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Arboviroses e criadouros de mosquitos: cuidados devem ser reforçados no fim do ano
Reportagem Especial

Arboviroses e criadouros de mosquitos: cuidados devem ser reforçados no fim do ano

Mesmo ainda a alguns meses do período chuvoso, a prevenção de possíveis criadouros de mosquitos deve ser redobrada. Casos de arboviroses têm crescido no Ceará, de acordo com a Secretaria da Saúde

Arboviroses e criadouros de mosquitos: cuidados devem ser reforçados no fim do ano

Mesmo ainda a alguns meses do período chuvoso, a prevenção de possíveis criadouros de mosquitos deve ser redobrada. Casos de arboviroses têm crescido no Ceará, de acordo com a Secretaria da Saúde
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Devido à umidade do ar e ao volume de chuvas, a quadra chuvosa é o período mais propício para a proliferação de mosquitos no Ceará. No entanto, os cuidados da população com possíveis criadouros não podem ser resumidos aos meses de janeiro a maio. Reservatórios com água parada e pontos de descarte irregular de lixo também precisam de atenção nos últimos meses do ano, os quais antecedem o início do período chuvoso.

“Este é o momento de alertar. Porque como não tem chuva, a população não fica preocupada com os depósitos que acumulam água. Esse é um período em que a gente tem que falar que a população deve manter os cuidados”, diz Suyanne Freire de Macêdo, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

A pesquisadora explica que existem três espécies de mosquitos que estão mais presentes no ecossistema de Fortaleza: Aedes aegypti, Aedes albopictus e mosquitos da subfamília de insetos flebotomíneos. Os mosquitos do gênero Aedes são os transmissores de arboviroses como a Dengue, Chikungunya, Zika e febre amarela. Já os flebotomíneos são os principais vetores de transmissão da leishmaniose.

Agentes vissitam domicílios para identificar criadores do mosquito e eliminar larvas (Foto: Aurelio Alves/O POVO)
Foto: Aurelio Alves/O POVO Agentes vissitam domicílios para identificar criadores do mosquito e eliminar larvas

O Aedes aegypti e o Aedes albopictus precisam de água parada para se reproduzirem. Nesses reservatórios é onde a fêmea de cada espécie coloca os ovos. A partir disso, os ovos viram larvas, pupa e depois um inseto adulto. Esse ciclo dura geralmente sete dias. Por isso, Suyanne recomenda que uma limpeza em locais que possam acumular água parada em casa seja feita toda semana, mesmo em períodos não chuvosos.

Segundo o boletim da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) sobre arboviroses urbanas, lançado em 27 de setembro de 2021, até a 38ª semana do ano foram registrados  casos confirmados de dengue, 698 casos de chikungunya e 158 de zika. O documento explica que um cenário epidêmico da dengue foi notado entre as semanas epidemiológicas 23 e 33, ou seja, de 6 de junho até 21 de agosto.

 

 

 

Em Fortaleza, até a 41ª semana do ano foram registrados 13.100 casos confirmados de dengue e 154 casos de chikungunya. Não há confirmação de casos de zika em 2021, sendo 41 casos ainda investigados. Segundo o boletim da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a taxa de incidência acumulada em 2021 na Capital é de 487,6 casos por 100 mil habitantes.

Comparado a 2020, o ano de 2021 teve quase o dobro de casos confirmados de dengue por 100 mil habitantes no pico das infecções, com 81,2 casos por 100 mil habitantes em junho no Ceará. Apesar de não estar no período de maior número de casos, a Sesa afirmou que a quantidade de casos de arboviroses tem crescido, principalmente nas regiões Norte e Litoral Leste.

Por isso, Suyanne atenta para a importância de eliminar potenciais criadouros de mosquitos, como as caixas ou depósitos de água improvisados, que devem ser bem vedados. De acordo com o boletim da secretaria da Saúde do Estado, barris, tinas, tambores e poços vistoriados tiveram índice de 62,68% de positividade para larvas do mosquito da dengue.

Agentes de endemias com duas doses da vacina contra Covid-19 devem voltar a visitar domicílios e intensificar combate aos mosquitos transmissores de arboviroses(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Agentes de endemias com duas doses da vacina contra Covid-19 devem voltar a visitar domicílios e intensificar combate aos mosquitos transmissores de arboviroses

O descarte adequado de lixo também é necessário para o combate aos vetores das arboviroses. Atualpa Soares, gerente da Célula de Vigilância Ambiental e de Riscos Biológicos de Fortaleza, explica que jogar lixo próximo a canais pode gerar a represa da água. “A responsabilidade do manejo do lixo é da Prefeitura, mas em parte também é da população. Esse é o problema que mais prejudica hoje em dia.”

“A melhor prevenção é não dar oportunidade para o mosquito nascer”, diz Suyanne. A pesquisadora critica o hábito da população de eleger um local próximo de casa, como uma esquina ou terreno baldio, para fazer o descarte irregular do lixo. “As pessoas pensam: ‘Ah, vou tirar o lixo da minha casa e vou botar ali naquele terreno baldio e estou livre’, mas o mosquito pode se desenvolver naquele terreno e ir para dentro da sua casa.”

Suyanne explica também que o Aedes aegypti “aprendeu” a viver dentro das residências das pessoas, ao contrário do Aedes albopictus, que prefere ficar na área peridomiciliar. Com a pandemia, agentes de endemias não puderam entrar nas casas da população para procurar focos de Aedes aegypti, aumentando ainda mais a responsabilidade da limpeza dos ambientes internos pelos próprios moradores.

 

 

A volta das visitas dos domicílios e onde denunciar pontos de lixo

Na Capital, pontos de lixo como os mencionados podem ser denunciados por meio do número 156, da central de comunicação da Prefeitura. Atualpa informa ainda que a população pode pedir serviços como limpeza de canais, córregos, riachos, entre outros locais que podem acumular lixo com água parada.

Com a diminuição dos índices de Covid-19 no Estado, os agentes de endemias voltaram a visitar domicílios em busca de focos e potenciais criadouros dos mosquitos transmissores das arboviroses. Os agentes usam máscara de forma obrigatória e apresentam o cartão de vacinação com o registro de aplicação das duas doses da vacina contra o coronavírus.

A nota informativa divulgada pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) e pelo Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) no dia 28 de setembro lista como um dos fatores considerados para a volta das visitas domiciliares é a predominância do sorotipo DENV 2 no Ceará.

Segundo a nota, este sorotipo, conhecido também como dengue tipo 2, “oferece maior risco e ocorrência de casos graves e óbitos, principalmente em crianças”. O DENV 2 já foi detectado em 26 municípios, conforme dados do boletim epidemiológico das arboviroses urbanas divulgado pela Sesa. Suyanne Freire de Macêdo, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual do Ceará (Uece), afirma que amostras deste sorotipo já foram confirmadas em 42 bairros de Fortaleza.

Para os agentes de endemia que voltarão a entrar nas residências, a orientação é que áreas com maior potencial de transmissão, como locais com alta densidade vetorial e recirculação do novo sorotipo dengue tipo 2 ou circulação simultânea de dengue, chikungunya e zika devem ser priorizadas.

 

 

Inseticidas devem ser utilizados com moderação

Com o objetivo de acabar com a presença dos insetos, usar inseticidas pode parecer a melhor opção para afastar os mosquitos indesejáveis de casa. No entanto, isso pode ter consequências para a saúde dos moradores da casa e para o meio ambiente. De acordo com Atualpa Soares, gerente da Célula de Vigilância Ambiental e de Riscos Biológicos de Fortaleza, os produtos químicos não podem ser utilizados indiscriminadamente.

“Isso pode gerar outros problemas de saúde, tanto humana quanto animal, para uma casa que tem gatos ou cachorros, entre outros problemas a longo prazo. Fora essa questão, pode gerar também problemas ambientais”, explica Atualpa.

Além disso, a pesquisadora da Uece Suyanne Freire de Macêdo explica que o uso desenfreado fez com que os mosquitos desenvolvessem resistência aos produtos químicos. “Isso faz com que o inseticida não tenha a eficácia esperada. Já existem estudos que mostram em vários locais do Brasil e do mundo que essa resistência vem creescendo.”

Para locais em que é necessário manter um reservatório de água, como em cacimbas, a pesquisadora diz que é possível usar “predadores naturais biológicos” dos mosquitos, como os peixes beta.

Já em relação à proteção individual, Atualpa indica o uso de telas nas janelas, véus que cobrem a cama e outras barreiras físicas entre os mosquitos e a pele. Suyanne também indica o uso de repelentes, reaplicados de duas em duas horas.

Agentes de combate a endemias no Parque Rio Branco no Bairro Sã João do Tauape, procurando focos de mosquito da dengue(Foto: Aurelio Alves/O POVO)
Foto: Aurelio Alves/O POVO Agentes de combate a endemias no Parque Rio Branco no Bairro Sã João do Tauape, procurando focos de mosquito da dengue

Em uma pesquisa sobre larvicidas naturais, a doutora em bioquímica Ana de Fátima Carvalho, professora aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC), descobriu que o extrato da semente de algumas plantas pode ser utilizado para acabar com o mosquito ainda na fase de larva.

“A gente encontrou atividade larvicida em várias plantas. A ideia é derramar o chá dessas plantas nas pocinhas perto de casa. Porque não é um produto tão tóxico para o ambiente. Como é baseado em plantas, já existe um sistema natural para ser degradado, diferente do inseticida comercial que se acumula no meio ambiente e vai prejudicando outros insetos que são importantes para a natureza”, esclarece Ana de Fátima.

Algumas das plantas utilizadas nas pesquisas foram alfavaca, capim-santo, cidreira, hortelã, limão, mastruz, agrião-bravo e até dentes de alho. Para preparar a solução e utilizar em águas paradas que não devem ser consumidas por animais ou seres humanos, basta ferver por 15 minutos 1 litro de água para cada três xícaras de folhas. As folhas também podem ser trituradas, misturadas à água e deixadas de molho por um dia para a preparação de um extrato.

 

 

Muriçocas também se proliferam em locais com acúmulo de lixo

Diferente do mosquito da dengue, os insetos da espécie Culex quinquefasciatus não precisam de água limpa para se reproduzir. Conhecido popularmente como muriçoca ou pernilongo, o Culex prefere colocar ovos em ambientes com água suja e com bastante matéria orgânica. Apesar de não existirem registros de doenças transmitidas pelo inseto em Fortaleza, segundo Atualpa Soares, o bicho incomoda a população com o zumbido, picadas e coceiras alérgicas.

Atualpa explica que os meses conhecidos como B-R-O Bró, ou seja, os meses de outubro, novembro e dezembro, são alguns dos mais quentes do ano. A temperatura elevada e a falta de chuvas, causando acúmulo de água suja em certos mananciais, ajuda na proliferação do mosquito. “Essa época é ideal para o aparecimento, devido às condições ambientais e climáticas.”

Quem sofre com alergias às picadas desses mosquitos passa a sentir maior necessidade de utilizar barreiras como roupas longas e repelentes nessa época do ano. Esse é o caso da estudante universitária Maria Carolina Galvão Silva, 20.

“Desde que me entendo por gente que eu tenho alergia. E era bem pior na verdade. Eu lembro que tinha que passar o dia inteiro de calça comprida, manga comprida, porque só o repelente não era suficiente”, relata. As picadas ficam vermelhas e criam feridas que por vezes têm de ser tratadas com antibióticos. A alergia de Carolina já foi motivo de uma ida ao médico alergologista, que confirmou a sensibilidade.

Quando as fêmeas dos insetos picam o ser humano, pequenos ferimentos são feitos na pele. Nesse momento, a saliva dos insetos entra em contato com a pele humana e as substâncias presentes nesta saliva podem causar as alergias. Em caso de reações alérgicas frequentes e fortes, a população deve procurar um médico especialista.

Apesar do controle de muriçocas não ser uma ação regulamentada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como ocorre com as ações feitas para combate aos vetores das arboviroses, Atualpa esclarece que a população também pode notificar infestações desses insetos à Prefeitura por meio do canal 156.

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