Era uma quarta-feira comum, em 1952, quando o mundo soube que uma princesa se tornaria rainha. No 6 de fevereiro daquele ano, não se imaginava o quão simbólico e longevo seria o reinado de Elizabeth Alexandra Mary. A ascensão da rainha Elizabeth II, 95, é digna de roteiro de filme e foi o tema central da primeira temporada da série The Crown.
Foi no meio da selva queniana que ela soube que seria rainha. Difícil descrever os sentimentos de uma jovem, então com 25 anos, que na mesma data em que perdeu o pai, o rei George VI, se viu na responsabilidade de ser a rainha de um grande império.
Do trono, Elizabeth vivenciou momentos-chave. Presenciou a criação da União Europeia (UE) acompanhou a Guerra Fria, assistiu a dissolução da União Soviética, viu seis papas deixarem o Vaticano e sete ascenderem, esteve ao lado de 15 primeiros-ministros e viu inúmeras crises econômicas, políticas e sociais mundo afora. Entre elas o recente e conturbado processo de Brexit (saída britânica) da UE, ao qual acompanhou sem opinar publicamente sobre a questão.
No Reino Unido, uma monarquia constitucional, a rainha tem o seu poder limitado pelo Parlamento, que é eleito. Elizabeth II não interfere politicamente, mas entre outras funções, cabe a ela (chefe de Estado) a decisão de declarar ou encerrar guerras, autorizar projetos já aprovados pelo Parlamento (governo) para que se tornem, de fato, lei e participar de encontros semanais com o primeiro-ministro britânico.
A rainha ainda tem funções como recepcionar outros chefes de Estado em visita ao Reino Unido quando necessário e conceder indultos aos condenados (Royal Pardon) e honrarias oficiais como nomear duques, lordes e demais títulos da nobreza.
No entanto, em 70 anos, o maior feito de Elizabeth talvez seja a constância com a qual geriu a coroa. Ela conseguiu manter, em certo nível, a popularidade da monarquia britânica numa sociedade que se desenvolveu e se modernizou.
Até hoje, as aparições da monarca geram um ambiente de expectativa. Exemplo mais recente disso ocorreu em abril de 2020, quando Elizabeth II realizou um pronunciamento real por conta da Covid-19. O quinto discurso da monarca em quase 70 anos de reinado foi transmitido e comentado mundialmente.
Anteriormente, além das tradicionais mensagens de Natal e Ano Novo que não entram no cálculo, Elizabeth II só havia feito pronunciamento em outras quatro ocasiões: 1ª Guerra do Golfo (1991); morte da princesa Diana (1997): morte da sua mãe (2002); e aniversário de 60 anos de seu reinado (2012). A resistência da monarquia se deve muito à atuação dela.
Iago Caubi, pesquisador do Núcleo Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ), avalia que Elizabeth II surgiu como um “símbolo de um novo Reino Unido”, num contexto pós-Segunda Guerra e de perda de influência econômica e geopolítica em colônias e ex-colônias britânicas. “A rainha tornou-se o símbolo de uma nação unificada, no sentido de força e conseguiu usar a coroa para exercer influência cultural e econômica”, diz.
Ela também manteve o título de chefe de Estado em outros 15 países, entre eles: Austrália, Canadá, algumas ilhas caribenhas e Tuvalu, no Oceano Índico. Essas nações fazem parte da chamada Commonwealth, uma associação voluntária de mais de 50 países que inclui economias avançadas e pequenos estados. As raízes desse grupo remontam ao antigo Império Britânico e quase todos os seus membros já foram colônias britânicas.
Para Caubi a manutenção desse grupo mostra como o Reino Unido manteve-se influente em diversas localidades do mundo. “Querendo ou não é uma presença diplomática e econômica da coroa pelo mundo. No entanto, esse impacto é simbolicamente ligado a ela (a rainha) pelo seu carisma e posicionamento ao longo dos anos. Isso não perpassou para nenhum dos possíveis herdeiros e pode acabar após a era Elizabeth II”, projeta.
Apesar da influência limitada da rainha em termos práticos, Caubi destaca que essa ligação faz com que Londres esteja próxima da política de outras nações, aumentando o softpower do Reino Unido. “O maior símbolo de Elizabeth é a permanência de uma unidade em torno da monarquia, que tem nela, talvez, o seu último suspiro grandioso”, encerra.
Elizabeth II se torna neste domingo, 6, a primeira entre os reis e as rainhas britânicos a governar por sete décadas. Mais um marco em sua longeva trajetória real para manter a coroa britânica influente num mundo que certamente não foi mais o mesmo desde aquela quarta-feira em que uma princesa, no meio da selva queniana, descobriu que seria rainha.
Elizabeth II, a monarca mais famosa do mundo, alcança neste domingo, 6, o marco histórico de 70 anos de reinado, no momento em que suas aparições públicas são menos frequentes, após problemas de saúde registrados a partir de outubro. Única monarca em exercício do mundo com tal longevidade, a rainha britânica não programou nada especial para a ocasião.
Tradicionalmente, 6 de fevereiro é um dia de descanso para Elizabeth em sua propriedade de Sandringham. A data marca, ao mesmo tempo, sua ascensão ao trono em 1952, com apenas 25 anos, e a morte de seu pai, o rei George VI, ao qual era muito ligada, por um câncer de pulmão aos 56 anos. Não há indícios de que de que este ano será diferente. Até agora, nenhum evento público foi anunciado.
A soberana, de 95 anos, que permanece muito popular, viajou discretamente para Sandringham, que fica a três horas de distância ao norte Londres, em 23 de janeiro. Ela costuma passar dois meses na propriedade, a partir da época do Natal e Ano Novo. Neste ano, porém, adiou a saída do Castelo de Windsor, devido à disseminação da variante Ômicron do coronavírus.
Para celebrar o "Jubileu de Platina", ou seja 70 anos de reinado, a Casa Real anunciou em janeiro quatro dias de grandes festejos em todo país para o início de junho. O tradicional "Trooping the Colour", ou Desfile do Estandarte, que geralmente celebra o aniversário da rainha, vai abrir o fim de semana prolongado - de 2 a 5 de junho - com 1.400 soldados, 200 cavalos e 400 músicos.
Em 4 de junho, está previsto um grande concerto no Palácio de Buckingham. No dia seguinte, quase 200 mil almoços do jubileu, um deles em Windsor, pretendem bater o recorde mundial de maior piquenique, com quase 1.600 participantes.
Também foram anunciados um concurso de sobremesas e uma reconstituição histórica de seus 70 anos de reinado, que mesclará a tradição britânica com artistas de rua.
As últimas semanas não foram fáceis para a rainha. Em janeiro, seu filho Andrew, descrito por muitos como o favorito da monarca, perdeu todos os títulos militares e patrocínios, o que fechou a porta para qualquer retorno à vida pública.
Depois que um juiz se recusou a arquivar o caso, Andrew pode sofrer um julgamento em Nova York por agressão sexual há 20 anos contra uma menor de idade supostamente apresentada pelo falecido pedófilo Jeffrey Epstein. Uma sombra para as celebrações do jubileu, que a rainha preferiu evitar.
Por enquanto, a rainha desfruta da paz e da tranquilidade de Sandringham onde, segundo a imprensa britânica, ela se instalou em Wood Farm. Em vez da suntuosa mansão da propriedade, ela preferiu esta casa de campo de cinco quartos, a favorita de seu falecido marido, o príncipe Philip.
Nesta casa, da qual é possível observar o Mar do Norte, o príncipe Philip, falecido em abril do ano passado, aposentou-se em 2017, até ser obrigado a voltar para Windsor, devido à pandemia da Covid-19. Ele gostava de passar os dias no local, lendo, pintando e passeando. E Elizabeth II também aproveitava essa rotina, quando possível, com uma vida livre da habitual pompa real.
Sandringham sempre foi um lugar especial para a monarca. Além de residência de aposentadoria de Philip, foi nesta propriedade em que morreram seu pai, seu avô George V e a mãe de George V, a rainha Alexandra.
Com o agravamento de sua saúde em outubro, quando os médicos recomendaram a redução de suas atividades, as aparições públicas da rainha se tornaram escassas. A última aconteceu em sua mensagem de Natal, gravada. A soberana dedicou grande parte dela a seu "querido Philip", ao falar que sentia saudade de seu sorriso. Os dois foram casados por 73 anos.
Antes de Elizabeth II, apenas dois monarcas na história alcançaram 70 anos no trono: Luís XIV, rei da França, que reinou durante 72 anos e 110 dias, de 1643 até 1715; e o rei Bhumibol Adulyadej, da Tailândia, por 70 anos e 126 dias, de 1946 até 2016.
A princesa Elizabeth estava na selva queniana em uma aventura única, observando a vida selvagem das copas das árvores, quando seu pai, o rei George VI, morreu e ela se tornou rainha da noite para o dia.
O mundo acordou em 6 de fevereiro de 1952 com a morte de George VI, que sucumbiu ao câncer de pulmão durante a noite na residência real de Sandringham em Norfolk. Sua filha de 25 anos e herdeira do trono soube da notícia apenas mais tarde, quando foi localizada a milhares de quilômetros de sua casa, na selva das montanhas Aberdare.
O Quênia, então uma ex-colônia britânica, foi a primeira parada na turnê pela Commonwealth, na qual Elizabeth II embarcou com seu marido, o príncipe Philip, para substituir o pai doente. O casal real tirou uma noite de folga de seus compromissos oficiais para observar os animais de uma cabana nas copas das árvores no meio da selva. Foi durante aquela noite, no Treetops Hotel, que o rei faleceu, e a princesa se tornou rainha.
"Pela primeira vez na história do mundo, uma jovem subiu em uma árvore um dia como princesa e, depois de ter o que ela descreveu como a experiência mais emocionante, desceu da árvore no dia seguinte como rainha", escreveu no livro de visitas Jim Corbett, naturalista e caçador que acompanhava Elizabeth e Philip naquele dia.
Foi somente depois de deixar o chalé que o duque de Edimburgo contou a notícia para sua esposa, e o hotel se tornou o lugar onde uma princesa se tornou rainha. Inaugurado em 1932 como um alojamento para visitantes ricos e intrépidos, o Treetops ficava em uma enorme figueira com vista para uma piscina de água natural. Naquela época, não havia nada nesse estilo.
Refúgio entre galhos na selva africana, o Treetops oferecia às elites a oportunidade de encontrar a vida selvagem de perto e em segurança. O casal real escreveu uma lista dos animais que viu. Essa folha de papel ainda está emoldurada no hotel.
Grandes manadas de elefantes, com "cerca de 40" animais, foram vistas, bem como babuínos e antílopes. Também "rinocerontes a noite toda" e, "pela manhã, dois touros brigando", lê-se na lista datada de 5 e 6 de fevereiro e assinada pelos príncipes.
Um assessor do casal real, encarregado de escrever e agradecer aos proprietários do hotel por sua estada, descreveu uma "tremenda experiência de ver a vida selvagem em seu ambiente natural" e um dia e uma noite "cheios de interesse". "Tenho certeza de que esta é uma das experiências mais maravilhosas que a rainha e o duque de Edimburgo já tiveram", diz a carta, também emoldurada em Treetops e datada de 8 de fevereiro de 1952.
Dois anos após a visita histórica, o hotel sofreu um incêndio, em um possível ataque dos rebeldes anticolonialistas Mau Mau. Um hotel novo e muito maior foi construído sobre suportes de madeira elevados no lado oposto do local original, onde continua de pé até hoje.
A visita real e a lenda que a acompanha fizeram dele um dos hotéis mais famosos do mundo. Hóspedes endinheirados podem passar a noite na suíte Princesa Elizabeth, ler lembranças da visita real na sala de jantar, ou contemplar um retrato da rainha entre presas de um elefante baleado por caçadores na década de 1960.
Elizabeth e Philip voltaram em 1983 a um Treetops muito diferente em comparação com 31 anos antes. O casal também mudou: as roupas de safári foram substituídas por um elegante vestido na altura do joelho para a rainha, e um blazer e gravata, para o duque de Edimburgo.
Por muitos anos, uma placa lembrava o local onde passaram a noite em que a princesa se tornou rainha. Agora não há sinal dela, guardada em um armazém quando o Treetops fechou suas portas no início da pandemia da Covid-19. Dois anos depois, com a rainha se preparando para celebrar seu Jubileu de Platina, permanece fechado como um ícone desbotado de uma época passada. (com AFP)