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Fenômenos musicais: a democratização do sucesso na internet
Reportagem Especial

Fenômenos musicais: a democratização do sucesso na internet

A internet tem permitido que pessoas saiam do anonimato e conquistem fama, de maneira independente e modificando o mercado fonográfico atual. No cenário da música brasileira atual, cearenses se destacam nas redes sociais e em plataformas de streaming

Fenômenos musicais: a democratização do sucesso na internet

A internet tem permitido que pessoas saiam do anonimato e conquistem fama, de maneira independente e modificando o mercado fonográfico atual. No cenário da música brasileira atual, cearenses se destacam nas redes sociais e em plataformas de streaming
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A internet pode até ser uma terra de ninguém, como já dizia o quase ditado popular. Mas o que tem sido visto nos últimos anos, por outro lado, são personagens reivindicando e ganhando espaços e arrebatando milhares de fãs na web. Dominando algoritmos, estratégias de lançamento e proporcionando engajamento aos seus trabalhos, os fenômenos musicais estão fazendo hits e verdadeiras carreiras profissionais a partir das redes sociais.

Do trap de Matuê, ao forró de Matheus Fernandes, passando ainda pelo rap geek de VMZ, o Ceará aparece com representantes de peso no cenário da música atual. Donos de hits virais, são artistas que dominam como ninguém as redes sociais, por onde alcançam diferentes tipos de perfis e impulsionam suas produções em plataformas de streaming.

 

Além deles, muitos outros nomes surgem com destaque no universo musical após ganharem o clamor das redes sociais. E isso talvez possa evidenciar uma mudança bastante significativa no mercado fonográfico: a independência artística.

“Não dependemos mais de uma grade de programação midiática escolhida por um grupo de empresários”, diz a jornalista Lígia Sales. Mestra em Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ela explica que essa é a “cultura de participação”, a qual permite a ação ativa e sem intermediários por parte do público consumidor.

Percebendo os espaços que a internet abre para manifestar suas alegrias ou insatisfações de maneira rápida e direta, Ligia explica que os usuários das redes sociais hoje sabem que o poder de comunicação não está centralizado nas mãos de uma minoria. E assim passam a legitimar aquilo que elas se interessam, vivem e acreditam.


Nos restringindo à música, a internet vem como um meio de difundir aquele trabalho. “A internet cria o contato e ajuda a memorizar”, diz o consultor de marketing digital W. Gabriel. Segundo ele, os altos números de seguidores em plataformas como TikTok, Instagram ou YouTube podem parecer espontâneos, mas não o são. Há uma série de estratégias para retirar artistas do anonimato e alçá-los a outros patamares. Abaixo, confira os "passos rumo ao caminho do sucesso online", de acordo com W. Gabriel.

 

Em tempos de dancinhas virais e de multiplataformas, criar uma música atualmente vai muito além do encaixe da letra no beat. Quando o artista está prestes a lançar um novo som, todo um trabalho paralelo é realizado para despertar a curiosidade, o interesse e o engajamento dos fãs.

Sócio da Hash Produções, Rafael Novaes explica que para fazer uma música se tornar hit é necessário diversas ações em conjunto. “A molecada que está começando acha que é só fazer uma música, colocar uma identidade visual boa e soltar na plataforma que ‘vai bater’. Se você não tiver um investimento de divulgação, uma estratégia boa, o caminho vai ser mais difícil”, menciona.

De berço nordestino, a Hash é uma produtora de rap que conta com mais de 394 milhões de visualizações só no YouTube, onde publica o trabalho de seus 5 artistas – todos da região (quadro abaixo). Junto com cada um deles, são traçados planos de lançamentos que envolvem diferentes frentes, desde prévias "Espécie de 1vazamento' ou 'degustação' de parte de uma música como forma de gerar o interesse dos fãs." , pre-save "Mecanismo de engajamento de público que algumas plataformas disponibilizam para artistas, visando suas campanhas de lançamento."  e ADS "Palavra do inglês que significa anúncio com intuito de promover um produto, um serviço, uma marca ou uma ideia. Neste caso: uma música."  à construção da persona do artista – isso para tentar trazer a identificação do público para com ele.

 

Ainda conforme Rafael Novaes, o planejamento seja talvez o principal fator que viabilize a longevidade da carreira de um artista. O pensamento é acompanhado por Guilherme Matos, CEO da HitBill Management, empresa que trabalha na gestão comercial e administrativa de diferentes cantores.

Ele menciona que a internet foi o que fez o mercado da música mudar, no entanto é preciso estar atento para que o artista não “passe voando” para fora do meio. “Da mesma forma como existem artistas com carreira e planejamento a longo prazo, tem aqueles com carreira descartável. Então a internet facilita você mostrar o seu trabalho, mas ela também exige que você tenha uma estrutura profissional por trás”, menciona.

 

 

“Dá pra fazer dancinha?”: planejamento e acaso

 

O Ceará surge no cenário fonográfico atual com certo destaque, a partir do sucesso de muitos de seus artistas. E o maior deles em termos de números no Spotify, Matheus Fernandes tem como forte aliado o engajamento dos fãs que, além de estarem atentos e ativos nas plataformas de streaming, entram no jogo e no ritmo para divulgar suas músicas.

Em novembro, o fortalezense de 29 anos ultrapassou a marca de 7,8 milhões de ouvintes mensais, deixando para trás nomes como Wesley Safadão (7,5 milhões), Tarcísio do Acordeon (7,2 milhões), Avine Vinny (6,4 milhões) e Matuê (6 milhões). Confira o ranqueamento abaixo:

 

O sucesso do cantor, entre outros motivos, pode estar atrelado a duas músicas que se tornaram virais em redes sociais como TikTok, Instagram e YouTube. “Baby Me Atende”, lançada em parceria com o pagodeiro Dilsinho, e “Coração cachorro”, em parceria com Avine Vinny, somam juntas mais de 195 milhões de plays só no Spotify.

Empresário do ramo musical há mais de 20 anos e ligado à carreira de Matheus Fernandes, Eberth Santos conta que o processo de criação de ambos os trabalhos ocorreu de maneira natural para padrões da indústria fonográfica de hoje. Nada de especial, pensando em redes sociais, foi pensado previamente. “Mas depois que as músicas foram materializadas, fomos pensar em quais segmentos trabalhar na divulgação”, afirma Betinho, como também é conhecido.

 

“Essa música dá pra fazer dancinha?”, foi um dos questionamentos feitos pela equipe de Matheus Fernandes no momento em que se pensava fazer a divulgação dessas músicas, conforme relembra Betinho, que é sócio das empresas D&E Entretenimento e 7tons Eventos.

“Já faz parte hoje da nossa rotina, seguir uma ‘cartilha’, quase um passo-a-passo que precisa ser feito no lançamento de uma música. Óbvio que nem todas vão ter um desdobramento e portanto não vale um investimento. Mas a música nunca vai deixar de ser arte, sempre vai ser misteriosa. Às vezes tem música que ninguém acredita e vira um sucesso absurdo. A gente precisa estar atento”, completa.


 

O que mudou no mercado fonográfico?

 

Marcos Sampaio, explica que a internet supriu a necessidade de um artista ser descoberto por uma gravadora e fazer sucesso(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Marcos Sampaio, explica que a internet supriu a necessidade de um artista ser descoberto por uma gravadora e fazer sucesso

“Há algumas décadas, o que existia era uma hegemonia das gravadoras”, esclarece o editor do Vida&Arte, Marcos Sampaio. Segundo ele, até era possível ser um artista independente e fazer uma produção própria, mas torná-la conhecida era bem mais difícil e caro.

A gravadora, antes, não iria apenas divulgar o trabalho dos cantores, ela iria financiá-los. Desde o vestuário até uma participação em um programa da televisão aberta, nada disso precisaria ser responsabilidade do artista. Após o contrato, o artista seria “preparado” para iniciar sua carreira.

Hoje o papel dessas empresas mudou. As redes sociais e os softwares de edição facilitaram a criação e publicação de conteúdo. Afinal, o preço do material necessário para fazer um remix simples, ou seja, um computador e um celular, é menor do que para confeccionar um CD, por exemplo. O músico, então, perde a necessidade de ser “descoberto” para ter uma chance de fazer sucesso.

A partir desse cenário, as gravadoras, já sabendo do potencial do cantor, vão garantir a distribuição e a propaganda. É agora uma via de mão dupla. O artista pode se filiar a uma empresa para ampliar sua visibilidade e, em troca, produzir um conteúdo vendável. “Caetano Veloso é um cantor independente. Ele grava o disco do jeito que quiser, vai na gravadora e pergunta: vocês querem vender isso aqui? A gravadora pega o disco pronto e distribui pelo mundo”, exemplifica o editor.

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