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Cientistas podem ter descoberto por que sobrepeso é fator de risco para Covid-19
Reportagem Especial

Cientistas podem ter descoberto por que sobrepeso é fator de risco para Covid-19

A chance mais acentuada de pessoas acima do peso ou obesas desenvolverem casos graves da doença ou da Covid-19 de longa duração estaria ligada às células de gordura, segundo apontam pesquisadores

Cientistas podem ter descoberto por que sobrepeso é fator de risco para Covid-19

A chance mais acentuada de pessoas acima do peso ou obesas desenvolverem casos graves da doença ou da Covid-19 de longa duração estaria ligada às células de gordura, segundo apontam pesquisadores
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Com obesidade, hipertensão, problemas respiratórios e dificuldades de locomoção devido a artrose, Rosânia Goes, 59 anos, diz ter tomado todos os cuidados para se prevenir. Esses cuidados foram essenciais para evitar que ela tivesse contato com o vírus. "Não tive Covid-19, e tomei todos os cuidados possíveis. Cuidados esses, que as pessoas até achavam exagerados, mas eu me sentia mais protegida".

Rosânia Goes se manteve isolada durante todo a transmissão de Covid-19, no Ceará. Sua preocupação sempre foi evitar a contaminação pelo vírus. A flexibilização em relação aos cuidados só foi tomada após a aplicação da segunda dose da vacina.(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Rosânia Goes se manteve isolada durante todo a transmissão de Covid-19, no Ceará. Sua preocupação sempre foi evitar a contaminação pelo vírus. A flexibilização em relação aos cuidados só foi tomada após a aplicação da segunda dose da vacina.

Já se sabe há bastante tempo que o risco de casos graves de Covid-19 e da chamada Covid longa é significativamente alto entre pessoas com sobrepeso e obesas. Por um lado, isso se deve a uma pior condição física, doenças concomitantes ou problemas respiratórios, mas não apenas: de acordo com um novo estudo, o coronavírus parece infectar diretamente as células de gordura.

"Os dados de nosso estudo sugerem que a infecção do tecido adiposo e a resposta inflamatória associada pode ser uma das razões pelas quais indivíduos com sobrepeso ficam tão mal quando infectados pelo Sars-CoV-2", explica Catherine Blish, professora do Centro Médico da Universidade de Stanford e principal autora do estudo — ainda não revisado por cientistas independentes.

Mesmo dentro de casa, Rosânia Goes usava máscara para evitar o risco de se contaminar (Foto: Foto remota: Thais Mesquita)
Foto: Foto remota: Thais Mesquita Mesmo dentro de casa, Rosânia Goes usava máscara para evitar o risco de se contaminar

Outros patógenos, como o vírus da gripe, também parecem gostar de se aninhar na gordura corporal. O coronavírus Sars CoV-2 usa os receptores ECA2 (ou ACE2, na sigla em inglês) como porta de entrada para células. E estes receptores são encontrados em densidades mais altas em células de gordura do que em outras células, até mesmo mais altas do que em tecido pulmonar.

Blish e sua equipe examinaram as células adiposas de pacientes que haviam morrido de Covid-19. Eles descobriram que o coronavírus usa essas células muito eficazmente como um reservatório para se esconder e, assim, enganar o sistema imunológico humano.

Diante dos fatores de risco, as medidas de precaução de Rosânia foram diversos. "(Eu) Usava máscara dentro de casa, pois minhas filhas e o pai delas trabalhavam, e tinham contatos com outras pessoas. Eu não ficava próximo a eles sem máscara e eles também usavam, pois assim eu me sentia segura", conta.Não fui a nenhuma reunião familiar antes de receber as duas doses, e, quando preciso ir ao médico ou fazer exames, uso duas máscaras, lavo tudo com detergente ou água sanitária e ninguém de fora entrou na minha casa durante a pandemia. O pessoal aqui de casa também tirava os sapatos e lavavam os pés antes de entrar na residência".

Por fim, até antes de receber a segunda dose, Rosânia passou a dormir sozinha no quarto e a separar os pratos, copos e talheres que uso. Todas as medidas foram adotadas por ela e por seus familiares durante todo o período de pico da contaminação por Covid-19 em Fortaleza.

 

 

Maior risco de Covid de longa duração

 

Os pesquisadores descobriram que a infestação de células adiposas pelo Sars-CoV-2 ativa uma reação inflamatória em cascata. A partir da gordura, o coronavírus pode potencialmente se espalhar também para os órgãos — e isso pode ocorrer durante um longo período de tempo. Como o vírus pode passar das células adiposas para outras partes do corpo, aumenta-se, assim, o risco de pacientes desenvolverem Covid de longa duração. Ou seja, apresentarem sintomas mesmo meses após se recuperarem da infecção inicial pelo coronavírus, aponta o estudo.

"Se as células de gordura são um reservatório para infecções virais, a obesidade pode contribuir não apenas para uma doença aguda grave, mas também para uma síndrome de Covid de longa duração", diz.

Interna - C(Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos Interna - C

Os pesquisadores descobriram que o vírus também responde à terapia antiviral (com o medicamento remdesivir) em células de gordura. Além disso, poderiam ser testados medicamentos específicos que reduzem a inflamação no tecido adiposo. Os pesquisadores sugerem que os salicilatos poderiam assumir esta tarefa.

O salicilato mais conhecido é o ácido acetilsalicílico, ou seja, aspirina. Tais componentes têm propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, redutoras da febre e evitam a formação de coágulos no sangue. Com base nos novos resultados da pesquisa, também deve ser discutido se pessoas com excesso de peso ou obesas também pertencem aos grupos de risco e devem ser priorizadas de acordo, por exemplo, na vacinação.

 

 

Fatores adicionais de risco para pessoas com sobrepeso

 

Desde o início da pandemia, vários estudos mostraram que muitos dos pacientes mais gravemente afetados pela Covid-19 eram pessoas com excesso de peso. Em agosto de 2020, foi publicada uma primeira meta-análise para a qual pesquisadores de todo o mundo haviam compilado dados de quase 400 mil pacientes. Verificou-se que as pessoas com obesidade tinham 113% mais probabilidade de serem hospitalizadas, 74% mais probabilidade de serem admitidas em uma unidade de terapia intensiva e 48% mais probabilidade de morrerem de Covid-19 se infectadas pelo coronavírus.

Em pessoas acima do peso, uma série de fatores pode agravar o curso da Covid-19. A gordura abdominal pressiona o diafragma, que, por sua vez, pressiona os pulmões. Portanto, restringe o fluxo de ar, e o volume pulmonar diminui.

Além disso, pessoas com muito excesso de peso frequentemente têm um sistema imunológico enfraquecido, inflamações crônicas e uma tendência crescente de o sangue coagular. O aumento da coagulação pode ser particularmente grave para a Covid-19 se os pequenos vasos nos pulmões ficarem obstruídos com coágulos. Além disso, hipertensão arterial, doenças cardíacas e pulmonares e diabetes são muito comuns em pessoas com sobrepeso.

Especialmente pessoas com excesso de peso devem, portanto, se proteger contra uma infecção pelo coronavírus. Até agora, há poucos dados sobre como tratar esses pacientes, em parte porque eles são frequentemente excluídos de ensaios clínicos.

Com sobrepeso e bronquite alérgica, Luana Oliveira (nome fictício) conta que desconfiou que estava contaminada enquanto cozinhava. “Eu estava terminando de fazer o almoço, depois comecei a notar que não sentia mais cheiro e nem gosto de nada, a cebola não tinha cheiro, nada tinha gosto”.

Às 15 horas do dia 8 de abril de 2020, com muito frio, a jovem mediu a própria temperatura corporal e o resultado era febre com 38,2 graus. "Eu fiquei com o corpo todo dolorido, não conseguia levantar, uma dor de cabeça que não tinha fim. Mesmo com todos os cuidados, minha tia tinha me passado Covid", conta.

Com alteração nos sentidos do olfato e paladar, Luana teve de esperar alguns dias para se recuperar por completo: “O olfato demorou mais de 20 dias para voltar, e o paladar voltou com 23 dias. Não fiquei com nenhuma sequela da Covid, mas, quando eu tive, sentia bastante falta de ar, se eu saísse do meu quarto para a sala, eu já parava um pouco e respirava mais fundo, porque a falta de ar era nítida".

"Além do sobrepeso, eu tenho bronquite alérgica, quando eu fico gripada eu tenho que fazer uso de aerossóis com medicação porque eu fico com falta de ar, meus pulmões doem e ficam cansados com a tosse, então isso piorou um pouco a questão da contaminação pela Covid, porque eu lembro que meus pulmões doíam para respirar, e eu me sentia cansada", lembra a jovem.

Por causa de sua condição física e por morar com avós idosos, Luana diz que estava "paranoica" para evitar o contato com os vírus. "No começo nós não saímos, pedia para meu namorado fazer as compras. Quando ele voltava para casa, deixava o sapato na garagem, higienizamos a roupa dele e ele seguia logo em direção ao banheiro para tomar banho. Nós também costumávamos lavar todas as compras", conclui

Com maior confiança, após as duas doses da vacina, ela conta que mudou alguns hábitos. "Já fui visitar meus parentes, mas usando máscara. Já fico sem máscara em casa, mas continuo fazendo higienização em tudo".


 

Obesidade e sobrepeso entre os idosos crescem de 2006 a 2019

Os índices de obesidade e sobrepeso entre os idosos brasileiros seguiram crescendo de 2006 a 2019, de acordo com estudo conduzido por Laura Cordeiro Rodrigues, no mestrado em Nutrição e Saúde, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A pesquisa utilizou dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), coletados pelo Ministério da Saúde, e analisou informações de mais de 200 mil indivíduos com 60 anos ou mais, das 26 capitais e do Distrito Federal. Tanto a obesidade quanto a velhice são fatores de risco em infecção por Covid-19.

Conforme o estudo, a prevalência de sobrepeso aumentou de 53% para 61,4%, e a prevalência de obesidade, de 16,1% para 23% no público idoso. Com base nos dados de peso e altura, o estudo calculou o Índice de Massa Corporal (IMC). Foram considerados com sobrepeso pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 25kg/m2 e com obesidade as de IMC 30kg/m2. As estimativas foram feitas por ano para a população total e de acordo com sexo, idade, escolaridade e região.

A pesquisadora Laura Rodrigues afirmou à assessoria de imprensa da UFMG que, em todos os grupos socioeconômicos analisados, houve aumento nas taxas tanto de sobrepeso quanto de obesidade.

As maiores taxas foram observadas em homens (alta de 3,52% por ano), indivíduos com idade de 70 a 79 anos (2,71% por ano), com 9 a 11 anos de escolaridade (2,92% por ano) e em residentes das regiões menos desenvolvidas do país (2,58% por ano).

Segundo informações da UFMG, a pesquisa recebeu recursos do Ministério da Saúde e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). (Agência Brasil)

 

 

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Ser gorda na pandemia

Por Domitila Andrade (*)

 

Domitila Andrade, jornalista(Foto: Camila De Almeida)
Foto: Camila De Almeida Domitila Andrade, jornalista
Ser obesa em uma sociedade gordofóbica é viver diariamente um exercício de se autoafirmar: como uma pessoa que se cuida, que tem taxas e saúde checadas e dentro da normalidade, que pode se sentir bonita, que pode ser amada e que pode ser gente. São altos e baixos e tem dias em que a segurança em si e a autoestima não funcionam. Nunca isso foi tão forte quanto na pandemia, porque a Covid-19 me fez sentir algo que minha obesidade nunca fez antes: medo de morrer por ser gorda.

Quando as primeiras notícias da pandemia surgiram, o principal fator de risco era a idade. Nesse ponto, eu, no alto dos meus 32 anos, temia pela vida da minha mãe, dos meus tios, dos meus sogros, dos idosos de muitas famílias. E tomei os cuidados devidos por eles. Contudo, vieram as mortes de gente jovem e um fator foi sendo determinante para algumas: eram pessoas gordas. Uma dessas pessoas foi uma grande amiga, da minha idade, saudável, feliz, com a vida toda pela frente. Profissional de saúde e gorda, ela teve a vida ceifada pela Covid-19.

Eu me fechei numa concha, não saí de casa por quase seis meses e tudo que entrava era limpo à exaustão, a casa cheirava a álcool. Por mais de um ano, só soube o que era o abraço de um única pessoa, a que mora comigo. Peguei Covid-19 dentro de casa, sem nem saber como. E, a todo momento em que o ar me faltava, só pedia que a doença não evoluísse. A vacina que chegou para mim em maio, com a necessidade de comprovar a obesidade, foi em certa medida um tormento. Recebi questionamentos e me sentia mal por estar tomando a vacina antes de outras pessoas com mais idade, "só" por ser gorda, quase como se eu estivesse furando a fila. Eu me vacinei, mas quantos, por isso ou por desinformação, deixaram de se vacinar quando podiam? Apesar de tudo, a vacina foi, principalmente, alívio: eu sou gorda e estou viva, muito viva!

(*) Domitila Andrade, jornalista

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