Aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 2021, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) ganhou destaque nos noticiários esportivos e tem movimentado os bastidores dos times brasileiros nos últimos meses. Criado pela Lei 14.193/2021, o novo modelo de gestão empresarial possui tributação diferenciada e permite a transformação de clubes em empresas.
Vista como uma forma de profissionalizar a gestão dos clubes, reduzir as dívidas e alavancar as receitas por meio de investidores, a SAF atraiu times tradicionais do futebol brasileiro, como Botafogo-RJ, Cruzeiro-MG, Vasco da Gama-RJ e América-MG, equipes que já concluíram ou estão em processo de transição para o novo modelo.
O advogado Breno Gondim, especialista em direito desportivo, destaca que, além da melhoria da gestão dos clubes, com aumento da transparência, a principal vantagem da SAF é a possibilidades das agremiações esportivas reestruturarem suas dívidas.
Leia também |
Ronaldo Fenômeno anuncia a compra do Cruzeiro
Presidente do Fortaleza aprova projeto da LaLiga para criação de liga brasileira
"A SAF nasceu com regramentos específicos para o futebol. A vantagem é que, teoricamente, o clube vai passar por um processo de profissionalização da sua gestão, com possibilidade de atrair investidores. Além disso, o modelo veio com essa possibilidade de reestruturar a dívida de clubes que estão praticamente falidos. Essa reestruturação faz parte de um regime de centralidade de execução, que permite a unificação das dívidas cíveis e trabalhistas", explica.
"É organizada uma fila desses processos, com prioridade para os passivos trabalhistas. A Lei prevê que 20% da arrecadação da SAF seja destinada ao pagamento de credores. Dentro desta organização, é previsto um prazo para a quitação dessa dívida. Caso os pagamentos sejam cumpridos sem atrasos, a Lei também prevê a prorrogação desse passivo por mais quatro anos para que a agremiação possa se reestruturar e dar continuidade às suas atividades no futebol", complementa.
Apesar dos benefícios que o novo mecanismo pode trazer, Gondim ressalta que a mudança para o novo modelo deve ser bastante discutida pelos clubes, já que não há garantias de que a adoção da SAF alcance o resultado esperado, uma vez que o formato escolhido varia de acordo com as negociações entre clubes e investidores.
"Entendo que a adoção do modelo de SAF precisa ser uma decisão muito estudada e fundamentada. Não pode ser algo feito de última hora, já que, uma vez que o clube é transformado em Sociedade Anônima do Futebol, ele não pode retornar ao modelo associativo. Sendo assim, o clube corre o risco de entrar em recuperação judicial e acabar sofrendo as mesmas consequências de qualquer outra empresa", ressalta o advogado.
Clique no escudo para ver a situação do time
Com gestões eficientes, finanças equilibradas e cientes das eventuais vantagens e dos riscos do novo modelo, Fortaleza e Ceará apostam na cautela em relação à adoção da SAF. As diretorias dos dois principais clubes do Estado não descartam a transição para o modelo no futuro, mas entendem que estão em posições que permitem aguardar como o mecanismo vai funcionar no futebol brasileiro.
De acordo com Arthur Lídio, diretor administrativo do Fortaleza, a SAF não é vista como uma forma de sanar dívidas, como ocorre com alguns clubes, mas como uma opção de crescimento para o Tricolor do Pici.
"Estamos abertos para discutir com investidores o que seja melhor para o Fortaleza. Entendemos que, no futuro, a SAF pode captar investimentos e trazer melhorias estruturais, tecnologias e auxiliar na contratação de atletas, gerando retorno para os investidores. Temos a possibilidade de pensar com calma sobre esse assunto por termos um clube que está sanado e com endividamento baixo. Sabemos que tudo muda muito rápido no cenário do mercado futebolístico, mas a posição do Fortaleza hoje é que estamos aberto a discussões, mas com investidores que tenham o interesse de serem minoritários e que a gestão continue sendo tocada pelo clube", disse o dirigente tricolor.
João Paulo Silva, diretor financeiro do Ceará, destaca que a SAF já é uma realidade do futebol brasileiro, mas ressalta que o novo modelo ainda é recente e precisa ser analisado. No entendimento do dirigente alvinegro, neste momento, não é positivo para o clube aderir à modalidade.
"A SAF é uma realidade, mas o que podemos observar é que, neste momento, os clubes que estão com uma situação financeira mais desequilibrada estão aderindo. Precisamos analisar como a SAF vai se comportar com os clubes. É necessária certa cautela. O Ceará é um clube que tem as suas finanças equilibradas, temos o menor passivo entre os clubes de Série A do país. Então, neste momento, não vejo a SAF como uma opção ou algo tão positivo para o Ceará. Vamos aguardar e ver como que esse modelo vai evoluir, principalmente no futebol brasileiro", alerta.
Apesar da prudência em relação à Sociedade Anônima do Futebol, Arthur Lídio entende que, no médio-longo prazo, a adoção da SAF pelos clubes brasileiros será inevitável.
"Entendo que quando surgir uma liga brasileira, a adoção da SAF será inevitável. Todos os times caminharão para sair de um modelo associativo e terem investidores, assim como ocorre na Premier League atualmente. Isso porque a liga vai profissionalizar o futebol brasileiro e isso vai atrair mais investidores. Na medida em que esses investimentos ocorrem, em um cenário em que tudo já esteja estruturado, os times vão ficando mais competitivos, vão subindo de patamar e é inevitável que os outros também entrem. Então, olhando numa perspectiva mais a longo prazo, com a estruturação da Liga Brasileira, vai ser um caminho natural todos os clubes receberem algum tipo de investimento", disse.
Breno Gondim entende que a adoção da SAF por Fortaleza e Ceará não seria vantajosa para os clubes neste momento e defende que as duas equipes devem permanecer no modelo atual.
"Atualmente, são clubes que estão com gestões profissionais, organizados financeiramente e são autossustentáveis. Não precisam de investidor. Os dois times possuem receitas muito boas, principalmente com as torcidas, jogos e patrocínios. Esse não é um momento apropriado para as duas equipes pensarem em se transformarem em SAF. São clubes de massa, a torcida quer participar, saber o que está acontecendo. Desde que tenha a gestão que estamos vendo em Fortaleza e Ceará, o modelo associativo é mais interessante", ressalta.
De acordo com as diretorias de Fortaleza e Ceará, não há negociações em andamento com investidores interessados na SAF.