Com quase 4,4 milhões de viagens realizadas e 192 estações, o Bicicletar se tornou um elemento comum na rotina de vários fortalezenses. O sistema de bicicletas compartilhadas passou a ser um meio de transporte para distintas situações, como o percurso compreendido entre casa e trabalho, além de deslocamentos cotidianos ao supermercado ou à academia, por exemplo. O número de reclamações sobre a qualidade do serviço, no entanto, segue recorrente entre os usuários.
Problemas mecânicos na bicicleta — como freio mal-regulado, corrente caindo e pneus murchos — estão entre as principais reclamações realizadas por usuários do Bicicletar ouvidos pela reportagem. Encontrar estações vazias, ou ainda sem vagas para devolver a bicicleta, também são outros desafios para quem decide usar o modal em seus deslocamentos.
O POVO realizou, na manhã do último dia 25, um trajeto entre três estações do Bicicletar para verificar a qualidade das bicicletas e das estações, assim como a malha cicloviária utilizada pelos ciclistas. O trajeto foi iniciado na estação em frente ao supermercado Carrefour da avenida Antônio Sales, seguiu para a estação do Shopping Benfica e terminou na estação Érico Mota, na avenida Bezerra de Menezes.
Em relação às bicicletas utilizadas, não houve grandes complicações, mas sim alguns problemas pontuais. No primeiro trecho, a cesta da bicicleta não estava bem presa e ela estava sem o descanso (pezinho). Já no segundo trajeto, trocado o equipamento, a bicicleta estava fazendo rangidos estranhos, mas não interferiu no uso. Em ambos os casos, não houve problema para retirar ou colocar a bicicleta na estação, incluindo a disponibilidade de vagas.
Nas estações visitadas, foi possível identificar algumas bicicletas que apresentavam problemas. Pelo menos duas delas estavam com pneus murchos, uma estava com a corrente caída e outra estava com o selim danificado. A maioria, porém, aparentava estar em boas condições, a partir de uma checagem geral.
Sobre a malha cicloviária, o segmento da rua João Brígido estava com o asfalto da ciclofaixa irregular, e a bicicleta trepidava bastante. Nas outras partes, as condições das ciclovias (avenidas Carapinima e Bezerra de Menezes) e ciclofaixas (Senador Pompeu e Domingos Olímpio) estavam satisfatórias, com problemas ocasionais em alguns trechos — especialmente rachaduras no chão e passagens estreitas.
Foi ainda necessário realizar uma parte do percurso em áreas sem vias exclusivas para ciclistas. Um exemplo foi entre a rua Senador Pompeu e a estação do Shopping Benfica, em que a passagem — cerca de 750 metros — foi feita por meio da rua Padre Miguelino. Nesse caso, havia ainda a opção de ir pela avenida 13 de Maio, mas a decisão foi por uma rua com menor fluxo de carros. No início, para sair da avenida Antônio Sales e acessar a rua João Brígido, também foi necessário pegar um trecho sem ciclovia, na avenida Barão de Studart.
A falta de arborização em parte significativa do trajeto também foi um problema e sombras mais generosas foram encontradas majoritariamente entre as avenidas Domingos Olímpio e a Bezerra de Menezes. No total, o percurso foi realizado entre 9h10min e 10h44min da segunda-feira, 25 de outubro de 2021.
No fim da pauta, a reportagem tentou pegar uma bicicleta para voltar para casa na estação da Praça do Ferreira, no Centro, mas enfrentou um dos problemas relatados pelos usuários do sistema. Na ocasião, a bicicleta apareceu como liberada na interface do sistema, mas continuou presa à estação. O passe utilizado para fazer a retirada seguiu constando como se a corrida estivesse em andamento e não foi possível fazer uma outra tentativa para tirar a bicicleta - a orientação é contatar a assistência pelo telefone 0800-500-9901. A solução, portanto, foi procurar outra forma de se locomover para casa.
Há um ano e quatro meses, o Bicicletar passou a ser o principal meio de transporte do jovem aprendiz Pedro Roque, de 19 anos. Morador do bairro Bela Vista, em Fortaleza, ela usa o sistema de segunda a sexta-feira para chegar ao seu local de trabalho, no bairro Benfica. Na maioria das viagens, Pedro diz que não tem problemas com as bicicletas, mas aponta que há algumas exceções. “Às vezes eu percebia que o pneu estava furado só quando estava andando na bicicleta. Já em outros casos, a marcha não mudava e eu tinha que ir na mais leve durante todo o percurso”, conta.
Roque critica ainda a falta de estações próximas em alguns pontos da Cidade, especialmente na região oeste, onde mora. “Nesses bairros, como Parquelândia e Conjunto Ceará, existem as estações, mas ficam muito espalhadas. Isso dificulta, porque se não tiver uma bicicleta em uma das estações você precisa andar muito para chegar em uma outra e às vezes nem consegue pegar”, explica. Ele reconhece, porém, que a nova função para reservar a bicicleta durante cinco minutos tem auxiliado a garantir a retirada após o trajeto a pé entre as estações.
Já a estudante de Direito Maryana Cordeiro, 25, foi encontrada pela reportagem na avenida Bezerra de Menezes, quando estava voltando para uma estação empurrando a bicicleta, após perceber que estava com a corrente caída. “Algumas vezes (as bicicletas) estão bem ruins e outras vezes estão em bom estado de uso”, considera. Ela costuma usar o sistema em uma média de cinco vezes por semana para se deslocar entre três bairros: Parquelândia, Damas e Praia de Iracema.
“Uma das melhorias que deveriam existir no sistema é uma maior facilidade de acesso. Em alguns casos você precisa contar com a sorte, porque muitas vezes o sensor do Bilhete Único não funciona e você fica dependente do aplicativo. É necessário sempre estar com o celular e torcer para que a internet esteja boa na hora”, reclama a estudante de Direito.
Em relação à disponibilidade de bicicletas e vagas nas estações, ela conta que não costuma ter problemas para fazer a retirada, mas em alguns casos precisa buscar outras estações na hora da devolução. “A estação do North Shopping, por exemplo, é muito lotada. Fica difícil encontrar vaga na hora de encerrar a viagem”, comenta. Durante a pandemia, a estudante alerta ainda para que as pessoas se previnam quando forem usar o sistema. “Eu sempre ando com álcool em gel, porque todo mundo usa essas bicicletas, então tem esse perigo”, pondera.
No Centro da Capital, O POVO também recebeu reclamações da qualidade do serviço. O obreiro Antônio José Pereira, 27, explicou a dificuldade de conseguir bicicletas em pontos de grande fluxo da região, como as praças do Ferreira, da Bandeira e José de Alencar. “Para pegar uma bicicleta boa hoje, é preciso rodar entre quatro a cinco estações a pé. Se você está apressado, é melhor buscar outras formas de se deslocar”, aconselha.
O Bicicletar apresenta-se como um “aliado essencial” na política de mobilidade urbana de Fortaleza, conforme defende a pesquisadora Maria Vanderli Sales Eufrasio em monografia sobre o sistema apresentada neste ano no curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela defende que o uso da bicicleta mostra-se como uma forma eficaz para complementar o transporte público coletivo e cobra que a política seja implementada de forma equânime em todos os bairros da Cidade.
“Este programa ainda possui um sentido socializador, como nos exemplos de uso solidário e economia solidária que conduzem a comunidade a ter respeito pelo bem público e ao sentimento de vizinhança, de sociabilidade e cidadania participativa. Devido a aceitação da população fortalezense ao programa, a disponibilidade das bicicletas na cidade tem crescido como opção de locomoção em meio à turbulência de suas vias”, pontua Eufrasio.
Para o professor Mário Azevedo, do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), o sistema funciona como uma “porta de entrada” para as pessoas que desejam testar o modal no seu cotidiano. Essa experiência, segundo o especialista, se intensifica à medida que acontece um aumento da infraestrutura cicloviária e uma maior presença de bicicletas na Capital.
“A partir do Bicicletar, é possível ver se a bicicleta é adequada para seu uso diário e decidir se a compra de uma (bicicleta) própria é válida”, explica Azevedo. Sobre os problemas de uso ainda relatados por usuários, o professor analisa que manter um equipamento público funcionando é algo trabalhoso e defende que a empresa que gere o sistema deve se basear nos dados das viagens para fazer melhorias.
“É preciso estudar a redistribuição das bicicletas, por exemplo, para evitar estações totalmente cheias ou vazias — ainda que em alguns casos esses problemas continuem acontecendo”, argumenta. O docente acrescenta ainda que Fortaleza é uma cidade que “levou bem a sério” a recomendação de ampliar os transportes ativos e não motorizados. “Realizando manutenção nas estruturas das vias e também em lugares onde se pode chegar com a bicicleta para guardar, é possível manter as coisas funcionando”, enfatiza.
Em nota, a Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), pasta da Prefeitura de Fortaleza responsável pela administração do Bicicletar, afirmou que a empresa Serttel, operadora do sistema, sempre realiza de imediato a troca do equipamento danificado, quando é notificada ou identifica algum problema. Com base na falha, a empresa ainda investiga a situação para tomar as devidas providências, conforme a gestão pública.
Atualmente, todas as estações do Bicicletar contam com câmeras de videomonitoramento e as imagens podem ser utilizadas para acompanhar os casos. A SCSP orienta ainda que a população ligue para o telefone 0800-500-9901 caso precise solicitar informações, denunciar o uso incorreto ou danos aos equipamentos do sistema. Questionada, contudo, a gestão pública não respondeu dúvidas da reportagem sobre a logística de redistribuição de bicicletas entre as estações e os problemas relatados em relação ao sensor do Bilhete Único.
Em outubro deste ano, as estações do Bicicletar mais utilizadas pelos fortalezenses, foram respectivamente: Náutico (Meireles), Aterro da Praia de Iracema, Aterrinho da Praia de Iracema, Mercado dos Peixes (Mucuripe) e Shopping Benfica. Não foi divulgado o número de viagens realizadas em cada local.
Já o Bicicleta Integrada, iniciativa de bicicletas compartilhadas em terminais de ônibus da cidade, foi descontinuado pela prefeitura. Em nota, a gestão explicou que pesquisas realizadas pela administração municipal, indicaram que o perfil de uso do Bicicletar já atendia a procura por bicicletas compartilhadas. A ideia do sistema era possibilitar a permanência de até 14 horas com a bicicleta.
Sobre os problemas da rua João Brígido, a pasta informou que uma equipe técnica da Gestão Cicloviária já realizou uma vistoria técnica no local e encaminhará a demanda nos próximos dias para resolução junto à Secretaria da Gestão Regional (Seger). Conforme a Prefeitura, a manutenção e a renovação de sinalização de ciclofaixas e ciclovias já existentes é realizada constantemente, assim como a recuperação da pavimentação dessas infraestruturas.
Para solicitar recuperação de vias e informar danos às infraestruturas cicloviárias, a população pode acionar a prefeitura gratuitamente pelo telefone 156. Neste mês, Fortaleza conta com 405,8 km de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas espalhadas por todas as regiões da Cidade. De acordo com a prefeitura, apenas neste ano, 50 quilômetros foram implantados, sendo 23,8 km nos últimos quatro meses.
O POVO buscou a Serttel para questionar sobre os problemas relatados pelos usuários, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. O contato foi realizado nessa quarta-feira, 27, por meio de e-mail disponibilizado no site oficial da empresa. Na sexta-feira, 29, a reportagem também tentou ligar para um telefone disponível no site, mas não teve ligações atendidas ou retornadas.