A prematuridade acontece quando os bebês nascem antes da 37ª semana de gestação. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os prematuros extremos são aqueles que nascem antes das 28 semanas. Os que nascem entre 28 e 32 semanas são muito prematuros, e os chamados prematuros moderados ou tardios são aqueles que nascem entre 32 e 37 semanas de idade gestacional. Neste mês, a campanha global Novembro Roxo quer conscientizar sobre a questão da prematuridade.
Em média, ocorrem 340 mil nascimentos prematuros por ano no Brasil, que ocupa a 10º posição no ranking mundial. Um dado preocupante, pois, segundo a OMS, a prematuridade é a principal causa da mortalidade infantil no País. Os bebês nesa condição são mais vulneráveis a algumas doenças e infecções, principalmente respiratórias, pois os pulmões são os últimos órgãos a se formarem.
São várias as causas da prematuridade, as mais comuns são as doenças maternas, principalmente hipertensão arterial e infecções, gestação múltipla, malformações fetais, entre outras. De acordo com Denise Leão, fundadora e diretora executiva da ONG Prematuridade.com, as causas estão relacionadas ainda a questões socioculturais, como a gestação na adolescência e a falta do pré-natal. Além disso, outro fator de risco são as cesáreas. “Os partos agendados sem indicação técnica acabam trazendo ao mundo bebês prematuros. Isso tem a ver com o tabu em relação ao parto normal”, afirma.
O Brasil é o primeiro no ranking dos que mais realizam a cirurgia cesariana dentre os países da América Latina. Nos hospitais privados, o número de partos cesáreos chega a 85%, segundo o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sisnac). Conforme a OMS, somente 15% dos partos deveriam ser cirúrgicos.
São muitos os riscos do parto prematuro para um bebê. A neonatologista e coordenadora médica do Centro de Neonatologia do Hospital Geral César Cals (HGCC), Daniele Vitoriano, explica que a criança que nasce antes do período completo da gestação pode sofrer asfixia perinatal, maior risco de infecção precoce, hemorragia intracraniana, alteração do crescimento, atraso no desenvolvimento sensorial, motor e cognitivo, além de um maior risco de morte nos primeiros cinco anos de vida. "A longo prazo, o nascimento prematuro pode causar problemas psíquicos e doenças crônicas, como diabetes e doenças cardiovasculares", disse.
Além disso, de acordo com a neonatologista, os cuidados com o bebê prematuro se iniciam ainda na sala de parto, que deverá ser assistido por um neonatologista, apto a dar a assistência preconizada nesses casos. "Após o parto, o bebê é encaminhado à unidade neonatal com todo o aparato de equipamentos e com uma equipe multiprofissional especializada, composta por neonatologistas, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos e assistentes sociais", explica.
Apesar de não haver ainda um número oficial do Ministério da Saúde (MS), há muitos relatos do aumento de casos de nascimentos prematuros durante a pandemia da Covid-19, segundo a fundadora da ONG Prematuridade.com. “Parte disso ocorre porque o acometimento das gestantes no terceiro trimestre de gestação pela Covid-19 tem causado um parto prematuro. A gestação é um período que já demanda mais da fisiologia da mulher, a chance de acontecer uma complicação na gravidez como um parto prematuro é maior”, afirma Denise.
No Hospital Geral César Cals, houve um aumento de 11% de casos de nascimentos prematuros entre os meses de janeiro e outubro de 2021, em comparação ao mesmo período de 2020, conforme a neonatologista Daniele Vitoriano. Durante esse período da pandemia, o HGCC se tornou referência estadual no atendimento de partos prematuros, o que justificaria o aumento, segundo Daniele.
Com destaque para o Dia Mundial da Prematuridade nesse dia 17, a campanha Novembro Roxo deste ano tem como tema a "Separação Zero". De acordo com Denise, além dos casos de mortalidade materna, os prematuros foram impactados pelo distanciamento dos pais e familiares durante a pandemia da Covid-19. “Os pais ficaram com entradas restritas na UTI, o que é uma situação perigosa porque a presença física age como um remédio para o bebê. A família faz parte do processo de cuidado do bebê prematuro, além de ser um direito descrito no Estatuto da Criança e do Adolescente”, pondera.
De acordo com a OMS, a separação das mães e bebês os coloca em maior risco de morte e complicações de saúde ao longo da vida. O método canguru, recomendação oficial da OMS, reforça a importância do contato próximo dos recém-nascidos com os pais. Isso porque o contato pele a pele precoce e prolongado com um dos pais demonstrou reduzir a mortalidade infantil em até 40%, a hipotermia em mais de 70% e as infecções graves em 65%, segundo estudo da Organização.
Bento Corrêa Nóbrega nasceu pesando 750 gramas. A mãe Natália Corrêa, 38, precisou ser internada com 24 semanas de gestação por causa de picos de pressão alta. A gestante estava com pré-eclâmpsia. Além disso, o bebê não estava se desenvolvendo, pois o cordão umbilical não o nutria como deveria, o que poderia causar sofrimento fetal por falta de nutrientes. Os médicos informaram que seria necessário um parto prematuro, mas tentariam adiar o máximo possível para que Bento pudesse se desenvolver mais. Com 26 semanas de gestação, foi necessário fazer o parto porque o bebê e a mãe estavam correndo risco. Logo após o nascimento, Bento foi internado na UTI Neonatal do Hospital Regional Unimed, no bairro São João do Tauape.
Durante a internação, o foco era o ganho de peso e o amadurecimento dos órgãos. O pulmão do recém-nascido estava muito imaturo, e ele precisou usar CPAP (dispositivo de pressão contínua nas vias aéreas) como suporte de oxigênio por 42 dias, depois ficou com um catéter com menos fluxo de oxigênio por mais 40 dias. Devido à insuficiência respiratória, ele precisou ainda de duas transfusões de sangue, tomar medicações diuréticas e passou por fisioterapia respiratória durante todo o período na UTI. A rotina da mãe era de ir ao hospital diariamente para ficar com o filho.
A UTI disponibilizava o horário das 8 às 20 horas para permanência dos pais, e Natália ficava lá quase o dia inteiro. “No início só podia tocar nele dentro da incubadora, eu passava tempos conversando e cantando para ele, enquanto checava o monitor a toda hora. Também ordenhava meu leite para ele tomar via sonda. Era muito difícil vir pra casa e deixá-lo lá todos os dias. Minha cabeça sempre estava na UTI, dormia pouco e mal. Sempre que estava em casa ficava de olho no telefone, cada número desconhecido que me ligava eu achava que era do hospital com más notícias. Todas as manhãs quando chegava no hospital, eu ia direto para a UTI com o coração na mão, tinha medo de ele não estar mais lá ou ter acontecido algo grave à noite", lembra.
Foi quando começaram a fazer o método canguru que Natália pôde se sentir um pouco mais mãe do Bento por poder tocar, ninar e cuidar do seu bebê de alguma forma. Ela afirma ainda que o cansaço psicológico naquele período era muito maior que o físico. "Fizemos muitas amizades, e a cada bebê que não sobrevivia eu chorava e sentia a dor da mãe como se fosse comigo. A cada alta ficava entusiasmada e feliz, mas sempre com uma pontinha de tristeza pensando em quando seria a nossa vez", relata.
No dia 15 de outubro, após 89 dias na UTI Neonatal, chegou a vez de Bento ir para casa. Para a mãe foi um misto de ansiedade e medo. Ela se preocupava em como ia saber se o bebê estava bem sem a ajuda dos monitores. "Não consegui dormir nos primeiros dias, não saía do lado dele, checando a respiração a toda hora. Foram dias difíceis, pois depois de tanto tempo na UTI, era um período de adaptação para ele também. Agora estamos nos ajustando à nova rotina. Ele tem uma sequela pulmonar, então precisamos estar atentos à limpeza da casa e restringimos visitas. Saímos apenas para ir ao médico ou dar vacinas. Ele está ganhando peso a cada dia, e eu não canso de olhar para o meu milagrinho e agradecer a Deus por ele estar conosco".
Ana Laura também nasceu com 26 semanas de idade gestacional, pesando apenas 460 gramas. Durante ultrassom, a mãe Dayana Mendonça, 30, foi informada de que havia uma restrição no crescimento da filha devido ao fluxo sanguíneo lento, o que a levou para a internação, com o objetivo de prolongar a gravidez até 33 semanas. No entanto, no 27° dia de internação, a gestante teve um descolamento de placenta que ocasionou o parto prematuro. Logo após o parto, a recém-nascida foi internada na UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Eugênia Pinheiro, no Centro.
Ana Laura passou por diferentes complicações no período em que esteve internada. Após três meses do seu nascimento, quando atingiu o peso necessário, ela passou pela primeira cirurgia de tratamento de retinopatia da prematuridade, doença vasoproliferativa da retina, considerada uma das principais causas de cegueira evitável na infância. Além disso, logo após o tratamento cirúrgico, a bebê foi acometida por uma pneumonia. Ana teve ainda, durante a internação, quatro processos infecciosos, uma contaminação por bactéria, passou por duas transfusões de sangue e posteriormente uma segunda cirurgia.
A filha de Dayana já havia passado mais de quatro meses entubada devido à dificuldade para respirar. A segunda cirurgia, uma ligadura do canal arterial, seria para ajudá-la a sair do respirador, explica a mãe. "Não foi nada fácil, quando voltou do centro cirúrgico ela teve várias crises de hipertensão pulmonar, além de uma parada. Com três dias de pós-cirúrgico ela ficou bem. Era angustiante ter que deixá-la no hospital. Voltar para casa sem ela não era nada fácil, e quando essa dor apertava eu dormia no hospital mesmo, só para olhar pela porta daquela UTI a noite toda", lembra.
Após 21 dias de uma recuperação tranquila, Ana Laura passou por uma piora no seu estado de saúde. Precisou ser ligada a um respirador e a um balão de oxigênio. Segundo o relato da mãe, foi um período de muita aflição, os médicos chegaram a alertar a família sobre o risco de óbito. No entanto, a pequena surpreendeu os médicos e reverteu o seu quadro.
Depois de sete meses e 28 dias de internação na UTI Neonatal, Ana Laura não saiu com sequelas. Agora ela está em casa e vem evoluindo bem, conforme a mãe. Além disso, tem sido acompanhada por fisioterapeuta, fonoaudióloga domiciliar e pediatra. "Não existe sentimento melhor que estar em casa com ela aqui. Todas as noites eu fechava os olhos e profetizava a Deus minha filha em meus braços, no berço dela, e hoje tudo que eu mentalizava espiritualmente estou realizando. Por incrível que pareça eu choro todas as noite por olhar ela dormindo ao meu lado. Eu choro de felicidade o que um dia chorei para que Deus desse a vida dela", afirma.
>> Ponto de vista
Li uma frase no nosso grupo de mães da UTI neonatal que diz assim: mães de prematuros são escolhidas por Deus para testemunhar um milagre. Foi assim que me senti com o nascimento do João Arthur. Em fevereiro de 2021, eu estava prestes a completar sete meses de gestação quando fui submetida a um ultrassom de rotina, e o médico responsável afirmou que meu filho estava bem abaixo do peso, pediu que eu fosse, com urgência, para a maternidade. Eu e o pai dele quase batemos o carro de tão nervosos. Na emergência, fui submetida a um novo ultrassom que confirmou o que o primeiro médico já havia falado. Meu bebê estava com restrição de crescimento, e eu precisava ser internada naquele momento. Minha barriga era miúda, eu não tinha arrumado a sacola da maternidade ou feito o ensaio de gestante, mas ali eu só pensava em ter logo o meu bebê, pois afirmaram que ele estava em sofrimento fetal e sem receber os nutrientes necessários.
No dia seguinte o Arthur completava sete meses. Eu fui submetida a uma cesárea de emergência, e ele nasceu com 790 gramas. Não consegui pegá-lo em meus braços, ele foi direto para a incubadora. No dia seguinte eu fui de cadeira de rodas para a UTI Neonatal, ambiente que tornou-se minha segunda casa durante longos 52 dias. Ouvi no boletim médico que meu bebê era de risco e muito pequeno. Aprendi a não contar os dias, mas contar as graminhas que ele ganhava. Vi meu filho entubado e sai aos prantos, mas na semana seguinte o vi respirando sozinho. O momento que a enfermeira retirava o João Arthur da incubadora e o colocava nos meus braços por alguns minutos era o melhor momento da minha existência. A gente estava em meio à Covid-19. Eu ia todos os dias para a unidade de saúde e ordenhava o peito em um potinho esterelizado que era depositado na sonda do João.
Chegar em casa da maternidade todos os dias sem o meu bebê parecia um pesadelo sem fim. Eu vi bebês falecendo, as mães saindo com seus pequenos sem ter a oportunidade e levar o seu milagre para casa. Vi pais buscando os bebês sozinhos, pois as mães tinham falecido de Covid. Vi tias indo visitar, pois o bebê havia ficado órfão. Mas eu também vi amor, as mães se ajudando e confortando umas as outras, vi mesversário na UTI. Eu vi mães cansadas dormindo na recepção, pois moravam no Interior e não tinham condições de voltar para casa, mas não queriam ficar longe das suas crias. Eu tive Covid, fiquei afastada do Arthur durante 15 dias, um sofrimento que só não foi pior, pois ele não contraiu o vírus. Precisei ficar isolada, a saudade era grande.
Então chegou aquele dia tão especial, que eu me vi entrando na UTI depois do isolamento e reencontrei o meu pequeno. Naquele dia mesmo ele teve alta e fomos para casa, unidos. Foi a melhor noite de sono da minha vida. Tinha meus dois filhos ali perto de mim. Nossos bebês são diferentes, tem duas idades, a cronológica e a corrigida. Nosso leite seca devido ao estresse que passamos no puerpério, devido à falta do contato. Enfrentamos rotinas exaustivas de hospitais, exames, consultas e o medo de perder nosso bebê. Ver meu filho acordar todos os dias pra mim é uma vitória. A luta dele pela vida foi um dos maiores ensinamentos que nossa família poderia levar para nossa história. E a imagem dele tão pequenino, naquele espaço e cheio de aparelhos, vai ser sempre um sinal de luta, de amor e coragem.
Jéssika Sisnando é jornalista do O POVO
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