Quantas vezes você disse se sentir esgotado de tanto trabalhar ou já usou a expressão "ele se mata de trabalhar?"
Embora o esgotamento mental possa acontecer em decorrência de transtornos diversos como a depressão e a ansiedade, quando a razão causadora desse estresse crônico é o trabalho (e outros aspectos a ele relacionados) está configurada à Síndrome de burnout.
Essa sensação sobre a própria sobrecarga sofrida ou a percepção quanto à exaustão enfrentada por outrem está se tornando mais comum em ambientes de trabalho hiperconectados, extremamente competitivos, com mudanças acontecendo de forma vertiginosa e ainda marcado pela maior pandemia global em 100 anos.
Em linhas gerais, a Síndrome de burnout é caracterizada como um transtorno psíquico causado pelo estado de tensão emocional decorrente de condições de trabalho desgastantes. A expressão tem origem inglesa e nasce da junção das palavras burn, que significa queima, e out, traduzida como fora, ou queima por fora, dada a atuação de fatores externos ao indivíduo durante o processo de desenvolvimento da doença.
A enfermidade passou a ser classificada, desde o dia 1º de janeiro deste ano como uma doença ocupacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
No Brasil, a International Stress Management Association (Isma-BR) estima que até 32% da população economicamente ativa já tenha apresentado, em algum momento de sua vida profissional, sintomas de Burnout ou desenvolvido a síndrome. Isso torna o País, o segundo mais afetado pela síndrome no planeta, atrás apenas do Japão, que tem 70%.
Apesar de dado expressivo, o relativo desconhecimento sobre a doença e a semelhança que ela apresenta com outras enfermidades de natureza psicológica ou psiquiátrica leva a uma grande subnotificação.
De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 2021, foram concedidos apenas 554 auxílios-doença previdenciários, benefício concedido quando o trabalhador precisa se afastar de suas funções por mais de 15 dias. Em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19 no Brasil, o número foi ligeiramente maior, de 610 auxílios concedidos.
Para o médico do trabalho e pesquisador do Centro de Inovação do Serviço Social da Indústria no Ceará (Sesi-CE), Cláudio Patrício, o diagnóstico de Burnout, apesar de muito o que se tem falado, não é simples.
"Pelo próprio conceito exposto na CID 11 (Código Internacional de Doenças), as pessoas precisam ter as características como sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo em relação ao trabalho; e uma sensação de ineficácia e falta de realização), além de não possuir outras doenças mentais”.
Ele cita que o impacto da síndrome se dá em várias esferas na vida do profissional e da empresa em que trabalha, uma vez que “a recuperação é demorada e as sensações vivenciadas são muito ruins; no aspecto laboral, normalmente as pessoas se afastam do trabalho, aumentando o absenteísmo ou quando não se afastam não conseguem render o esperado e ao retornar no caso de longos afastamentos, podem demorar a se adaptar às novas rotinas e atividades.”
Já a psicóloga e fundadora da Flow Desenvolvimento Integral, Adriana Bezerra do Carmo, destaca que enquanto, doença ocupacional o foco da Síndrome de burnout sai do trabalhador e passa para o trabalho: "o ambiente de trabalho, as relações de trabalho, a forma como as pessoas se comunicam dentro da organização, a liderança neste ambiente de trabalho, as pressões, a forma de cobrar metas, os sistemas de gestão e a cultura organizacional”.
Adriana, que é também especialista em gestão e saúde integral, lembra que, ao contrário do que imagina o senso comum, as pessoas mais suscetíveis à Síndrome de burnout são aquelas com maior nível de exigência com relação a si próprias e aos outros.
“Havia a ideia de que essa síndrome acometia as pessoas que não aguentam pressão. Isso é um grande mito. Na verdade, são pessoas que querem entregar o trabalho a custa de qualquer coisa e são mais competitivas”, lembra a psicóloga.
“Muitas vezes são extremamente produtivas e entregam bons resultados, mas não conseguem lidar tão bem com os estresses do dia a dia. Esses estresses vão se tornando crônicos porque não são bem gerenciados”, conclui Adriana.
Não é incomum lermos sobre histórias de pessoas que superaram transtornos mentais e, hoje, levam uma vida saudável e prazerosa. Menos comum, contudo, são os casos de quem não apenas venceu a luta contra uma síndrome como a de burnout e fez da experiência pessoal uma alavanca para ajudar outras pessoas e até para empreender.
Luana Segato, fundadora da Desestresse, é um desses raros exemplos. A empresa que ela criou atua como desenvolvedora de soluções em melhoria da saúde emocional e organizacional, mas, há apenas quatro anos, era a empreendedora quem estava precisando de apoio para superar a síndrome.
“Eu tinha muitas dores pelo corpo, um cansaço incontrolável, muita irritabilidade, melancolia, fadiga e insônia. Dormia entre uma reunião e outra no estacionamento do meu antigo emprego e já era conhecida no pronto socorro do meu bairro por buscar medicamentos para dor nas sextas-feiras”, relembra.
Sobre a ideia de empreender, justamente na área da qual precisou de ajuda, Luana conta ter sentido a própria vivência com a Síndrome de burnout como um “chamado” e que já vinha estudando sobre desenvolvimento humano antes de receber o diagnóstico, o que facilitou o início da nova carreira.
“Quando comecei a falar sobre minha experiência nas redes sociais entendi que muitas pessoas sentiam a mesma dor que eu havia sentido e que precisavam de apoio para traçarem um caminho diferente em suas jornadas profissionais. Foi aí que nasceu a Desestresse”, afirma.
Hoje, a Desestresse atua como uma consultoria de treinamentos presenciais e online, com foco principal em desenvolver culturas organizacionais mais saudáveis aos seus colaboradores.
Com a classificação da Síndrome de burnout como doença ocupacional pela OMS, a mudança central do ponto de vista jurídico é que o profissional por ela acometido passa a ter os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários assegurados para as demais enfermidades relacionadas ao ambiente laboral.
De acordo com o vice-presidente da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (OAB-CE), Rômulo Nogueira, o trabalhador que efetivamente for diagnosticado com Síndrome de burnout e precisar se afastar do trabalho por mais de 15 dias, em decorrência dessa condição, tem direito ao auxílio-doença acidentário.
"O segurado que recebe o auxílio-doença acidentário tem 12 meses de estabilidade ao retornar para o trabalho. Então, ao voltar o empregado não poderá ser demitido por esse período a não ser que cometa falta grave, que justifique a demissão por justa causa.”
Nogueira, que é também professor universitário e especialista em direito à saúde, acrescenta que outro direito do trabalhador com burnout é a aposentadoria por invalidez.
“Mas para que seja concedido ao segurado a aposentadoria, é necessário que esse empregado tenha um laudo médico comprovando que sua situação de saúde e os danos sofridos em relação à doença são irreversíveis e que não possui condições de continuar trabalhando”, explica.
Ele destaca, ainda, um dos aspectos menos conhecidos sobre a legislação que rege as doenças ocupacionais e que se estende aos casos de burnout.
“A lei prevê também a possibilidade do empregado fazer a rescisão indireta do contrato de trabalho, ou seja, ele pode sair do trabalho recebendo todas as verbas trabalhistas como se tivesse sido demitido sem justa causa. E a depender do caso também pode ensejar em danos morais ao trabalhador”, ressalta.
Neste último caso, contudo, é importante observar alguns pontos que também são levados em consideração nos julgamentos sobre assédio moral.
“É importante relembrar que na Justiça quanto mais provas, quanto mais documentos comprobatórios, melhor. Então, servem de provas documentos recebidos do empregador, até mesmo mensagens de WhatsApp, emails, até apresentando a sua rotina de trabalho, junto com o laudo médico”, cita.
Impedir que haja problemas, conflitos e competitividade em um ambiente de trabalho com 850 profissionais pode parecer uma tarefa impossível, mas com a implantação de um programa mais amplo, com foco na saúde como um todo, a unidade da empresa catarinense Marisol, no Ceará, conseguiu mapear uma série de dados de seus colaboradores e tem usado essas informações para a prevenção da Síndrome de burnout, entre outros transtornos.
Segundo a coordenadora de Recursos Humanos, Alisângela Gondim, o programa já vinha sendo desenvolvido desde 2018, mas com o advento da pandemia de Covid-19, a empresa sentiu a necessidade de realizar uma pesquisa interna mais aprofundada.
“Queríamos entender como as pessoas estavam e, aí, a saúde emocional apareceu de uma forma bastante forte, o que acendeu um alerta. Em 2020, a indústria também teve que fechar, então nós paramos em março daquele ano e só voltamos a operar integralmente em julho. Foi quando buscamos reforçar esse trabalho voltado para o aspecto psicológico”, lembra.
“Em 2021, o nosso primeiro público foi composto por aqueles colaboradores que apresentavam maior comprometimento da saúde emocional. Observamos que os maiores problemas estavam relacionados à vida conjugal e nos surpreendeu a quantidade de casos de colaboradores que sofrem com a violência doméstica, mas notamos que, embora também existissem, não registramos muitos casos relacionados ao trabalho”, explica Alisângela.
Ela complementa avaliando que a existência desse trabalho prévio com foco integral em saúde, bem como o trabalho de conscientização realizado, mais recentemente, com as lideranças da empresa ajudam a explicar por que, apesar do aumento no número de casos envolvendo a saúde mental dos colaboradores, durante o auge da pandemia, o mesmo não se refletiu na quantidade específica de Síndrome de burnout e outras doenças ocupacionais.
“Direcionamos, primeiramente, esse colaborador para um psicólogo fazer uma análise, um diagnóstico e um acompanhamento, evitando que se iniciasse uma medicação precoce. Claro, que existem casos de transtornos psicológicos em que a terapia deve vir acompanhada do medicamento, mas conseguimos reduzir essas situações extremas”, comemora.
(*) Por Sarah de Moura Kurz da Rocha
A Síndrome de Burnout, também conhecida como esgotamento profissional é um distúrbio de ordem psíquica relacionado a alto nível de estresse e tensão provocadas por condições de trabalho desgastantes.
Em 2022, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alterou sua classificação para a de doença ocupacional, compreendendo que uma adequação do ambiente laboral influencia fortemente para a saúde dos indivíduos.
A Síndrome é caracterizada por estresse excessivo e estado de tensão crônico, com sensação de esgotamento físico e emocional, que pode se manifestar por diversos comportamentos como mudanças de humor, ausência do trabalho, agressividade, lapsos de memória, isolamento, dificuldade de concentração, mudanças bruscas de humor, crises de ansiedade, comportamento depressivo, baixa autoestina, dentre outros sintomas.
Também podem estar relacionados ao burnout sintomas gastrointestinais, enxaqueca, palpitação, dores musculares, etc
É comum sua manifestação especialmente em profissionais que trabalham diretamente com o público como profissionais da educação, saúde, assistência em geral como policiais, bombeiros, dentre outros. E com maior prevalência em mulheres, decorrente muitas vezes da jornada dupla entre o trabalho e as tarefas domésticas e com os filhos.
Por seus sintomas tão diversos, o diagnóstico precisa ser feito com base na história de vida de cada pessoa, num contexto clínico. E o tratamento inclui a psicoterapia e o uso de medicamentos antidepressivos. Também são recomendadas outras atividades de relaxamento e atividade física como aliadas ao tratamento.
Devido a sua principal causa estar relacionada ao ambiente de trabalho é importante que todos os indivíduos estejam atentos para que o ambiente laboral seja o mais saudável possível, com boas relações, uma carga de trabalho adequada para cada cargo. Boas condições de trabalho podem ajudar a diminuir drasticamente o número de casos.
Além de uma responsabilidade coletiva, é necessária uma vigilância individual. É importante observar se as condições de trabalho estão interferindo na sua qualidade de vida, ouvir também os familiares e amigos sobre essa questão. Pois muitas vezes eles percebem antes da pessoa que ela não está bem.
Manter uma rotina de atividades físicas pode ser um fator de prevenção importante. Evitar relacionar o consumo de álcool e outras drogas com uma forma de se livrar do estresse do trabalho, pois pode acabar mascarando a realidade. Também é interessante sempre reavaliar seus objetivos profissionais e propor novas formar de organização que prezem pela sua qualidade de vida.
(*) Psicóloga, Psicomotricista, e Coordenadora do Curso de Graduação em Psicologia do Centro Universitário Estácio do Ceará