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As incertezas que povoam o horizonte da Praia do Futuro
Reportagem Especial

As incertezas que povoam o horizonte da Praia do Futuro

Os mais diferentes cenários permeiam os caminhos que virão a um dos principais pontos turísticos de Fortaleza e do Ceará

As incertezas que povoam o horizonte da Praia do Futuro

Os mais diferentes cenários permeiam os caminhos que virão a um dos principais pontos turísticos de Fortaleza e do Ceará
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Dia ensolarado, banhistas na faixa de areia, grande movimentação em estruturadas barracas de praia. É isso que, muitas vezes, se passa na cabeça de quem pensa na Praia do Futuro, um dos principais pontos turísticos de Fortaleza — e do Ceará, por extensão. Entretanto, o horizonte desta faixa do litoral da Capital é incerto. Efeitos de ações climáticas, o avanço do mercado imobiliário e até mesmo decisões judiciais, podem vir a mudar drasticamente o cenário da região.

O local, que diariamente atrai turistas e fortalezenses, é reconhecido pelo suporte de serviços oferecidos aos visitantes — um diferencial se comparada a outras praias do País. "A estrutura que essa praia oferece é sensacional. Você tem ducha, área de sombra e você não fica tão perto do mar, estamos amando", comenta Guilherme Polito, 30, turista vindo de Belo Horizonte (MG).

O fortalezense André Luis, 35, que aproveitava a praia ao lado da família, possui uma opinião similar à do turista mineiro. Quando perguntado qual o principal atrativo da Praia do Futuro, André é enfático. "As barracas. A Praia do Futuro tem esse diferencial, as barracas oferecem tudo e da melhor qualidade. A gente foi para Recife e não dá para comparar".

As mesmas estruturas capazes de atrair visitantes são alvo de uma antiga discussão jurídica. Segundo a Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SUP-CE), "construções em área de praia são totalmente irregulares", o que faria delas estruturas que ferem diretamente a legislação.

Movimentação na Praia do Futuro foi grande mesmo quando manchas de óleo voltaram ao litoral de Fortaleza
Movimentação na Praia do Futuro foi grande mesmo quando manchas de óleo voltaram ao litoral de Fortaleza (Foto: Thais Mesquita)

O assunto não é novo — o Futuro da Praia do Futuro possui amarras no passado. Desde 2005, tramita na Justiça uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) que pede a retirada das construções em faixa de areia, inclusive as que possuem autorização da SUP. Doze anos depois, determinação do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) decidiu pela retirada de construções que não possuíam a autorização da SUP. A decisão autoriza a demolição de novas construções, seja em casos de barracas que ampliaram sua área original ou de novas estruturas erguidas na faixa de areia.

Em relação ao futuro, Vandesvaldo de Carvalho, superintendente da SUP, garante que a área de praia não poderá ganhar novos empreendimentos como os que existem no local hoje. "De forma alguma, nós não estamos autorizados a conceder novos RIPs (Registro Imobiliário Patrimonial), então, se a barraca foi demolida, não vai mais poder ser erguida. Nada pode ser construído em terreno de praia", destaca.

Sobre uma possível mudança de foco do mercado imobiliário para a Praia do Futuro, o superintendente da SUP-CE explica que é preciso atenção na hora de adquirir um terreno em áreas próximas ao mar. "Se alguém desejar comprar algum espaço próximo à praia, deve consultar os cartórios para saber se aquele imóvel é particular ou público, consultar as pessoas que moram ali e perguntar se eles pagam o RIP", ressalta.

Não só potenciais novos compradores devem ficar atentos à ocupação de territórios da União. O futuro de quem é antigo morador daquela região também está "em jogo". Vandesvaldo explica que até mesmo quem vive no local há anos pode vir a perder seu imóvel, caso não possua autorização para ocupar a área construída.

"Não tem direito a usucapião para terrenos públicos, isso não garante propriedade, ninguém está autorizado a alienar, negociar ou vender áreas de praia".

Desenvolvimento da Região: Fórum Permanente e Prefeitura de Fortaleza

Questionada sobre o futuro da Praia do Futuro, a Prefeitura de Fortaleza destacou que toda a região vem sendo estudada para uma possível Operação Urbana Consorciada (OUC), que consiste em melhorias sociais e econômicas por meio de uma ocupação ordenada de determinadas áreas.

Região do Cais do Porto também faz parte do projeto
Região do Cais do Porto também faz parte do projeto (Foto: Thais Mesquita/O Povo)

De acordo com o Poder Executivo Municipal, parceria firmada entre a Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) será responsável por buscar alternativas de crescimento para a Praia do Futuro, assim como a região do Cais do Porto.

O Acordo de Cooperação Técnica, assinado no fim de 2021, prevê investimento de US$ 150 mil para a elaboração de estudos técnicos nas duas áreas da cidade. De forma prática, o estudo e o investimento realizados servirão para sistematizar e analisar informações relativas à possível aplicação da OUC na área.

Com os estudos finalizados, a expectativa é de que se tenha um projeto viável e com potencial financeiro para a região, sendo capaz de gerar desenvolvimento social, econômico e ambiental para a Praia do Futuro e para o Cais do Porto.

Ainda em 2017, foi criado o Fórum Permanente para a Requalificação da Praia do Futuro, gerando área de debate entre instituições públicas e privadas em busca de uma solução em conjunto para atender a determinação do TRF-5.

Ivan Assunção, diretor da Associação dos Empresários da Praia do Futuro, afirma que a última reunião do fórum ocorreu no fim de 2019. Naquele ano, as 25 instituições que o compõem aprovaram uma proposta de termo de referência para a realização do concurso nacional de ideias, um documento que agrupa aspectos ambientais e urbanísticos que visam a requalificação da área.

De acordo com Assunção, era aguardada para 2020 uma análise do documento por parte da Advocacia-Geral da União (AGU) e do MPF. Entretanto, a pandemia atrasou o andamento da situação.

De acordo com o Ministério Público Federal, existe a expectativa de que as tratativas sobre o assunto sejam retomadas neste mês de fevereiro de 2022. Já a AGU explica que o documento enviado para análise do órgão "confronta com o próprio pedido da Ação Civil Pública que deu origem ao processo e com o teor da fundamentação dos recursos interpostos pela União, uma vez que se busca na ação a demolição e desocupação de toda a área de praia em discussão".

A AGU destaca, ainda, que não é de sua atribuição apreciar os termos da proposta, sendo função da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, do Ministério da Economia, a análise técnico-jurídica, inclusive quanto à conveniência e à oportunidade das disposições contidas na referida proposta.

Por fim, a AGU garante que medidas já estão sendo tomadas para a identificação e regularização da situação de cada uma das barracas existentes no local. Em novembro de 2021, uma reunião entre o MPF, a SPU-CE e a AGU foi realizada para definir as estratégias para o cumprimento do acórdão do TRF-5, que devem ser adotadas no início deste ano, segundo a AGU.

Aumento do nível do mar ameaça a Praia do Futuro

Para além da discussão jurídica que pode transformar o cenário da região com a retirada das barracas de praia da faixa de areia, a Praia do Futuro ainda corre o risco de ser "condenada" pelo próprio mar.

Meio da Praia do Futuro na altura da Barraca Crocobeach
Meio da Praia do Futuro na altura da Barraca Crocobeach (Foto: Aurelio Alves)

Estudo realizado pelo geógrafo Antônio Jeovah de Andrade, especialista em indicadores geoambientais de flutuações do nível relativo do mar e mudanças climáticas, aponta que, em cerca de duas décadas, o cenário da praia deverá sofrer mudanças.

"De fato, o nível do mar está aumentando, e isso pode provocar erosões intensas, perda de biodiversidade e salinização dos aquíferos. Esta é uma provável dimensão da Praia do Futuro a médio e longo prazo, é aquela área ali salinizada", destaca o especialista.

O estudioso lamenta que, muitas vezes, o Poder Público não leva em consideração o "imenso volume de informações" que deveriam ser analisadas na esfera ambiental. O que, na avaliação de Andrade, faz certas regiões sofrerem com problemas que poderiam ser evitados.

"São abertas frentes de construção e de especulação e acabam tendo consequências como as que estamos vendo em Iparana e Cumbuco (praias de Caucaia), onde hotéis, casas e edifícios estão em risco pelo avanço do mar", relata.

Em relação à Praia do Futuro, o especialista destaca que o "engordamento" natural da praia está menor, ou seja, a faixa de areia deverá sofrer uma redução gradativa com o passar dos anos. "Estamos acompanhando a possibilidade da Praia do Futuro passar por processos erosivos a médio prazo, daqui a 20 ou 25 anos, o nível do mar vai estar em torno de 20 centímetros acima do nível atual", alerta.

 Avanço do mar na praia de Iparana, em Caucaia, resultado do processo erosivo na zona costeira
Avanço do mar na praia de Iparana, em Caucaia, resultado do processo erosivo na zona costeira (Foto: FÁBIO LIMA/O POVO)

 

De acordo com o professor, mesmo que a tendência de agravamento do problema pareça distante, já é possível observar processos erosivos em parte da região. "Por exemplo, vimos que coqueiros com mais de 20 anos de idade, das barracas da Praia do Futuro, mais próximas da desembocadura do Rio Cocó, já foram levados pela maré, foram erosionados".

Andrade, que coordenou o Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima de Fortaleza, é mais um a defender a demolição das construções que existem na faixa de areia da Praia do Futuro. Ele lembra que Salvador (BA) passou por um processo parecido quando uma determinação judicial resultou na retirada de mais de 300 barracas da orla.

O professor acredita que, com o aumento do nível do mar, as barracas possam buscar soluções paliativas para o problema, como a construção de um quebra-mar, o que, na análise do especialista, agravaria a situação. "Se vierem a construir barreiras contra a erosão vão desencadear uma série de outras questões, como já vimos no Icaraí e em Iparana", explica, citando as praias de Caucaia, município vizinho à Capital, dentro da Região Metropolitana de Fortaleza.

Além da retirada das barracas, o especialista cobra um melhor monitoramento da área por parte das autoridades, em questões que abrangem o plano de saneamento das estruturas que ocupam o local.

De acordo com a Prefeitura de Fortaleza, a gestão municipal possui "limitada a sua competência de órgão licenciador para o local" por se tratar de território da União. Entretanto, garante a exigência de que os estabelecimentos estejam com o "Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos e a Autorização Especial de Utilização Sonora regularmente emitidas, dentro do que preconiza o licenciamento ambiental".

 

Espaço eclético e atrativo norteia manutenção das barracas

Diante das incertezas do que se pode esperar para o futuro de um dos espaços mais tradicionais de Fortaleza, quem hoje possui empreendimentos comerciais na Praia do Futuro espera que o setor de barracas possa continuar avançando para atrair mais visitantes.

Estrutura das barracas de praia é diferencial da Praia do Futuro
Estrutura das barracas de praia é diferencial da Praia do Futuro (Foto: FABIO LIMA)

Para Ivan Assunção, diretor da Associação dos Empresários da Praia do Futuro e proprietário de um estabelecimento no local, a atual conjuntura da região é um dos principais atrativos do turismo de Fortaleza. Ele acredita que os investimentos em mais negócios devem atrair ainda mais movimentação ao local no futuro.

"Alguns hotéis da Beira Mar estão sendo vendidos e demolidos para se tornarem equipamentos de luxo. O que acontece é que alguns desses que estão hoje na Beira Mar têm a tendência de surgirem na Praia do Futuro, pode ser a grande cartada para melhorar a região".

Questionado se as barracas de praia estavam adotando uma postura de mercado mais exclusiva, com a construção de lounges e parques privados, Assunção explica que os empresários buscam seguir a tendência do mercado, mas que não possuem a intenção de dificultar o acesso aos estabelecimentos.

"Não é o habitual ter que pagar para entrar, não é o que o MP quer, não é o que a Prefeitura quer, assim como não é esse o ponto de vista da associação, mas tem que se olhar a Praia do Futuro com essa questão do negócio".

O empresário acredita que a Praia do Futuro possui opção para todos os gostos e atende às mais diversas condições financeiras de seus visitantes. "É uma praia eclética. Existem barracas que atendem todos os perfis dos frequentadores. Desde barracas mais simples, que atendem quem tem um poder aquisitivo menor, até barracas mais sofisticadas, que a pessoa tem essa opção mais exclusiva e reservada", analisa.

Assunção defende que as barracas de praia colaboram com a cidade como um todo, desde a movimentação da economia gerada pelos turistas, até a geração de empregos no bairro. "A Praia do Futuro tem um dos piores índices de desenvolvimento humano de Fortaleza (IDH). Você consegue melhorar isso trazendo renda para essa população. Pelo menos 60% dos funcionários moram na Praia do Futuro. Imagina se não fossem as barracas?", indaga.

Sobre o desenvolvimento da região, a Prefeitura de Fortaleza afirma que está em negociação para capacitar todos os permissionários da Praia do Futuro, assim como ocorreu com os mais de 1.354 que desenvolvem atividades empreendedoras na avenida Beira-Mar.

"Já tivemos uma turma piloto com 50 pessoas capacitadas, entre massoterapeutas e ambulantes da Praia do Futuro. Dessa forma, mais pessoas poderão se tornar empresários com negócios mais desenvolvidos”, enfatiza o titular da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SDE), Rodrigo Nogueira.

De acordo com Ivan Assunção, desde 2005, ano em que o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação para a retirada de barracas da Praia do Futuro, o número de estabelecimentos foi reduzido para cerca da metade do que existia, devido à insegurança jurídica.

Sobre os problemas ambientais relacionados à construção de edificações em área de praia, Assunção diz concordar com a preocupação ambiental e afirma que as barracas licenciadas "seguem à risca" questões de esgotamento e processo de reciclagem. (Colaborou Alexia Vieira)

Os bairros da Praia do Futuro

Praia do Futuro I

Área (km²): 1,73

Índice de Desenvolvimento Humano dos bairros (IDH-B): 0,291

População Residente: 6.630 (3.224 homens - 3.406 mulheres)

Praia do Futuro II

Área (km²): 3,17

Índice de Desenvolvimento Humano dos bairros (IDH-B): 0,168

População Residente: 11.957 (5.879 homens - 6.078 mulheres)

Fonte população: Censo Demográfico 2010 (IBGE)

Fonte área: IPLANFOR 2020

*A classificação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1 melhor o nível de desenvolvimento humano e, em sentido contrário, quanto mais próximo de 0 pior o nível de desenvolvimento

 

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