Talvez você já tenha perdido a noção do tempo enquanto realizava uma determinada atividade. Esqueceu de comer e até mesmo de que horas eram, se era dia ou se era noite, apenas estava totalmente hiperconcentrado na execução de uma tarefa. A condição relatada é chamada de estado de flow. Mesmo que nunca tenha ouvido falar em flow, é provável que você tenha vivenciado essa experiência. Trata-se de um estado mental que acontece quando uma pessoa realiza uma atividade e se sente totalmente absorvida em uma sensação de energia, prazer e foco total no que está fazendo.
Esse estado emocional, "estar em flow", ou seja, estar em fluxo, foi desenvolvido pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, que queria entender o que leva uma pessoa ao estado pleno de satisfação e motivação enquanto realiza uma atividade.
Para entender melhor do que se trata o estado de flow, O POVO buscou especialistas: a neurocientista Thaís Gameiro, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sócia da empresa Nêmesis, consultoria corporativa na área de neurociência organizacional; e a mestre em Neurociência Cognitiva e Comportamento, doutoranda em Ciências Médicas e professora dos cursos de Medicina e Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Campus Sobral, Eva Cristino. Elas explicam os principais pontos do que significa esse estado emocional, quais suas características, se ocorre de forma natural ou intencional, além de suas vantagens para a saúde mental.
O estado de flow é entendido como um momento de hiperconcentração, explica a neurocientista Thaís Gameiro. É um estado mental no qual uma pessoa está totalmente focada na tarefa que está realizando. Geralmente, essa atividade tem algum nível de prazer, ou seja, é algo que a pessoa gosta de fazer. Devido ao prazer, o envolvimento ocorre de forma mais rápida, e a pessoa é capaz de perder a percepção da passagem do tempo.
Antes de tudo, o estado de flow ocorre de forma natural. Entretanto, há algumas estratégias que facilitam a probabilidade desse estado acontecer. “Uma dica é não tentar fazer várias coisas ao mesmo tempo. Pelo contrário, você precisa buscar reservar um momento do seu dia para fazer uma única atividade e potencializar as chances de ficar concentrado. É importante, acima de tudo, que você tenha algum nível de prazer naquilo que está fazendo”, comenta Thaís.
Entrar em flow pode parecer difícil atualmente. Isso porque as pessoas estão muito à mercê de interrupções, como notificações no celular e ambientes com muita movimentação e distrações em geral. A neurocientista frisa que, para que uma pessoa consiga entrar em um estado de flow, é preciso que a atenção dela esteja direcionada apenas em uma tarefa específica, sem que se distraia com outros elementos do ambiente. Além disso, para que tenha êxito nesse estado mental, a atividade não deve ser algo desagradável para a pessoa. “Quando é uma coisa muito chata, que a gente não gosta, é mais raro que o estado aconteça”, destaca Thaís.
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A vantagem principal é a sensação de bem-estar, explica a neurocientista Thaís Gameiro. “Quando uma pessoa consegue produzir alguma coisa, seja em casa ou no trabalho, isso traz para o indivíduo uma sensação boa de bem-estar e contribui muito para a nossa saúde mental”, informa. Ainda segundo ela, quando uma pessoa está em estado de flow é como se ela estivesse no estado de hiperprodutividade. Com isso, ela fica muito mais atenta aos erros e mais capaz de fazer atividades em um espaço de tempo menor também.
Conforme Eva Cristino, esse estado emocional e mental vem sendo estudado há cerca de 25 anos. No entanto, ainda não há dados definitivos que comprovem sua eficácia médica, mas diversos estudos na psicologia e na medicina estão avançando sobre o tema. Ela destaca que os estudos se baseiam nos aspectos emocionais e cognitivos. Segundo a professora, dados de estudos preliminares sobre o tema apontam que as pessoas que conseguem aplicar o flow em algumas áreas do cotidiano acabam tendo resultados significativos com a prática. No entanto, a especialista ressalta que existem "inúmeras variáveis relacionadas à prática", e ainda é precipitado falar sobre a eficácia definitiva.
Eva destaca que os dois estados envolvem a atenção, mas o que difere um do outro é o direcionamento dessa atenção. Um é voltado para si (mindfulness) e outro para execução de uma atividade específica (flow).
No Mindfulness, ocorre um exercício de atenção plena, de concentração no momento presente, de controle dos sentimentos, das emoções e da atenção no ambiente, por meio da percepção sensorial, onde é observado, por exemplo, o local onde estamos sentados, a pressão do corpo na cadeira até a velocidade da respiração. “É um conjunto de técnicas que vão te ajudar a focar no momento presente. Um exemplo é a prática de ioga, onde há o controle da atenção e da respiração. Nesse estado, é um processo de consciência de si do que propriamente em uma atividade que você esteja desempenhando. O olhar é voltado para sua própria consciência do que para uma atividade externa", pontua a psicóloga.
No Flow, ocorre a execução de uma atividade prazerosa com foco, a qual irá exigir habilidades para a realização da tarefa, como cozinhar, ler um livro ou finalizar um projeto. “O flow tem uma atividade relacionada. Quando você está em estado de flow, necessariamente você está executando alguma tarefa, seja artística, esportiva, acadêmica. Você está executando alguma coisa que exige habilidades. No flow, existem duas palavras: habilidades e desafio”, explica Eva.
O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, no seu estudo do flow, explica que toda e qualquer atividade é capaz de promover esse estado emocional de foco total. “Existia o mito que só atividades intelectuais ou atividades criativas gerassem esse tipo de estado, mas não é verdade. Qualquer atividade, desde a mais básica até a mais operacional, ou as mais intelectuais, podem gerar um estado de flow. Desde de arrumar a casa, um armário, lavar uma louça até produzir um relatório ou produzir um projeto, tudo isso é capaz de gerar o estado de flow, desde que a pessoa se sinta de uma maneira conectada com aquilo que ela esteja fazendo, isso que é importante. Lembrando sempre da sensação de bem-estar na atividade”, explica Thaís Gameiro.
Uma das formas de você trazer um pouco mais de bem-estar para as pessoas é justamente que elas tenham na sua rotina a experiência do estado de flow com mais frequência, comenta a neurocientista Thaís Gameiro. "Esse é um estado bem raro, cada vez mais as pessoas não têm essa percepção de estarem imersas em uma coisa porque a gente está sendo bombardeados com milhares de informações, com celular com notificações, interrupções, excesso de trabalho. Tudo isso são fatores que trazem ansiedade e dificultam a gente viver este momento de hiperconcentração. Viver no estado de flow é uma forma de a gente diminuir a sensação de ansiedade e estresse que acabam impactando a saúde mental das pessoas", cita.
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