Logo O POVO+
Roblox e Fortnite: entenda o metaverso e as novas possibilidades dos games
Reportagem Especial

Roblox e Fortnite: entenda o metaverso e as novas possibilidades dos games

O período de isolamento social acelerou um processo que já se tornava proeminente nos últimos anos: o uso dos universos dos games para a produção de conteúdo cultural

Roblox e Fortnite: entenda o metaverso e as novas possibilidades dos games

O período de isolamento social acelerou um processo que já se tornava proeminente nos últimos anos: o uso dos universos dos games para a produção de conteúdo cultural
Tipo Notícia Por

 

 

Você marca de se encontrar com seus amigos logo depois do trabalho. Todos se reúnem na casa de alguém, conversam um pouco e saem para curtir um dos shows que estavam esperando neste ano. Ao entrar no local, o duo de rock alternativo Twenty One Pilots está apresentando seu álbum mais recente “Scaled And Icy”. A banda atende aos pedidos do público e toca várias músicas importantes de sua carreira.

Em meio à pandemia do coronavírus, essa é a segunda performance que você assistiu: no fim de 2020, também esteve presente na apresentação de Lil Nas X, uma das maiores promessas do rap estadunidense. Para os brasileiros que enfrentaram um longo período de isolamento social sem a possibilidade de participar de espetáculos presenciais, a descrição pode causar um certo estranhamento. Mas, na verdade, tudo isso aconteceu em um outro universo, dentro do jogo Roblox.

O game, que possui milhares de criadores de experiências e milhões de usuários, permite que as pessoas explorem mundos que existem apenas no meio digital. O denominado “metaverso” é um espaço virtual que se utiliza de elementos da realidade para criar suas próprias regras de funcionamento e de sociabilidade entre jogadores.

“O metaverso consiste em qualquer espaço virtual que permite a criação e a exploração de conteúdos criados por outras pessoas só existentes dentro daquele espaço (...). É possível criar jogos e experiências ali dentro, de maneira interativa, e que existirão apenas naquele espaço, porém, de maneira persistente. Ou seja, você conecta e desconecta, mas ele continua dentro do meio digital”, explica Davi Rocha, professor de Publicidade e Propaganda da Universidade de Fortaleza (Unifor) e integrante do canal do Youtube “Bacontástico”.

Esses conteúdos são amplamente conhecidos há anos pela cultura geek, mas agora extrapola os limites do nicho e atinge outros mercados. Não é difícil, por exemplo, encontrar shows e desfiles de moda em League of Legends, Roblox, Minecraft ou Fortnite. Para entender melhor: Travis Scott, Ariana Grande, Pabllo Vittar e Steve Aoki já se apresentaram nestes meios virtuais. Grandes marcas de roupa, como a Louis Vuitton e a Nike, também produzem peças exclusivas para esses universos. A Balenciaga investiu em algo maior: criou o próprio videogame para os usuários contemplarem novas coleções.

Para Davi, o metaverso é mais um espaço para a cultura e o entretenimento serem oferecidos, comercializados e experienciados. “Isso, na verdade, já acontece, mas vai só aumentar pelo fato do metaverso ser persistente, ou seja, por ele existir mesmo que você não esteja conectado a ele. Basta entendê-lo como mais um espaço para você utilizar da maneira que quiser, seja para organizar um show, criar uma experiência interativa com uma marca, banda, entre pessoas... Tudo isso dentro da internet”, indica. Em sua opinião, os games se intensificam como um lugar de possibilidades de investimento, principalmente, por estar no mercado há muito tempo. Apesar do público ser consideravelmente mais jovem, esses universos podem atingir locais que as limitações físicas não permitiriam.

League of Legends tem skins de personagens feitas por Louis Vuitton(Foto: Riot Games)
Foto: Riot Games League of Legends tem skins de personagens feitas por Louis Vuitton

Não é só a indústria cultural que está de olho neste nicho. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook e detentor de outras redes sociais como Whatsapp e Instagram, anunciou em setembro que investirá 50 milhões de dólares para criar seu próprio metaverso. Nos próximos dois anos, comprometeu-se a dialogar com grupos de direitos civis, governos, organizações não governamentais e instituições acadêmicas para elaborar tecnologias de uma maneira responsável. Ainda não há detalhes sobre o objetivo principal do novo universo do empresário, mas sua empresa já divulgou uma versão de testes para realizar reuniões on-line a partir da realidade virtual. Na útima quinta-feira, 28 de outubro, também disse que o nome "Facebook" passaria a ser "Meta".

Igor La Luz, gerente acadêmico nacional da Escola Saga, pontua que a temática que envolve o metaverso ainda é uma “criança”. “Não é nem um adolescente, mas é muito real em termos de expectativas para a indústria. O Facebook está investindo nisso e outras grandes empresas também”, destaca. De acordo com ele, mesmo que seja uma discussão recente, já vem sendo debatida nos últimos anos. “A inovação acontece diante da necessidade, quando surge a oportunidade, encontramos novas maneiras de aproveitar isso. O que acontece hoje é que as tecnologias estão se misturando com a nossa realidade, de modo geral. Estamos mais on-line do que nunca como sociedade. Durante a pandemia, isso se intensificou ainda mais”.

A 'Horizon Workrooms' é um projeto do Facebook para realizar reuniões em realidade virtual(Foto: Divulgação/ Facebook)
Foto: Divulgação/ Facebook A 'Horizon Workrooms' é um projeto do Facebook para realizar reuniões em realidade virtual

 

 

A sociabilidade nos meios

Dentro dos jogos, é possível interagir com amigos e desconhecidos de formas distintas. A partir de textos, áudios, vídeos e transmissões ao vivo, os usuários dos games podem conversar com pessoas no conforto de suas salas. Por um lado, diminui a distância física. “A partir do uso da realidade virtual e da realidade aumentada, que são duas tecnologias que cresceram muito nos últimos anos, será possível aumentar um pouco mais o nível de interação entre as pessoas que estão distante geograficamente, mas que vão estar muito mais perto umas das outras por conta desses meios de interação avançados no metaverso”, ressalta Davi Rocha.

Por outro, os contatos reais podem se tornar escassos a depender da quantidade de horas e do vício dos jogadores. Nesta perspectiva, Felipe Figueiredo idealizou a Studio Games, uma empresa que permite a conexão física e virtual dos gamers. O empresário costumava jogar com os amigos, mas, por falta de tempo, o grupo não conseguia se ver com frequência. Neste período, montou um pequeno estúdio de videogame em sua casa. “Meus amigos começaram a fazer ‘point’ na minha casa. Às vezes, eu nem chamava, e eles estavam lá. Eu tinha uma necessidade de muita gente”, recorda.

“O que notei foi que a tecnologia estava perdendo o contato humano. E nós, no geral, precisamos do ser humano. Na minha época, tinha outras formas de se divertir na rua, por exemplo”, cita. Com isso, criou um modelo de negócios que pudesse aproximar o ciclo familiar e de amizade dos jogadores. Mas ainda precisava de algo além: “a gente começou a observar que o comportamento de alguns clientes não era o certo. É uma geração nova. Então estava na hora de mostrarmos um norte na área da tecnologia para os pais e para os filhos”. Agora, também foca em educação tecnológica para promover o equilíbrio entre games e vida real.

 

 

Os impactos da pandemia

Quando a pandemia do coronavírus começou e os países precisaram impor medidas de distanciamento social para evitar a disseminação da doença, as pessoas tiveram que refazer seus cotidianos dentro de suas casas. E uma das iniciativas que surgiram logo em abril do ano passado foi a campanha “#PlayApartTogether”, promovida por uma série de empresas de games em parceria com a Organização Mundial da Saúde. O objetivo era incentivar a interação social por meio dos videogames sem o contato físico.

Esse projeto é um dos sintomas de uma realidade para o mercado: o aumento da busca por jogos. “O mercado de games quase dobrou de tamanho por efeito da pandemia. Todas as métricas de mercado que nós podemos analisar rapidamente têm sido super positivas de 2019 a 2021 (...). É um mercado que cresce e cresceu absurdamente apesar de, durante esse período, ele próprio ter sofrido inúmeras restrições do ponto de vista de logística e do fornecimento de insumos. Além disso, por conta da pandemia, eu percebo que muita gente adentrou no universo dos videogames ou aumentou ainda mais o tempo de jogo”, avalia Davi Rocha, do “Bacontástico”.

Essa perspectiva também é compartilhada com Felipe Figueiredo, que indicou o crescimento da demanda em suas lojas após a reabertura gradual da economia. “Para os empresários, para quem de alguma forma estava em casa e tinha que acompanhar o mercado, houve um acréscimo de adeptos desse ramo. Passei a ter mais clientes, mas isso foi prejudicial para os funcionamentos nas lojas”, explicita as diferenças. “Entretanto, no retorno, tive um crescimento inimaginável. Acho que, como não havia o que fazer, novos jogadores foram sendo formados e novos adeptos ao ramo foram se desenvolvendo. Com a volta, com a pequena e contínua normalidade que estamos tendo, passamos a ter um volume maior de pessoas nas lojas”, indica.

Para Igor La Luz, a indústria dos games também obteve expansão, mesmo com a crise econômica. “Eu diria que talvez seja um setor que não pode reclamar muito do impacto. Talvez seja um dos poucos setores que houve esse aumento. O número de usuários cresceu. As pessoas tiveram mais tempo em casa e talvez, por questões pessoais, buscaram alternativas para distrair e relaxar. Consequentemente, o número de oportunidades da indústria também cresceu com a necessidade de produção dos novos jogos”, indica. Cita, por exemplo, a possibilidade de realizar shows e reuniões em formato remoto em uma escala global.

 

 

As possibilidades de futuro

Que mundos serão possíveis em alguns anos? Essa talvez seja uma pergunta que guia a indústria dos games durante a construção de novos jogos e tecnologias que possibilitem a melhoria da experiência dos usuários. “A tecnologia está se desenvolvendo em uma velocidade muito grande há anos. Agora, há jogos de hiperrealidade, em que é possível decolar um avião e pousar. Existe um desenvolvimento que não tinha no passado. Nunca que eu conseguiria me imaginar sendo um piloto de avião, mas agora é possível”, afirma Felipe Figueiredo, do Studio Games.

Do ponto de vista de Davi Rocha, o mercado nerd está deixando de ser um nicho para se tornar “mainstream”. “Podemos demonstrar isso pelo investimento que a Sony vem fazendo na compra de propriedades intelectuais para colocar nos cinemas. Esse mercado nerd, que puxa o mercado gamer, permaneceu vivo e agora cresce a passos largos apoiado pela internet, que serve como propulsora desses novos formatos de jogar videogame, como é o caso do metaverso”, pondera.

Os games, porém, não são apenas uma forma de consumo. De gamers a programadores, profissionais também surgem como especialistas nesta indústria. “A cada ano que passa, torna-se mais forte. As perspectivas antes eram boas e continuam na mesma projeção. Estamos falando sobre a força que o mercado ganha com novos profissionais, ao entender que a indústria também tem carreiras e perspectivas de desenvolvimento. Antes, os pais não tinham entendimento de que o game não era só um lazer. Agora, há várias possibilidades para profissionais”, conclui Igor La Luz.

 

 

Por dentro dos metaversos

League of Legends, desenvolvido pela Riot Games, é um dos jogos eletrônicos que permitem a exploração do metaverso. Dentro deste ambiente, há bandas que existem apenas no meio virtual e encontros com outros jogadores. Leia entrevista com Priscila Queiroz, head de Publishing da Riot Games no Brasil.

Priscila Queiroz, head de Publishing da Riot Games no Brasil, fala sobre o cenário do mercado dos games(Foto: Divulgação/ Riot Games)
Foto: Divulgação/ Riot Games Priscila Queiroz, head de Publishing da Riot Games no Brasil, fala sobre o cenário do mercado dos games

O POVO - Dentro de League of Legends, há bandas como K/DA e True Damage, que são compostas por alguns artistas conhecidos fora do game. Como ocorre o diálogo entre a música e o game dentro deste metaverso?

Priscila Queiroz - De um lado temos a música, que está muito conectada às nossas identidades - nossas faixas favoritas, nossos artistas prediletos. Do outro, games oferecem uma experiência profunda em que você se conecta com personagens e histórias, também escolhendo seus favoritos. A conexão entre esses dois lados cria uma experiência imersiva, que oferece aos fãs novas possibilidades de conexão com os universos dos quais as bandas fazem parte.

Quando falamos de K/DA, por exemplo, vemos como a banda conta sua história através das músicas, e quando desenvolvemos o universo em volta dela com suas contas em redes sociais, ilustrações que são “fotos” do seu dia a dia, abrimos uma janela para os jogadores se relacionarem com as experiências daquelas personagens, enquanto ouvem suas músicas. Isso, dentro do jogo. Fora dele, a nossa equipe própria de produção musical no selo Riot Games Music nos permite impulsionar totalmente a criação e a produção de música sob medida para nossos projetos específicos.

Alguns deles incluíram colaborações com Imagine Dragons em "Warriors" (hino da música para nosso Campeonato Mundial de 2014) e na faixa principal da série Arcane, “Enemy”, "Sessions: Vi" (álbum desenvolvido para streamers e criadores de conteúdo). Artistas brasileiros como Emicida, Daniela Mercury, BaianaSystem e Andreas Kisser são alguns grandes nomes que já participaram de projetos nossos - o BaianaSystem, inclusive, fez um show dentro de um dos mapas do VALORANT.

O POVO - O mercado dos games não atinge apenas a área musical. A Louis Vuitton, por exemplo, tem uma parceria com o League of Legends. Como os games auxiliam para movimentar outros mercados, como a moda e a música?

Priscila Queiroz - Os games ditam um estilo de vida. Se antes eram considerados “nicho”, hoje são “mainstream”. A exemplo do que ocorre com a música, cinema ou esporte, em que as pessoas usam camisetas para mostrar de qual “tribo” fazem parte, nos games o propósito é o mesmo. Os jogadores se conhecem em um ambiente online e criam seus vínculos de amizade quando jogam juntos, quando acompanham uma final de uma modalidade de Esports e quando compartilham desses mesmos interesses. Então, “vestir a camisa” é, literalmente, parte do processo de identidade que conecta o jovem ao mundo exterior.

Desde o início, a Riot Games tem o compromisso de fazer com que o jogador sinta orgulho de fazer parte da comunidade gamer. Permitir que ele ou ela encontre referências dos seus jogos prediletos para além do game, em cadernos, itens de vestuário, na música ou na TV, é uma das maneiras que traduzimos nossa missão. No Brasil, nossa mais recente iniciativa no universo da moda aconteceu este mês, em parceria com a Renner, com o lançamento de uma coleção de camisetas temáticas de League of Legends que têm o recurso de realidade aumentada incorporado às estampas.

 

"Games são o ambiente onde o público se encontra, se conecta, e isso já é uma realidade mesmo antes da pandemia. O que aconteceu é que, com o isolamento social, os jogos se tornaram ainda mais importantes para a socialização"

 

O POVO - No próximo mês, a Netflix vai lançar a série "Arcane", baseada em League of Legends. Por que há o investimento do cinema e dos streamings neste universo? Quais são as oportunidades que se abrem para outros mercados a partir desse universo?

Priscila Queiroz - League of Legends tem mais de 10 anos de personagens e histórias que se tornaram os favoritos de milhões de jogadores no mundo todo. E, durante todos esses anos, os jogadores nos pediram mais e mais histórias, mais possibilidades deles se aprofundarem no universo de Runeterra - e oferecemos isso com a nossa parceria com a Marvel nos quadrinhos, por exemplo. Arcane é o nosso primeiro passo para desenvolver ainda mais o mundo de League of Legends, em um formato diferente de tudo o que fizemos antes.

Uma série de animação nos permite mostrar os personagens de um jeito inédito, aprofundando sua conexão com os fãs. E, a partir dela, podemos continuar expandindo nosso universo de diversas maneiras, em diferentes formatos - e em outros produtos que podem oferecer mais possibilidades do jogador expressar sua identidade como fã de League, como camisetas ou action figures. E, é claro, como a música continua sendo um espaço importante para a Riot, também teremos a trilha sonora da série, que conta com a colaboração de grandes nomes como Sting e Imagine Dragons.

O POVO - Nestes dois últimos anos, enfrentamos um longo período de isolamento social. Como essa situação impactou o consumo dos games?

Priscila Queiroz - Games são o ambiente onde o público se encontra, se conecta, e isso já é uma realidade mesmo antes da pandemia. O que aconteceu é que, com o isolamento social, os jogos se tornaram ainda mais importantes para a socialização. No Brasil, em 2020, a Riot Games registrou um aumento superior a 40% no volume de horas jogadas, quando o mercado registrou crescimento de, aproximadamente, 25%.

O que você achou desse conteúdo?