Você já se perguntou para que serve o Censo? Considerado o retrato do Brasil e a maior operação estatística do País, ele é o único levantamento que vai a todos os domicílios brasileiros para responder a perguntas como “quantos somos?”, “como somos?”, “onde vivemos?” e “como vivemos?”.
A pouco mais de três meses para o seu início, o Censo Demográfico 2022, cuja coleta de dados começa em 1º de agosto, marca os 150 anos do primeiro recenseamento feito no Brasil. A contagem da população brasileira começou ainda no Império, em 1872, quando o País era uma monarquia governada por Dom Pedro II, a escravidão ainda existia e 70% dos cidadãos eram analfabetos.
Hoje o Censo Demográfico é a principal fonte de informações sobre a condição de vida dos brasileiros. Feita a cada dez anos a partir de uma mobilização gigantesca que envolve bilhões de reais, planejamento prévio e um batalhão de profissionais, esta será a 13ª vez em que a pesquisa acontece no Brasil e a nona em que é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — o que ocorre após diversos percalços, dentre eles a crise sanitária e orçamentária que assolou o País nos últimos anos.
Programada para acontecer em 2020, a 13ª edição precisou ser adiada para o ano seguinte em virtude do agravamento da pandemia de Covid-19, e passou para 2022 depois que o orçamento previsto para 2021 sofreu uma redução de 96%, além de um corte de R$ 17 milhões sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Em 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a defender a redução de 25% no custo da pesquisa, por considerá-la cara. “Vamos tentar, pelo amor de Deus, simplificar. O Censo dos países ricos tem dez perguntas, o brasileiro tem 150 (o que não procede). Se perguntar demais você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber. Sejamos espartanos, façamos as coisas mais compactas”, afirmou à época.
Embora complexa, por se tratar de uma nação de dimensões continentais, a realização do Censo é fundamental para a sociedade. “Sem ele, o Brasil não existe. É o retrato detalhado que permite o País crescer, se planejar, até mensurar os próprios impactos da pandemia. É o momento em que o governo vai até a população e diz que ela está inserida, que ela existe, que o governo quer conhecê-la e reconhece a sua existência”, afirma o economista Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE.
Por meio da coleta de dados são mapeadas as características dos habitantes de cada rua, vila e localidade — como identificação de etnia e raça, estado civil, núcleo familiar, fecundidade, religião ou culto, deficiência, escolaridade, trabalho e rendimento, taxas de natalidade e mortalidade, por exemplo.
O levantamento serve para desenhar as bases da população e contornar a geografia nacional, por isso é utilizado tanto para que os governos possam identificar áreas que merecem a atenção de políticas públicas (saúde, educação, habitação, transporte, energia), como para que a iniciativa privada possa escolher onde investir seus recursos, com a instalação de fábricas, shoppings, restaurantes e lojas.
Para João França, diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), um exemplo concreto da importância do Censo foi vivenciado recentemente no mundo inteiro: a vacinação contra o vírus da Covid. “Se você conhece o perfil populacional, consegue elaborar um plano melhor de vacinação, priorizando primeiro os idosos, depois a população adulta, até chegar nos jovens”, ratifica.
No ano de 2018, para estimar a população alvo da Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o Sarampo, o governo usou informações do Censo de 2010 e estimativas populacionais de 2012.
Uma das novidades para esta edição é a inclusão de perguntas para identificação de quilombolas e diagnóstico de autismo. Além disso, haverá o georreferenciamento dos domicílios, “o que pode ajudar em casos de catástrofes como a que houve em Petrópolis, para saber onde haviam casas, quantas pessoas moravam naquela região, até mensurar a quantidade de vítimas”, explica o chefe da unidade estadual do IBGE no Ceará, Francisco Lopes.
Em 2022, a parte de campo da pesquisa segue até outubro e os primeiros resultados preliminares já devem ser divulgados em novembro. De acordo com Lopes, a estrutura para o Censo está pronta e deve contar com a força-tarefa de 180 mil pessoas trabalhando nas 27 unidades federativas, espalhadas por 6.100 postos de coleta e 583 agências do Instituto. Com isso, espera-se recensear:
O primeiro teste de campo para o Censo 2022 no Ceará após o início da pandemia de Covid-19 foi realizado no distrito de Ema, no município de Pindoretama, no final de 2021. Foram empregadas as três abordagens alternativas e complementares de coleta de dados que serão utilizadas neste ano: presencial, por telefone e pela internet.
Para Roberto Olinto, que chefiou o Instituto de 2017 a 2019, um dos principais desafios é a conscientização da população sobre a importância de receber o recenseador em casa. “Os grandes desafios são as falhas orçamentárias, que podem gerar lacunas na qualidade do trabalho, e a propaganda, a comunicação, para mostrar à população que vai ser realizado, a importância de abrir as portas. Isso não é pra ser feito apenas no Instagram ou no Facebook”, alerta.
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A partir do dia 1° de agosto, a sociedade começará a responder ao Censo 2022, que deve visitar mais de 70 milhões de domicílios brasileiros dos 26 estados e do Distrito Federal. Mais de 200 mil pessoas estarão envolvidas nos trabalhos, sendo pouco mais de 180 mil recenseadores.
Os profissionais que vão às residências trabalharão uniformizados com boné e colete azul com a logomarca do IBGE. No colete, há também o crachá de identificação, com foto, e os números de matrícula e identidade do entrevistador. Eles utilizarão o Dispositivo Móvel de Coleta (DMC) de cor azul, semelhante a um smartphone, para registrar as informações.
Os 183.538 Dispositivos Móveis de Coleta (DMCs), smartphones que serão usados pelos recenseadores nas pesquisas do Censo, contarão com a lista prévia de endereços e uma intensa utilização de sistemas georreferenciados; além de chips 4G para transmissão direta para o Data Center Principal do IBGE no Rio de Janeiro. Caso não haja sinal das redes móveis, o recenseador poderá transmitir de qualquer lugar que tenha conexão WiFi.
Seguindo o modelo adotado no Censo Agropecuário de 2017, os DMCs podem ter os softwares instalados e as configurações realizadas de forma remota por meio do software de gerenciamento MDM (Mobile Device Management, ou gerenciamento de dispositivos móveis), que dá produtividade à operação censitária. Junto com o MDM, cada dispositivo móvel receberá um módulo Kiosk, um recurso que consiste em bloquear as instalações e utilizações de outros aplicativos (música, jogos, streaming) que não sejam relacionados à operação censitária.
por Nelson Senra (*)
Antes de mais nada não há como não realçar o censo de 1872, porquanto foi o primeiro que o país fez, ainda ao tempo do Império; à altura, por mais que outros países já fizessem censos, e os Congressos Internacionais de Estatística já orientassem a elaboração das estatísticas, há que convir que o nosso Brasil era muito grande, e nossas experiências em produzir estatísticas eram no máximo localizadas; assim sendo dado que esse censo foi um sucesso, há que se valorizá-lo.
Outro marco foi o censo de 1920, que esteve sob o comando do médico Bulhões Carvalho, e que conseguiu repensar a atividade estatística brasileira, sendo o grande mestre de Teixeira de Freitas, o idealizador do IBGE. Pois já sob o IBGE eu marcaria seu primeiro, o de 1940, exatamente por ter sido seu primeiro, já que garantiu sua existência, em seguida merece realce o de 1970, pois recoloca nos trilhos a série censitária depois do atraso na apuração do de 1960 (no qual se tentou usar o chamado “cérebro eletrônico”, que foi então um fiasco).
Daí eu marcaria dois momentos: o censo de 1991 (infelizmente não realizado em 1990, o que quebrou a série histórica), porque ele tornou, pela primeira vez, o censo uma pesquisa contínua na estrutura do IBGE, o que foi essencial; e os que viriam a partir de 2000, dado que já não mais usariam questionários em papel, mas antes o PDA, com crítica imediata da entrada de dados, e pondo fim aos pools de digitalização, o que diminuiria enormemente o tempo de divulgação dos resultados, inclusive permitindo a não mais divulgação em papel, mas antes em arquivos eletrônicos.
Estarmos fazendo o censo nesse momento em que a pandemia ainda não acabou, em que a vacinação ainda não atingiu por inteiro a todas as pessoas, em todas as doses recomendadas pelos cientistas, não é o ideal, mas os Agentes Censitários estarão devidamente protegidos, por si, e pela população (afora que se dará, com ênfase, a chance de resposta pela Internet e por telefone). Outro ponto é que estaremos em meio a uma eleição por demais polarizada; fazer um censo em meio a uma eleição não é problema e o IBGE já o fez, mas esta já se antevê será muito polarizada; será preciso ter muito cuidado a todo instante.
Noutro ponto, ainda que o orçamento tenha sido liberado sempre há despesas não previstas que se não forem supridas de imediato podem impactar irremediavelmente o andamento da operação censitária, não importa em que momento ela esteja. Por fim, não haver censo é sempre um prejuízo irremediável para todo e qualquer país, por melhor que seja seu portfólio de pesquisas, por o censo é a única pesquisa que chega a todos os domicílios e a todos os municípios. Um detalhe, estarmos fazendo o censo em 2022, em não o termos feito em 2000, não importa a razão, implicará fazer uma contagem de população no meio da década, lá para 2026, mais ou menos.
Não tenho a menor dúvida em afirmar que os governos precisam dar autonomia e independência ao IBGE. Deixar-lhe o orçamento livre, e jamais interferir em suas liberdades técnicas. O IBGE precisa ser valorizado, e não há dúvida de que seu papel se equivale ao do Banco Central ou do BNDES e a outros órgãos tão em voga. Ele não pode e não deve ser visto como um dos tantos órgãos postos no achincalhamento, sempre injusto, que se faz ao serviço público. É preciso distingui-lo como um órgão de excelência, sempre respeitado na ONU, na OIT, na FAO, e nos demais organismos internacionais.
Sem a Casa de Teixeira de Freitas o Brasil fica ingovernável, só os maus governantes não veem isso; só os governos que não planejam para o amanhã, por curto que seja esse amanhã, é que podem dispensar as estatísticas, sob a coordenação de um órgão como o IBGE.
(*) Pesquisador e professor no IBGE, doutor em Ciência da Informação pela UFRJ e Mestre em Economia pela FGV-RJ