Além da preocupação com a Covid-19, perder o convívio com amigos e familiares, mudar completamente a rotina e não ter mais disponíveis atividades de lazer fora de casa foram alguns dos fatores que prejudicaram a saúde mental de diversas pessoas durante a pandemia do coronavírus. A ansiedade e a depressão, de acordo com o psiquiatra Fábio Gomes de Matos, foram os quadros que mais afligiram a população, sem distinção de idade. Com esse sofrimento psíquico aumentado, buscar maneiras de prevenir mortes por suicídio se torna ainda mais importante.
Em 2020, pelo menos 649 pessoas morreram por suicídio no Ceará, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Esse dado representa uma taxa de 7,1 suicídios a cada 100 mil habitantes do Estado. Segundo o levantamento, o número cresceu 0,6% comparado a 2019, quando 641 pessoas se suicidaram. Para o psiquiatra, esse número ainda pode ser maior devido à subnotificação desses casos.
“O IML (Instituto Médico Legal) só descreve a morte, ele não faz o laudo dizendo se foi suicídio ou não. Isso volta pra delegacia, e é o delegado que faz essa confirmação. Obviamente diante de tanto homicídio que tem na cidade, o delegado vai examinar a questão do suicídio de uma maneira muito secundária”, diz Fábio.
O psiquiatra defende que o sistema de notificação de suicídios deveria ser mudado, para que dados refletissem o número real de mortes por essa causa. Assim, mais políticas públicas poderiam ser pensadas para melhorar a prevenção.
A psicóloga Fernanda Gomes explica que o suicídio não tem uma causa única. Por isso, não é possível dizer que apenas a situação da pandemia é responsável pelas mortes por suicídio que aconteceram em 2020.
“A gente não pode dizer que a pandemia da Covid seria uma causa do suicídio. A situação de isolamento que a Covid proporcionou para nós poderia ser um potencial risco para essas pessoas que já têm pensamentos suicidas, um sofrimento intenso associado às vivências que elas têm”, diz Fernanda. Ela também é diretora do instituto Escutha, um projeto que capacita profissionais da saúde para falar sobre temas como a morte e o suicídio.
Diante do estigma relacionado a doenças mentais e do isolamento, os especialistas pedem que mais atenção seja dada aos sinais indicadores de que alguém esteja pensando em tentar suicídio. Mudanças no comportamento, distanciamento de pessoas próximas, aumento da irritação, abuso do uso de álcool e outras drogas ou autolesões são algumas das características que devem acender um alerta, segundo a psicóloga.
Fábio explica também que frases como “Não aguento mais", "Não suporto mais", "É melhor que eu estivesse morto, sou um peso para todos", "Quero dormir até meus problemas acabarem” podem indicar que a pessoa está com pensamentos suicidas. Nesses casos, o psiquiatra orienta que pessoas próximas perguntem sobre a saúde mental dessa pessoa, se ela tem planos futuros, se ela pensa em tirar a própria vida ou se já tentou de alguma forma. “Caso a resposta seja sim, precisa levar imediatamente essa pessoa para um profissional de saúde mental”, alerta Fábio.
Para Fernanda, colocar-se à disposição de amigos e familiares que passam por esse tipo de sofrimento psicológico também deve ser feito com cautela. “Muitas vezes. a gente, na tentativa de ajudar, se coloca em situações que a gente não sabe responder, ou tem respostas muito automáticas pro sofrimento do outro. Então, o mais indicado é que a gente se coloque presente na vida dessa pessoa, que a gente consiga perceber diferenças, e que a gente se coloque à disposição para ajudar essa pessoa a encontrar serviços adequados.”
Em tratamento psicológico desde os 17 anos, Pedro*, 22, viu a rotina mudar completamente com a pandemia. O jovem universitário precisou adaptar a vida corrida ao isolamento completo. Com isso, atritos e problemas que tinha com a família vieram à tona, o que o pouco contato de antes deixava mais velados. No início da pandemia, o isolamento foi o que mais afetou a saúde mental de Pedro.
“Tive acompanhamento psicológico por pouco tempo durante a pandemia. Depois, peguei Covid e evitei sair de casa. Não consigo fazer terapia via internet”, diz o jovem. Pedro conta que no último ano não chegou a ter mais ideações suicidas. “Nesse momento, durante a pandemia, tive apenas questões recorrentes, mas não notei uma escalada desses pensamentos.”
Impossibilitado de fazer terapia e com o agravamento dos problemas de saúde mental, o jovem conversava com amigos sobre o que se passava na mente dele. “Eles me auxiliaram, conversávamos com mais constância.”
Para a psicóloga Fernanda Gomes, criar uma rede de suporte é fundamental para ajudar pessoas com ideações suicidas. “A gente precisa achar espaço pra falar mais sobre essa temática. A gente não está influenciando as pessoas a fazerem isso, mas a gente está abrindo espaço para que elas possam falar da dor delas”, explica.
A profissional afirma ainda que a prevenção ao suicídio precisa ser constante, não apenas durante campanhas como o Setembro Amarelo, que procura conscientizar as pessoas sobre problemas de saúde mental durante o mês de setembro. “As pessoas que chegam a cometer esse ato são porque estão num nível de sofrimento intenso, então elas precisam ser legitimadas no sofrimento delas. Essa é a saída para que a gente possa pensar em prevenção para esse público”.
Durante a pandemia, o luto foi assunto constante devido à quantidade de vidas perdidas para a Covid-19. Apesar de ser um tema difícil de falar, a morte por doenças ainda é mais debatida do que a morte por suicídio, e isso acaba tendo impacto direto em quem perdeu entes queridos dessa forma.
“Quando a gente perde alguém doente, a gente constrói uma narrativa da história, eu vi que ele foi ficando doente, fui elaborando que ele poderia morrer. É totalmente diferente de uma pessoa que, na visão de quem fica, escolheu aquilo. Lembrando que não é uma escolha simples. Mas em quem fica, ficam muitos questionamentos, buscas por explicações, tem um estigma social, então aquela família pode ter uma sensação de vergonha, de culpa por não ter percebido”, explica a psicóloga Fernanda Gomes.
A especialista defende que familiares de pessoas que se suicidaram busquem ajuda para falar sobre a perda. “As pessoas podem passar por uma situação de mais isolamento, por conta do preconceito e do julgamento.” Compartilhar dores com familiares, amigos e outras pessoas que já passaram também pelo luto por suicídio pode ser uma maneira de amenizar o sofrimento e diminuir os riscos de que essas pessoas desenvolvam problemas de saúde mental.
A cartilha sobre suicídio na pandemia, lançada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), traz dicas de como ajudar pessoas enlutadas por suicídio. Contatar por telefone ou por chamada de vídeo, reconhecer e respeitar as dores, colocar-se disposto a escutar e deixar claro que não as culpa são algumas das ações listadas pelo documento educativo. “Na maioria das vezes, não é preciso dizer nada, basta estar junto e ouvir”, diz o texto.
Por mais que algumas pessoas tenham dificuldades para falar sobre a própria saúde mental, para a psicóloga Adrielly Sousa, é importante pedir ajuda quando há qualquer sinal de sofrimento psíquico. “Não devemos fechar os olhos para nossas dores. Ignorar nossos sentimentos e sensações só nos causa sofrimento e adoecimento em larga escala”, explica.
A profissional afirma que não estamos habituados a perceber os sinais que o corpo e mente dão, mas exercitar essa observação dos sentimentos é essencial para perceber o momento de pedir ajuda.
Sensação de tristeza intensa, agitação, falta de energia, excesso de sono, desejo de estar sempre recluso deitado ou dormindo, falta de vontade de fazer coisas que costuma gostar, não sentir prazer ou motivação em nada, variações de humor constantes, sensação de que sua vida não tem sentido, pensamentos de que seria melhor estar morto, são alguns dos sinais que podem indicar a necessidade de procurar um psicólogo ou psiquiatra.
“É de fundamental importância que não se tente lidar com isso sozinho, o acompanhamento psicológico é imprescindível para que esse enfrentamento seja o mais eficaz possível”, diz Adrielly. Além da ajuda profissional, pedir apoio da família e de amigos faz diferença em um momento de dificuldade. “Eu acredito que o ponto de partida mais importante é nos conscientizarmos que não devemos ter vergonha de pedir ajuda e entendermos que nós não precisamos dar conta de tudo sozinhos. Comunicar de forma direta que não está bem, que se sente diferente e que precisa de ajuda é o principal, assim como se permitir receber essa ajuda”.
Durante a pandemia, o luto foi assunto constante devido à quantidade de vidas perdidas para a Covid-19. Apesar de ser um tema difícil de falar, a morte por doenças ainda é mais debatida do que a morte por suicídio, e isso acaba tendo impacto direto em quem perdeu entes queridos dessa forma.
“Quando a gente perde alguém doente, a gente constrói uma narrativa da história, eu vi que ele foi ficando doente, fui elaborando que ele poderia morrer. É totalmente diferente de uma pessoa que, na visão de quem fica, escolheu aquilo. Lembrando que não é uma escolha simples. Mas em quem fica, ficam muitos questionamentos, buscas por explicações, tem um estigma social, então aquela família pode ter uma sensação de vergonha, de culpa por não ter percebido”, explica a psicóloga Fernanda Gomes.
A especialista defende que familiares de pessoas que se suicidaram busquem ajuda para falar sobre a perda. “As pessoas podem passar por uma situação de mais isolamento, por conta do preconceito e do julgamento.” Compartilhar dores com familiares, amigos e outras pessoas que já passaram também pelo luto por suicídio pode ser uma maneira de amenizar o sofrimento e diminuir os riscos de que essas pessoas desenvolvam problemas de saúde mental.
A cartilha sobre suicídio na pandemia, lançada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), traz dicas de como ajudar pessoas enlutadas por suicídio. Contatar por telefone ou por chamada de vídeo, reconhecer e respeitar as dores, colocar-se disposto a escutar e deixar claro que não as culpa são algumas das ações listadas pelo documento educativo. “Na maioria das vezes, não é preciso dizer nada, basta estar junto e ouvir”, diz o texto.