A quantidade de placas solares instaladas em telhados ou terrenos de casas e pequenos negócios cearenses deve dobrar no próximo ano, segundo avaliam especialistas e agentes do setor da chamada geração de distribuída (GD) de energia elétrica. Se confirmada a projeção, o número de usinas deste tipo pode chegar a quase 46 mil, enquanto as unidades consumidoras devem beirar 60 mil no Estado, segundo os dados atuais do setor compilados pela Agência Nacional de Energia Elétrica.
Hoje, os números (22.897 usinas e 28.976 unidades de consumo) classificam o Ceará como o 11º maior mercado do País para a produção da própria energia. Mas a expectativa é que os benefícios trazidos pelo marco legal da GD possam impulsionar isso. Espaço não falta, segundo Joaquim Rolim, presidente da Câmara Setorial de Energia e diretor da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD).
“São 80 milhões de consumidores de energia no País e chegamos perto de 1 milhão beneficiados pela geração distribuída. Ou seja, ainda é menos de 1% do total. Na Austrália são cerca de 20%. Brasil está começando, mas está começando bem porque marco legal está alinhado com as práticas mundiais”, analisa, apontando o Ceará como um dos mais promissores do Brasil.
Jonas Becker, diretor estadual da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) no Ceará, cita os 3 milhões de clientes da Enel como margem para ampliação da GD e projeta: “A ABSolar não divulga previsão de crescimento, mas, pela base histórica, vejo potencial de dobrar os números.”
Assim como Rolim, Hanter Pessoa, diretor de Geração Distribuída do Sindienergia-CE, considera que o marco equacionou os interesses dos diversos agentes da geração de energia elétrica brasileira e trouxe mais segurança ao consumidor, ainda mais garantindo uma transição nas mudanças das regras para os que aderirem à GD ainda no próximo ano.
“Em 2022 teremos uma procura muito grande porque vai ser um ano de transição. Ou seja, quem instalar uma unidade geradora, não vai pagar pelo uso do fio para o transporte de energia. Pagamos ICMS, mas não o uso do fio. A probabilidade deve ser grande e acredito que devemos crescer mais do que esse ano”, analisa.
Outro ponto destacado pelo presidente da Câmara Setorial é a variedade de linhas de crédito para o financiamento dos projetos: “Tivemos o FNE Sol, do Banco do Nordeste, e foi muito importante para divulgação da geração distribuída, mas temos outros bancos privados agora que oferecem esse crédito. O retorno do investimento tem, em média, 4 anos a 5 anos, com vida útil de 25 a 30 anos. É economicamente viável.”
Já o diretor do Sindienergia considera que o mercado cearense já possui “consumidores mais maduros.” “Os clientes já conhecem o assunto, não precisa explicar tanto porque ele já ouviu falar ou um amigo já tem, e ele busca uma empresa que se adeque ao perfil”, conta, apontando para a necessidade de critérios ao fechar o contrato.
Conferir a reputação da empresa – especialmente conhecendo algum outro cliente para saber da experiência do pós-venda –, a estrutura e o portfólio de projetos são essenciais para a segurança da residência do consumidor. Após a instalação, é preciso garantir manutenção adequada ao equipamento instalado para assegurar que não haja prejuízo e muito menos acidentes.
Atualmente, segundo as contas do Sindienergia-CE, são mais de 500 empresas trabalhando com geração distribuída no Estado e disputando os clientes nesta perspectiva de crescimento do mercado para o próximo ano.
“Nós, obviamente, sabemos que sempre é preciso melhorar. Podemos ampliar mais a participação do setor rural, para que o produtor possa ter mais acesso à geração distribuída. Assim como o consumidor de baixa renda. A gente ainda percebe programas do Estado para a instalação de placas solares em escolas públicas e que está em desenvolvimento”, conta Rolim.
Para ele, a ampliação das conexões no interior do Estado, a partir de produtores rurais de médio e pequeno porte, é uma estratégia viável para alcançar o dobro de usuários e usinas de GD em 2022.
Apesar dos benefícios na conta de energia convencional que o produtor rural goza, produzir a própria energia traz mais garantias e estabilidade financeira, da mesma forma que acontece com os pequenos empresários urbanos que adoram a modalidade de geração.
Ultrapassado recentemente pela Bahia no mercado nordestino, o Ceará vê ainda Minas Gerais e São Paulo liderarem o ranking de geração distribuída no País. No entanto, o número absoluto de conexões não preocupa, segundo observa o Hanter Pessoa, diretor de Geração Distribuída do Sindienergia. O mercado local precisa ficar atento à proporção entre GD e mercado convencional para conseguir medir a competitividade local.
No entanto, tanto ele como Jonas Becker, diretor estadual da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) no Ceará, defendem estratégias que deem vantagem ao Estado desde já. Becker cita a possibilidade de um IPTU verde, pelo qual as prefeituras cearenses possam estimular a geração da própria energia com taxas menores.
Já Joaquim Rolim, presidente da Câmara Setorial de Energia e diretor da ABGD, aponta a necessidade de atração de indústrias de equipamentos para o Brasil ou mesmo o Ceará, como o Estado já disse pretender fazer.
“Acredito que os desenvolvedores de projetos e produtores de equipamento têm mantido atraentes as condições de venda para os consumidores, mas precisamos, no Brasil, de uma ampliação da cadeia produtiva com mais indústrias podendo atender esse segmento”, afirma, adiantando a preocupação com a oscilação do dólar.
Sobre os desafios para o próximo ano, os três são unânimes em apontar o câmbio e a tributação sobre o setor. Com eleições marcadas para 2022 e a escalada da inflação e dos juros, o mercado de geração distribuída já se prepara para uma alta do dólar que deve interferir nas compras dos equipamentos.
A maior parte das peças usadas nas placas solares instaladas nos telhados das casas brasileiras vem da China, que também enfrenta uma dificuldade na fabricação de determinados componentes.
“Acredito que não tem perspectiva de diminuição de preço para o ano que vem. Estudos de importação é de alta nos preços, das commodities. Agora, a conta de energia continua subindo, e a previsão do reajuste anual de abril é de 2 dígitos ao mesmo tempo que a bandeira de escassez hídrica é até a abril”, compara, sugerindo que a instalação das placas continuam mais vantajosas apesar das projeções de aumento nas peças.
O empresário Ítalo Almeida Alves, 34, é um dos milhares de cearenses que hoje produz a energia elétrica que consome. Ele tomou a decisão de implantar placas fotovoltaicas na academia que dirige após fazer muito malabarismo para economizar energia e ainda assim ver a fatura praticamente triplicar em um intervalo de cinco anos.
“Quando eu comecei a minha primeira unidade da academia eu pagava em torno de R$ 1 mil por mês de luz, mas hoje é quase R$ 3 mil. Foi um aumento considerável e que pesa na operação no fim do mês. Eu já tinha feito muita coisa para tentar economizar, mas não estava adiantando”.
Ele disse que a ideia foi sendo amadurecida por um ano. Mas a segurança maior em dar esse passo veio há três meses, após a experiência de amigos que migraram para o sistema e também ao ver no noticiário que em 2022 viriam novos reajustes.
“Com essa história de
Ele conta que o projeto foi feito com uma capacidade acima da que consome hoje, mas de forma que a parcela do financiamento não ficasse muito diferente do valor que já pagava mensalmente à Enel.
Por conta dessa margem de segurança de poder ampliar o consumo, pôde retomar hábitos que já havia cortado, como por exemplo, deixar o ar condicionado do banheiro e da sala de fisioterapia disponíveis o tempo inteiro em que a academia estivesse funcionando. E também considera jogar o excedente para cobrir os gastos com energia da sua residência.
“Estou bem otimista. Quando você bota na ponta do lápis, vê que é algo que vale a pena. Hoje me pergunto porque não tomei essa decisão antes”.
Mesmo com o marco legal previsto para começar a vigorar apenas agora e com as consequências práticas dele apenas para 2023, o ano de 2021 já pode ser considerado um divisor de águas para o segmento de geração distribuída no País. No Ceará, por exemplo, foram instaladas 12.500 microusinas ao longo do ano.
O número é mais do que o dobro dos empreendimentos implantados em 2020 (6.045) e a melhor marca da série histórica monitorada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desde 2013.
"E, particularmente, o fim de ano (de 2021) foi muito bom. Em dezembro tivemos um crescimento de 120% em relação à média da procura no período de janeiro a novembro, foi bem intenso mesmo", afirma Fred Alexandrino, diretor da Philo Soluções Energéticas.
Engenheiro elétrico que atua há quatro anos nessa área, ele decidiu montar a própria empresa de instalação em geração distribuída há um ano. E avalia que alguns fatores estão impulsionando esse boom no mercado.
O primeiro motivo são os constantes aumentos da energia elétrica e o surgimento de novas bandeiras tarifárias como a da crise hídrica, que traz um custo extra de R$ 14,20 a cada 100 kWh. Mas também a própria retomada gradativa da economia que tem dado mais confiança às pessoas e empresas voltarem a investir. Ainda mais se o objetivo for para garantir maior economia mais na frente.
Porém, ele chama atenção para a questão do novo marco legal. "E a gente acredita que esse movimento seja muito maior em 2022 com a consolidação do projeto de lei do Marco da Geração Distribuída. Porque quem fizer o projeto nos 365 dias após a sanção da lei ainda consegue permanecer no mesmo modelo de tributação atual pelos próximos 25 anos. O que será muito vantajoso".
Ele cita como exemplo um consumidor que paga, em média, R$ 300 de conta de luz por mês, o equivalente a um consumo de aproximadamente 360 Kw/h mensais. Para gerar a própria energia, ele precisa fazer um investimento inicial em torno de R$ 12 mil para garantir a mesma capacidade instalada de consumo.
"E hoje como existem várias linhas de financiamento ele consegue fazer com que o valor da parcela fique, muitas vezes, em valor próximo ao do que ele já pagava à concessionária de energia. A diferença é que o retorno do investimento é em quatro anos por um sistema que tem vida útil de 25 anos"Fred Alexandrino, diretor da Philo Soluções Energéticas
Ele explica que quem aderir ao sistema durante o período de transição do marco legal permanece mas regras atuais pelos próximos 25 anos. Ou seja, além do valor do investimento em si, pagaria apenas uma taxa simbólica mínima mensal pelo uso da rede da Enel e a taxa de iluminação pública, que dá em torno de R$ 70, para essa faixa de consumo.
Mas quem entrar depois, a partir de 2023, entra na progressão que gira em torno de 15% a 20% do valor em cima da tarifa. "Não é que vai inviabilizar, não vai. O que vai se tornar é um pouco menos vantajoso do que é hoje. É como se ele fosse pagar à Enel cerca de três centavos a mais por kw gerado. No caso do nosso exemplo de 360 kw/hora, pagaria uns R$ 11 a mais (em valores de hoje), ou seja, R$ 81 por mês."
Fred explica que também tem percebido uma mudança no perfil dos clientes. Se hoje quem mais procura a geração solar própria são consumidores residenciais de padrão mais alto de renda, que costuma pagar entre R$ 800 a R$ 1mil de conta de luz, começa a crescer também o interesse por instalações comerciais. "No mês de dezembro tivemos um aumento significativo da procura por instalações comerciais, pequenos consumidores."