Doença silenciosa que pode passar despercebida em alguns casos, a endometriose pode trazer danos severos às mulheres (e demais pessoas com útero) acometidas. Os principais sintomas estão relacionados a dores extremas no período menstrual. É uma doença inflamatória que requer atenção para não ser confundida com uma cólica normal no ciclo. Dentre os prejuízos, há a dificuldade na prática de atividades laborais, de relações de interação social, e até infertilidade.
Conforme a Associação Brasileira de Endometriose (SBE), a doença é provocada por células do endométrio, tecido que reveste o útero, fora da cavidade uterina. No lugar de serem expelidas durante a menstruação, essas células se movimentam no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal. Lá, elas voltam a se multiplicar e a sangrar, o que ocasiona fortes dores no útero que são confundidas com cólicas menstruais. A doença acomete entre 10% a 15% das pessoas com útero brasileiras em idade fértil, de 13 a 45 anos.
Este mês é conhecido como Março Amarelo, voltado à conscientização sobre a doença.
Além das dores no período menstrual, outros sintomas surgem e podem estar relacionados à endometriose. São eles:
Os estudos apontam que a endometriose costuma se manifestar nas mulheres que estão na faixa dos 30 anos de idade. No entanto, os primeiros sintomas da doença também podem aparecer desde a pré-adolescência, na primeira menstruação, até pouco antes da menopausa, com a última menstruação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 15%, o equivalente a sete milhões de brasileiras, sofrem com essa patologia. Os dados da OMS indicam que os principais danos que a doença pode causar são infertilidade e, nos casos mais severos, impedimento de uma futura gravidez de forma irreversível.
A gravidade dos danos da doença foi reconhecida pela OMS em março de 2021, quando foi classificada como problema de saúde pública. Especialistas apontam a decisão do órgão internacional como marco para auxiliar no diagnóstico precoce da enfermidade. A OMS disponibilizou um compilado de informações cientificamente comprovadas da endometriose.
De acordo com a médica ginecologista e mestre em Ciência Clínico-Cirúrgicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Kathiane Lustosa, a endometriose tem um atraso no diagnóstico de sete a dez anos. “A mulher fica nesse período sem ninguém perceber que ela está com aquela doença. É uma doença que, por mais que grite por meio dos sintomas, acaba tendo uma perda do diagnóstico por falta do conhecimento sobre a endometriose”, resume.
A especialista destaca que a endometriose afeta a vida das mulheres por meio da perda da qualidade de vida devido às fortes dores. Isso afeta o aspecto físico, emocional e laboral, o trabalho. “Quando a gente vai para outros estudos socioeconômicos, a gente também tem taxas de absenteísmo (falta ao trabalho) nas mulheres em torno de 20% a 30%, que é muito alto. Elas faltam ao trabalho por conta da dor muito mais do que as mulheres que não têm endometriose”, informa.
Ainda segundo Kathiane, a falta de diagnóstico da doença acarreta em um preconceito com as mulheres, além do surgimento de problemas psicológicos. “Isso tudo acaba gerando uma misoginia em relação a não contratar mulheres. Tudo isso por conta da falta de um diagnóstico. Isso afeta não só a própria mulher, mas seu trabalho, família, seus relacionamentos sociais que acabam gerando depressão e ansiedade”, destaca.
Infelizmente, a endometriose é uma doença crônica, mas ainda que não tenha cura, existem tratamentos. É possível conviver com o problema desde que a pessoa receba acompanhamento adequado. A abordagem é multidisciplinar e individualizada, conforme idade e pretensão de cada mulher — ou seja, se pretende ter filhos ou não. Os principais tratamentos são clínicos e cirúrgicos.
Conforme Kathiane Lustosa, na parte clínica, é preciso se atentar para os seis "D"s: dismenorreia (dor em forma de cólica durante o período menstrual); dispareunia (dor durante as relações sexuais); disquezia (dor ao evacuar ou alterações intestinais durante a menstruação); disúria (dor ao urinar); dificuldade de engravidar e dor pélvica crônica.
O exame ginecológico clínico é o primeiro passo para o diagnóstico, pois pode identificar nodulações já existentes ou pontos de dor crônica associados. Após a suspeita clínica, é necessário ultrassom transvaginal para o mapeamento de lesões profundas ou ressonância magnética. “Os exames de imagem, além dos exames clínicos, vão servir para classificar o estágio da doença, caso ela seja diagnosticada”, explica Kathiane.
Em relação aos tratamentos da doença após o diagnóstico, a mulher pode passar pelo tratamento clínico, que consiste no uso de anticoncepcionais para impedir que o tecido endometrial continue crescendo, mas que suspendem a menstruação. Caso a paciente pare de tomar o remédio, esse tecido pode voltar a crescer.
Já o tratamento cirúrgico consiste na retirada das lesões causadas pela endometriose, através da cirurgia minimamente invasiva. Esse tratamento é recomendado nos casos nos quais a paciente deseja engravidar posteriormente, e embora haja a possibilidade de o tecido voltar a crescer, uma nova cirurgia de remoção poderá ser feita.
A maquiadora e influenciadora digital Lívia Parente Vasconcelos, 43, foi diagnosticada com a doença aos 40 anos. No entanto, ela suspeita que a endometriose já estava presente há dez anos na sua vida. “Eu acredito que eu já tinha o quadro há anos. Eu comecei a sentir as dores mais intensas durante o período menstrual há sete anos, por volta dos 33 anos de idade. Antes disso, eu não sentia cólica menstrual”, disse.
Os primeiros sintomas, conforme a maquiadora, basearam-se em dores intensas no período menstrual. Ela relata que as dores a incapacitavam de realizar algumas tarefas. “Eu ficava sem condições de realizar atividades do dia a dia, como trabalhar, porque sentia muita dor. Eu ficava à base de mediação muito forte para poder conseguir executar minhas tarefas diárias. Nos períodos, ficar sentada muito tempo doía, ficar em pé e deitada também, me limitava em quase tudo que eu ia fazer”, lembra.
Ela relata que o principal prejuízo foi a infertilidade. E destaca que a falta de conhecimento sobre a doença, devido à pouca divulgação da endometriose, prejudicou o diagnóstico precoce. “A própria doença não é debatida em locais que podemos ter acesso, como a TV aberta em novelas ou até mesmo nas redes sociais”, pontua.
Para o caso de Lívia, o tratamento indicado foi o cirúrgico, realizado após três anos do diagnóstico da doença por opção dela. Um mês após a cirurgia, a maquiadora revela que já sentiu mudanças devido também a alterações na sua alimentação, outra abordagem indicada como tratamento da endometriose. Por fim, Lívia destaca que os próximos passos são a inclusão das atividades físicas na recuperação e continuidade no tratamento da doença.
Já para a profissional de Recursos Humanos (RH) Jordana Oliveira, 33, a doença "chegou" quando ela tinha apenas 17 anos. Na época, ela lembra que os principais sintomas foram as dores intensas no período menstrual. “Não conseguia realizar nenhuma atividade se não fosse com remédios para passar as dores. Tinha vezes em que eu chorava de tanta dor”, lembra.
A procura de um especialista para saber do que se tratava ocorreu de forma rápida, ainda aos 17, relata Jordana. Após o diagnóstico, o tratamento indicado foi o cirúrgico devido às grandes lesões no tecido do útero. A profissional de RH comenta que, após saber sobre a endometriose, o principal medo era da infertilidade.
“Tive medo de não poder ter filhos após a cirurgia. Lembro que foi um período de muita preocupação, mas com os demais encaminhamentos, como melhorar a alimentação e a busca pelas atividades físicas, eu senti uma melhora nas dores. Atualmente, tenho dois filhos, uma menina e um menino, e não sinto tantas dores no período menstrual”, comenta.
Os sintomas da doença apareceram para a pedagoga Liana Herculano, 40, logo após o primeiro ano de menstruação, quando tinha 14 anos. Ela lembra que durante o período menstrual, na época, sentia fortes dores de cólica que, às vezes, a impossibilitavam de ir à escola ou de fazer atividades como jogar vôlei ou andar de patins, frequentes na época da adolescência.
Na fase adulta, as dores se tornaram cada vez mais intensas. Com 28 anos, ela foi diagnosticada com endometriose após suspeitar dos sintomas e procurar ajuda médica. “Me passaram uma transvaginal. Nesse exame deu os primeiros indícios da doença”, disse. O tratamento inicial, segundo ela, foi apenas por meio de anticoncepcionais, mas a doença progrediu ao longo do anos e chegou na fase mais grave.
Quando tinha 33 anos, Liana relata que a endometriose já estava nos dois ovários, o que a fazia correr o risco de perdê-los sem nunca ter engravidado. Além disso, “tinha trompas obstruídas, ela estava atrás do útero, na bexiga, nos dois uretéricos, no intestino, na vagina e no peritônio. E a anatomia pélvica também estava distorcida”. A saída, nesse caso, foi uma cirurgia de vídeolaparoscopia, procedimento para a retirada dos focos de endometriose espalhados pelos órgãos.
Segundo Liana, o que mais a impactou ao ser diagnosticada com a doença foi a possibilidade de não conseguir ter filhos. “O meu maior medo foi não conseguir ter filhos. Quando o médico disse que eu poderia ficar estéril foi um medo muito grande, por vários anos isso me assombrou”, lembra. Ela conta que três meses após a cirurgia conseguiu engravidar de forma natural e que sua qualidade de vida aumentou, pois as dores também cessaram. Atualmente, Liana é mãe do Benjamin, de 5 anos.
A pedagoga pontua que o diagnóstico precoce da doença é uma das principais saídas para evitar o sofrimento das mulheres acometidas com a doença. Em virtude disso, ela fundou, em parceria com sua prima, Gabriela Herculano Silva, o Grupo de Apoio às Mulheres Portadoras de Endometriose (Gampece). Com atuação por meio das redes sociais, o coletivo aborda a conscientização da doença para buscar, principalmente, o diagnóstico precoce.
Conforme o especialista em reprodução humana e membro da Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, o médico Evangelista Torquato, o principal alerta para as mulheres buscarem o diagnóstico precoce vem do próprio corpo: “Não banalize a dor”. “Não achem que mulher pode sentir cólica menstrual e isso ser algo normal. Se você tem cólicas menstruais fortes, passe a pensar que você pode ter endometriose”, aponta.
Ainda segundo o especialista, normalmente há um atraso no diagnóstico das pacientes em todo o mundo. A média de atraso quando a paciente começa a sentir os sintomas até o diagnóstico é de 6 a 8 anos, segundo Torquato.
O atraso gera o diagnóstico tardio, o que pode ocasionar possibilidade do avanço da doença em alguns casos, fazendo também com que o diagnóstico das pacientes seja feito após os 30 anos de idade.