fundadora da startup Susclo, que busca incentivar mudanças nas maneiras de se consumir moda e prega a sustentabilidade(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Luciana Valente é fundadora da startup Susclo, que busca incentivar mudanças nas maneiras de se consumir moda e prega a sustentabilidade

O tema principal que passa pela startup vem desde seu nome, pois Susclo é abreviação de “sustainable clothing”, termo em inglês que significa “roupa sustentável”. Ao Vida&Arte, sua fundadora fala sobre processos, permanências e a relevância de se discutir sobre sustentabilidade no ramo da moda. Essa história vem, porém, de um tempo recente.

Quase graduada em Engenharia Civil, foi há três anos que Luciana começou o movimento pela Susclo - ainda que de forma não totalmente definida. O interesse “por resolver problemas que têm impacto socioambiental" sempre esteve presente em sua vida, o que se conecta também com sua área de formação. O gosto por desenvolver “o melhor serviço” para seus clientes acabaria jorrando para uma área que, essa sim, não passava por sua cabeça: a moda.

Hoje com 26 anos, a Luciana de 23 se viu em uma necessidade de “fazer renda extra”. Uma possibilidade encontrada foi vender algumas peças de roupa de seu guarda-roupa que já não a interessavam mais. Na mesma semana, metade das 40 peças que separou foi vendida para amigos e colegas de trabalho, e essas pessoas pediram que vendessem por elas também. Como, na época, estava ocupada com outro trabalho, não conseguiu prestar esse auxílio.

Entretanto, uma dúvida a acompanhou: “Por que elas não tentam vender por conta própria? Se não for comigo, como encontrar uma solução que atenda às suas necessidades?”. Assim, percebeu que nem todo mundo consumia de brechós e que eles eram vistos “como lugares inacessíveis, em que você precisava garimpar para achar uma boa peça”.

Depois de assistir ao documentário “The True Cost”, que debate sobre os impactos ambientais, econômicos e sociais da indústria da moda com a adoção do modelo fast fashion e casos de desrespeito a direitos trabalhistas, veio a certeza: era preciso “fazer algo para poder conectar a ideia do consumo de peças de segunda mão com um serviço que pensasse nos impactos socioambientais da moda”.

O que no começo foi feito apenas para renda extra, sem pensar em sustentabilidade e na “indústria da moda em si”, acabou tendo rumos para além do que imaginava: “Eu sempre comprava fast fashion, descartava minhas roupas e comprava outras novamente. Nunca questionei isso. Foi nesse modelo de eu começar a vender as minhas roupas que comecei a observar que as pessoas gostariam de comprar de segunda mão se tivessem um local com curadoria bacana, assim como venderiam suas peças se houvesse praticidade para fazer todo o processo de venda”.

 

 

 

Slow fashion como trabalho socioambiental

 

Assistir ao documentário “The True Cost” também ajudou Luciana Valente a encarar não apenas como um serviço, mas como “um trabalho socioambiental”. Antes um termo desconhecido, o slow fashion passou a fazer parte de sua rotina. Até suas análises sobre o que significa a moda passaram a mudar, deixando de ser uma visão sobre qual a tendência do momento para o entendimento de que “a moda é também um meio para expressar quem você é e qual a sua identidade”.

Hoje, a Susclo a empresa conta com mais de 700 vendedores em sua plataforma e é formada por uma equipe de 6 pessoas, que se dividem entre funções para melhor administrarem a empresa. Há representantes nas áreas de atendimento, de curadoria das roupas que serão vendidas pelo site, de processamento, controle de qualidade e cadastramento das peças e de estratégias e finanças. Nessa formação, ainda há uma pessoa responsável por um brechó parceiro em Porto Alegre (RS).

Atualmente, a equipe da Susclo é formada por seis pessoas, que se dividem nas funções de atendimento, curadoria, processamento, controle de qualidade e cadastramento das peças, além de estratégias e finanças(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Atualmente, a equipe da Susclo é formada por seis pessoas, que se dividem nas funções de atendimento, curadoria, processamento, controle de qualidade e cadastramento das peças, além de estratégias e finanças

No envolvimento da Susclo com os vendedores e consumidores, Luciana vê como um resultado de destaque a “transparência”. Esse ponto é importante tanto para manter relações de confiança quanto para “educar o público” sobre a estrutura de custos que existe por trás para manter a empresa funcionando. Em seu site, há uma aba específica para esse “valor inegociável” que é a transparência.

Atualmente, a empresa fica com 60% do valor de cada peça vendida. Dessa porcentagem, 40% é destinada a despesas administrativas e mais 15% é deslocada para gastos com taxas de e-commerce e boleto, por exemplo. Assim, somente 5% do faturamento é capaz de ser encarado como lucro ou reinvestimento para a Susclo.

 

"Não é porque é brechó que tem que ser muito barato. A Susclo é uma empresa que também tem estrutura de custos e que precisa, como toda empresa sustentável, ser legal do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista financeiro e social." Luciana Valente, da startup Susclo

 

Com isso, Luciana lembra que um dos principais percalços nessa trajetória é o entendimento de consumidores de que não é porque uma peça é de “segunda mão” que ela deve custar apenas R$ 5 em um brechó. O “Susclo Transparente” é importante nesse sentido: “Não é porque é brechó que tem que ser muito barato. A Susclo é uma empresa que também tem estrutura de custos e que precisa, como toda empresa sustentável, ser legal do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista financeiro e social. Não adianta fazermos um serviço de prolongar o tempo de vida de uma roupa se não estamos ganhando de forma justa por aquilo”.

 

 

Linha curatorial garante qualidade das peças 

 

A Susclo possui uma linha editorial em seu site de produtos que podem ser aceitos pela startup. É preciso que os itens estejam em ótimo estado de conservação - nada de roupas com manchas, rasgos, bolinhas ou com outras formas de avaria. Segundo a empreendedora, o volume de peças aprovadas a cada mês ronda em torno de 800 - sem contar as que são reprovadas. No caso de artigos recusados ou não vendidos, a Susclo pergunta ao vendedor se ele quer doar para a instituição beneficente da marca - no caso, o Emaús - ou se deseja retirar as peças no ponto de entrega da empresa.

A Susclo cadastra em seu site aproximadamente 800 peças de roupa por mês(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita A Susclo cadastra em seu site aproximadamente 800 peças de roupa por mês

O estilo também não falta: a marca preza pela "atemporalidade", com produtos como blusas casuais, shorts e calças "levinhos, de elástico e com caimento frouxinho", sobreposições como kimonos e blazers e camisas de botões de "estampas bonitas". “A pessoa que consome na Susclo preza muito pela atemporalidade e pelo conforto. Como brechó, precisamos ter esse cuidado de estilo, porque se aceitarmos todas as peças quem entrar no nosso site não se identificarão com a nossa empresa”, comenta Luciana.

As dificuldades para manter o brechó recaem principalmente sobre os aspectos financeiros. A fundadora da Susclo comenta que se ganha muito pouco em cada peça mantendo o preço justo que deve ser cobrado. Como são produtos de segunda mão, precisam ser mais baratos que os vendidos diretamente pelo produtor original. Mesmo que a Susclo tenha 800 novas roupas mensalmente em seu site, “ainda é pouco para, de fato, rentabilizar o modelo de negócio”.

A Susclo aderiu ao movimento de etiquetas retornáveis, em que o consumidor entrega as etiquetas dos produtos e a empresa passa a utilizá-las em novas peças(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita A Susclo aderiu ao movimento de etiquetas retornáveis, em que o consumidor entrega as etiquetas dos produtos e a empresa passa a utilizá-las em novas peças

Os cuidados seguidos pela Susclo para reduzir a produção de lixo no processo de venda de seus produtos incentivam ações conjuntas com seus consumidores. Para a entrega de suas peças, a empresa utiliza as “suscolinhas”, embalagens feitas de resíduos têxteis que seriam descartados. Eles são coletados, lavados, cortados e costurados manualmente. Ao comprador, é possível ganhar 10% de desconto em próximas aquisições ao serem devolvidas três suscolinhas.

Além disso, a startup aderiu ao movimento de etiquetas retornáveis. Assim, o consumidor pode guardar as etiquetas que vêm com os produtos e, em vez de jogar no lixo, entregar à Susclo para serem reutilizadas em novas peças. Dessa forma a empresa busca minimizar a produção de lixo.

A postura da empresa de ser voltada para a sustentabilidade não repercute apenas entre a equipe que forma a Susclo. Segundo Luciana, o conteúdo veiculado pela startup incentivou “várias pessoas” a alterarem seus hábitos de consumo. São comuns os relatos de que, a partir da Susclo, consumidores passaram a ter mais confiança em comprar roupas de brechós e a repensar os produtos que compram, buscando linhas mais “ambientais e transparentes com o consumidor”.

 

 

Postura sustentável requer persistência e compreensão por parte do consumidor 

 

Desenvolver uma mentalidade voltada para o consumo consciente, entretanto, não é fácil, na visão de Luciana. Por isso, ela afirma que é preciso querer, pois, quando se passa a ter esse pensamento, a tônica é avaliar tudo que envolve um produto, serviço ou alimentação: “Quando você vai consumir um produto alimentício, você vai querer ver os ingredientes daquele alimento para entender, por exemplo, se vem de origem animal ou não, porque ao consumir produtos de origem animal existe uma série de outras pautas sustentáveis em relação a esse aspecto. Depois, para se locomover pela cidade você começa a se questionar o motivo de usar um veículo particular que emite tantos gases poluentes no trajeto. Em seguida, em relação à moda, pensar o que você veste, o que passa no rosto”.

Para a fundadora da Susclo, diante desse cenário o consumidor acaba tendo que escolher os aspectos mais próximos de sua realidade em que é possível manter uma postura consciente e sustentável. “Eu acho que o primeiro ponto é a pessoa querer consumir de forma mais consciente. Assim, é preciso pesquisar sobre o assunto, entender que o seu dinheiro vai fazer todo aquele mercado girar, fazer uma empresa prosperar e outra não de acordo com os seus valores de sustentabilidade. Além disso, acompanhar perfis que falem sobre isso, que sejam do ramo, para entrar aos poucos nesse universo”, aponta.

A Susclo não recebe peças que apresentem alguma forma de avaria, prezando, assim, pela qualidade de conservação dos produtos (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita A Susclo não recebe peças que apresentem alguma forma de avaria, prezando, assim, pela qualidade de conservação dos produtos


Ela acredita que não é um bom caminho centralizar as discussões sobre o ingresso na sustentabilidade na moda na oposição entre fast fashion e o mercado de segunda mão (no caso, os brechós), como se os dois modelos fossem inimigos e o consumidor devesse optar apenas por um deles. Ela menciona dois aspectos: a condição financeira e a acessibilidade a diferentes tamanhos de roupas.

 

"“Nós entendemos que esse discurso do consumo de forma mais sustentável na moda infelizmente não consegue abranger todas as pessoas tanto pela condição financeira quanto pela questão da disponibilidade de tamanhos de peças." Luciana Valente

 

“Quando há esse pensamento, nós entramos em uma discussão muito difícil. Em primeiro lugar, nem todo mundo consegue comprar de lugares que não sejam necessariamente fast fashion por causa do lado financeiro. Além disso, quando entramos no âmbito de mulheres que vestem numerações por volta de 48, 50 e 52, por exemplo, é mais difícil de elas encontrarem peças com esses tamanhos em brechós. Então, nesse caso, o que elas podem fazer? Elas podem comprar peças de produtores que fazem tudo de forma muito justa, mas que custam caro. Poucas pessoas têm condições de fazer isso”, argumenta.

Assim, ela defende que sejam consideradas, para a discussão sobre uma moda mais acessível e sustentável, as condições sociais de cada pessoa. Nesse sentido, ela propõe a “sustentabilidade possível”, ou seja, ser sustentável “dentro da possibilidade do seu meio”, sem “deixar de consumir de outras vertentes a qualquer custo”.

“Nós entendemos que esse discurso do consumo de forma mais sustentável na moda infelizmente não consegue abranger todas as pessoas tanto pela condição financeira quanto pela questão da disponibilidade de tamanhos de peças”, afirma. Dessa forma, o brechó viria como uma opção a mais para o consumo de forma mais sustentável e “pagando mais barato”.

A empreendedora Luciana Valente acredita que a moda também é uma forma de se expressar(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita A empreendedora Luciana Valente acredita que a moda também é uma forma de se expressar

Luciana aponta que é possível manter uma postura que vise a moda consciente e ao mesmo tempo continuar por dentro das tendências do ramo a partir do desapego. Como exemplo, ela cita uma blusa amarela que usava apenas de quatro em quatro anos, nos períodos em que ocorria a Copa do Mundo de Futebol Masculino.

“Eu usava ela a cada quatro anos e ela estava lá no meu guarda-roupa. Eu nunca tinha desapegado dela porque eu sabia que o ciclo de vida da peça era de quatro anos e eu a continuaria usando. Com a Susclo, eu vi que eu não precisava esperar esse tempo todo para usá-la. Ela estava parada no meu guarda-roupa e uma outra pessoa poderia usá-la diariamente. Então, fazia muito mais sentido eu desapegar da peça e fazer com que ela estivesse no armário de outra pessoa que iria, de fato, usá-la. Quando estiver em época de copa, eu posso entrar no site da Susclo e vejo se tem alguma peça daquela paleta de cores que eu esteja interessada em comprar”, reflete a empreendedora.

Ela acrescenta: “Quando nós falamos de tendência e moda, é muito do ponto de vista de você olhar para o seu guarda-roupa e você visualizar que usa tudo, porque mesmo se você desapegar daquelas peças que já não usa mais tanto, ainda vão ser peças contemporâneas dentro dessa leva de desapego”.

Esse é um caso, então, que faz parte da moda circular: “É você comprar uma peça só quando realmente precisar e, se não estiver usando uma, não se apegar a ela, porque ela ainda vai estar atual, ainda vai ser tendência e outra pessoa vai conseguir adquirir no brechó e não em uma marca que esteja lançando uma nova coleção sobre aquela mesma tendência. Então, acredito muito nisso, no guarda-roupa circular”.


Diante disso, ela lembra de diferentes perfis de usuários na Susclo: há aqueles que que vendem, “ganham valor” e assim compram novas peças, aqueles que compram de forma esporádica e usam a peça até quando der, e há pessoas que só vendem e sempre “colocam tendências” no brechó, porque costumam comprar em outras marcas. “Quando você conecta esses três perfis você consegue uma rotatividade muito boa e sempre com uma seleção muito interessante e atual no site, para que as pessoas possam, mesmo em momentos de tendência, aderir à segunda mão”, completa Luciana.

 





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