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Centenário de Antonio Bandeira: um artista do Ceará e do Mundo
Reportagem Especial

Centenário de Antonio Bandeira: um artista do Ceará e do Mundo

Um dos principais nomes das artes visuais do País, o cearense Antonio Bandeira foi figura essencial para a efervescência cultural experimentada pelo Ceará nos anos 1940 a 1960

Centenário de Antonio Bandeira: um artista do Ceará e do Mundo

Um dos principais nomes das artes visuais do País, o cearense Antonio Bandeira foi figura essencial para a efervescência cultural experimentada pelo Ceará nos anos 1940 a 1960
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Da rua Santa Isabel até alcançar o mundo, foram pouco mais de duas décadas. A via da infância, porém, não abandonou o pintor cearense Antonio Bandeira quando ele esteve em Paris nos anos 1940, assim como o fervor global já parecia despontar dentro do menino fortalezense que brincava de rabiscar. Regional e universal, o artista cearense teve papel crucial para a construção de movimentos e formatos que seguiriam marcando décadas depois os modos de fazer arte no Ceará e no mundo. Para comemorar o centenário do nascimento de Antonio Bandeira, em 26 de maio de 2022, o Vida&Arte ressalta o lado agitador do pintor.

O contato inicial de Bandeira com a formação artística veio, ainda cedo, a partir de Dona Mundica, professora de artes que o ensinava a reproduzir outras obras. Foi essa a base do menino-artista, mas o desenvolvimento se deu, verdadeiramente, no começo dos anos 1940, quando ele se aproxima de nomes como Mário Baratta (1915-1983), Raimundo Cela (1890-1954) e Aldemir Martins (1922-2006).

 

O grupo de artistas fundou, em 1941, o Centro Cultural de Belas Artes (CCBA), que depois se transformaria na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). “A importância foi tão grande que até hoje não aconteceu movimento cultural semelhante”, avalia o artista visual Francisco Bandeira, sobrinho do pintor e também estudioso de vida e obra do tio.

“Na (avenida) Duque de Caxias, havia uma casa onde eles se reuniam — foi demolida —, trocavam. Bandeira estava aglutinado com essas pessoas, foi muito importante a SCAP por toda essa efervescência cultural”, segue Francisco. Nas reuniões e encontros do grupo, eram comuns as ajudas mútuas, as trocas, os comentários e avaliações sobre as produções.

O artista Antonio Bandeira em ateliê(Foto: reprodução)
Foto: reprodução O artista Antonio Bandeira em ateliê

Para a historiadora de arte e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carolina Ruoso, “a dimensão do fazer junto, de modo colaborativo, de movimentar as artes, é extremamente importante para compreender a agitação que vai se construindo no Ceará” na primeira metade do século XX.

Foi o mesmo grupo, por exemplo, que estabeleceu o Salão de Abril como um dos principais espaços de exposição das artes visuais de Fortaleza. Lançado no começo da década de 1940 como iniciativa da Secretaria de Cultura da União Estadual dos Estudantes, o evento passou a ser realizado pelos membros da SCAP até, em 1964, ser assumido pela administração municipal.

“Ele não é um um salão que inicia instituído como algo pensado pelo estado, mas é resultado de um processo de articulação coletiva de estudantes que estão interessados em ver, mostrar, discutir sobre artes, criar espaços de arte e, sobretudo, mostrar que há uma arte produzida no Ceará”, ressalta Carolina. A primeira exposição de Bandeira foi, justamente, no primeiro Salão de Abril, em 1942, do qual saiu vencedor.

Com o destaque obtido ainda no início da carreira, o artista passou, então, a circular pelo País, muito a partir do apoio do artista Jean-Pierre Chabloz, suíço radicado no Ceará. “Chabloz viu que Bandeira tinha potencial, porém teria que sair do Ceará, como muitos artistas faziam, ir para o Rio de Janeiro. Hoje em dia, não mais”, explica Francisco.

A viagem para a então capital federal ocorreu em 1945, período no qual Bandeira acaba por ganhar uma bolsa para estudar na Escola Superior de Belas Artes e na Academia de La Grande Chaumière, em Paris, para onde se muda já em 1946.

Na capital francesa, explica Francisco, Bandeira “se apaixona pelos abstratos” a partir da relação, especialmente, com o pintor alemão Wols, o que o aproxima da estética pela qual se tornaria mais reconhecido. “Ele começa, em 1949, 1950, a entrar num abstracionismo informal, lírico, a fazer exposições”, segue o sobrinho.

Obra "Crepúsculo", 73 X 53cm, óleo sobre tela com técnica mista (1966)(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Obra "Crepúsculo", 73 X 53cm, óleo sobre tela com técnica mista (1966)

Nos eventuais retornos ao País neste período, deixou “todo mundo pasmo” com a nova fase. “Ele rompe completamente com o figurativo, surge com o abstrato informal. Tinha uma crítica de que o abstrato seria ‘jogar tinta na tela’. Alguns não aceitavam, mas ele rompeu os paradigmas”, afirma Francisco.

Apesar de começar a se estabelecer na Europa, o artista seguia ligado à terra natal. Em texto publicado na edição de 1º de julho de 1963 do O POVO, o pintor assume “a ternura do filho que vai e volta”. “Antonio Bandeira nunca abre mão do compromisso dele. Não é porque vai para França que vira as costas. Ao contrário, Bandeira é extremamente generoso na relação com o Ceará e, claro, o Ceará também é generoso com ele”, explica Carolina.

Na mesma época em que começava a circular no contexto cultural parisiense, Bandeira também inicia a atuação na gênese do que viria a ser o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc), projeto capitaneado pelo reitor Antônio Martins Filho (1904-2002) e concretizado oficialmente, com apoio de artistas cearenses, em 1961.

“Antonio Bandeira é uma figura central para imaginação, concepção, criação e inauguração do Mauc”, resume Graciele Siqueira, museóloga e diretora do equipamento. Além de Bandeira, outros artistas visuais do movimento efervescente dos anos 1940 e 1950 na Capital cearense, como Heloysa Juaçaba e Zenon Barreto, foram interlocutores importantes para a construção do museu.

“Data de 1949 o encontro deles em Paris e da inserção de Bandeira na Embaixada Clóvis Bevilacqua, chefiada por Martins Filho, como integrante e cicerone pela capital francesa do grupo cearense”, avança Graciele. A viagem referida foi, avalia a diretora, a “fagulha” do projeto.

“Competiu a Bandeira levá-los aos museus e galerias de arte e ao Quartier Latin para contato dos cearenses com o campo museal e cultural europeu. Como foi algo marcante para Martins Filho, acredito que ali foi acendida uma fagulha para se pensar um primeiro museu de arte para a capital cearense”, avalia Graciele.

A construção coletiva do Mauc chega ao ápice, justamente, na inauguração do equipamento. Bandeira esteve presente na ocasião, vindo direto de Paris para a abertura de uma exposição que trazia recorte da produção de pinturas dele e que marcou o início oficial das atividades do museu.

O texto do catálogo da exposição de Bandeira, escrito pelo advogado, jurista e escritor Fran Martins — irmão de Martins Filho —, dava o peso da presença do artista para o museu recém-criado: "Nada melhor do que uma exposição de Bandeira para mostrar que o Museu de Arte da Universidade do Ceará nasceu vivo e promete endiabrar-se”, professou.

Da construção do Salão de Abril à do MAUC, Bandeira orbitou a criação de movimentos que, décadas depois, se tornariam não somente referenciais, mas também institucionais. “Já falavam de descentralização da arte, federalização da cultura. Esse debate existia no Ceará nos anos 1940. Eles estavam trabalhando para criar e conquistar instituições no âmbito local sem perder a dimensão de um diálogo nacional e internacional. Era um desejo em pauta, constante, nessa geração dos anos 1940 a 1960. Foi uma geração que estava desenhando as bases de uma política cultural no Ceará”, afirma Carolina.

Longa de Joe Pimentel desvela trajetória do pintor Antonio Bandeira(Foto: reprodução)
Foto: reprodução Longa de Joe Pimentel desvela trajetória do pintor Antonio Bandeira

“Eles estavam fazendo esse debate, tinham consciência de que havia um contexto cultural no Ceará que precisava também de investimento, uma discussão política fundamental da gente retomar nesse momento por conta dessa discussão das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo”, correlaciona a pesquisadora.

Nessa construção da ligação local-nacional-internacional, Bandeira teve papel central. “Ele tem um discurso brilhante nesse sentido ao falar de circulação. Ele é um artista que circula, que está no Ceará, em São Paulo, no Rio, na França, nos Estados Unidos. Bandeira é um intelectual mediador da imaginação sobre uma cultura cearense em um debate geopolítico”, define Carolina.

Obra "Retrato de Menino", 39,8 X 28,5cm, óleo sobre placa de madeira (1942)(Foto: reprodução)
Foto: reprodução Obra "Retrato de Menino", 39,8 X 28,5cm, óleo sobre placa de madeira (1942)

No já citado artigo escrito pelo artista em 1º de julho de 1963, no qual discorre sobre uma mostra de obras assinadas por ele em cartaz no Mauc, Bandeira atesta: "Esta seria uma exposição que poderia ter sido pendurada em Paris, Londres, Nova Iorque ou Rio de Janeiro. E penduro-a em Fortaleza porque creio que a cidade já está acordada para as grandes emoções e os grandes acontecimentos de cultura e sensibilidade".

“Bandeira é o artista que viajou, migrou, fixou residência, revolucionou a arte, mas que não perdeu o contato com a sua terra natal, fazendo-a presente nas suas obras. Inquieto buscou outros ares e aprendizados, mas retornou compartilhando as suas experimentações e refrescando a cena cultural cearense”, dialoga Graciele.

Após abrir a década de 1960 inaugurando não somente o Mauc, mas também o Museu de Arte Moderna da Bahia, que teve trabalhos iniciados em 1961 com uma exposição do cearense — a quem o escritor Jorge Amado definiu à época como “o primeiro pintor nacional do País” —, Bandeira deixou novamente o Brasil pela Europa pouco depois da instauração da ditadura militar.

Obra da série "Poemalhitos", 48,0 X 34,5cm, litografia sobre sapel com uso da trama natural (1960)(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Obra da série "Poemalhitos", 48,0 X 34,5cm, litografia sobre sapel com uso da trama natural (1960)

“Quando ele volta para Paris, já estava em nova fase, fazendo monotipias (técnica de impressão) e se preparando para fazer uma grande exposição em Nova York”, reconta Francisco. “Bandeira não estava mais no abstracionismo. Era uma pintura mais leve, suave. O artista vai mudando. Ele conseguia ser multifacetado”, avança o sobrinho.

As experimentações foram interrompidas, porém, em 6 de outubro de 1967, quando Bandeira morreu precocemente, aos 45 anos, após complicações de uma operação cirúrgica. “Se não tivesse falecido cedo, ele teria estimulado a criação de outras estruturas formais e informais, como espaços expositivos dos artistas locais e de circulação de artistas de outras regiões”, acredita Graciele.

 

 

Tons de Bandeira

Por Kadma Marques, Vera Novis e Denise Mattar*

Pesquisadoras Kadma Marques, Vera Novis e Denise Mattar elaboram diferentes faces da vida e obra do cearense Antonio Bandeira.

 

 

Bandeira Monumental – ambivalências da figura

Por Kadma Marques

 

Em larga escala, um século humano faz escoar apenas instantes do tempo universal. Assim, oscilamos de ínfimos a grandes, sempre que a memória nos socorre com a densidade de fatos que pontuam nossa história. Cem anos fecham um ciclo em 2022. Neste ano, o campo cultural brasileiro reverbera a atuação de escritores e pintores que se uniram pelo movimento modernista. Naquele momento inaugural, emergiu um modo de ver próprio da Semana de Arte Moderna de 1922 enquanto, no estado do Ceará, nascia o pintor Antonio Bandeira. O tempo teceu duas décadas até unir esses dois fatos aparentemente distantes. Na década de 1940, um fio histórico e outro, biográfico, cruzaram-se no ponto em que o jovem cearense iniciou a trajetória artística que o conduziria à radicalização dos valores plásticos modernistas.

"Antonio Bandeira, o Poeta das Cores" teve gravações em Paris(Foto: divulgação)
Foto: divulgação "Antonio Bandeira, o Poeta das Cores" teve gravações em Paris

A arte vivida com a intensidade de um imperativo conferiu a Bandeira os contornos de um personagem monumental. Sobre todo monumento muito já se disse. Mas tanto há ainda a dizer. Ouvem-se vozes sobrepostas, cujo maior desejo é o de traduzir o artista e sua obra, a partir da ciência, da estética, da literatura, do audiovisual, do domínio educacional, comunicacional, em tom rigoroso, memorialístico ou afetivo, em disputa ou em convergência. Criou-se assim uma imagem multifacetada do artista, em mosaico, que busca articular suas várias dimensões.

Obra "Floresta de Carnaúba", 64 X 54 cm, óleo sobre tela (1951)(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Obra "Floresta de Carnaúba", 64 X 54 cm, óleo sobre tela (1951)

No centenário de nascimento de Antonio Bandeira, o universo da arte confere destaque à figura desse artista-monumento, impregnada de passado-presente-futuro. A originalidade de sua obra plástica o fez representante dos mais caros e permanentes valores no campo artístico. Aquele que foi denominado “raro”, “colecionador de crepúsculos” ou “poeta das cores”, constituiu-se assim em exemplo tanto no discurso especializado, quanto nas práticas de reconhecimento entre pares. Afinal, a quantos artistas o tratamento conferido a sua poética serviu de inspiração?

Outros fios ainda se cruzaram na composição e projeção do ponto de vista do artista sobre o espaço social da arte. Basta evocar sua atuação na formação de instituições de consagração artística no Ceará, a exemplo da criação de associações e museus; e ainda aquele da integração da arte cearense ao circuito da arte moderna brasileira.

Ao longo das três décadas de trabalho que antecederam seu falecimento prematuro em 1967, Bandeira construiu seu estilo próprio predominantemente a partir da experiência comparativa de três cidades: Fortaleza, Rio de Janeiro e Paris. A sólida marca estilística que hoje se tornou imediatamente reconhecível pelo público revela a conversão de suas experiências sensíveis ao filtro dado pela história cumulativa das formas plásticas.

O tempo investido no caminho percorrido, da década de 1940 até os anos de 1960, mina toda desconfiança acerca do suposto caráter aleatório de seu processo de criação plástica. Um exame mesmo rápido de transformações das formas por ele elaboradas afasta esse sentimento de apego ao figurativo representativo. Este pairava não apenas sobre sua produção artística, mas sobre todo o abstracionismo lírico ou informal, desde a sua emergência. A eloquência do gesto livre, o colorido na forma de drippings ou o escorrimento planejado de tinta sobre a tela são recursos de criação plástica, conquistados por Bandeira graças a intenso esforço de desprendimento da origem figurativa de seu trabalho.

Entre o peso da figuração expressionista dos anos 1940 e a leveza configurada pela explosão de cores presente nas últimas produções na década de 1960, encontra-se um conjunto de obras que o aproximam do movimento concretista brasileiro dos anos 1950. Enquanto um cenário de embates entre abstração geométrica e arte informal se desenhava além-mar, no Brasil o movimento concretista buscava se afirmar como signo de modernidade no âmbito da produção plástica abstrata, oposta à tradição associada ao atraso.

Obra "Samba na Roça", de Antonio Bandeira, de 1958(Foto: reprodução)
Foto: reprodução Obra "Samba na Roça", de Antonio Bandeira, de 1958

Naquele contexto, a elaboração pictórica do artista apontava inquietações em torno da persistência figurativa, assim como certo inconformismo com a designação “arte abstrata”. Eram então recorrentes temas e títulos de caráter figurativo, mas de elaboração semiabstrata, indicativa do movimento de valorização das cores como recurso plástico soberano. O que se via então sobre as telas do artista na época eram, de fato, figuras geometrizadas. Por meio de uma pintura ambivalente, Bandeira conformou um espaço limite entre experiência sensorial cotidiana (com distinção entre figuras da natureza e humanas) e a concepção geométrica (fragmentando planos e figuras), que o aproximou do universo cubista e concretista. Porém, é bom lembrar que a limitação a cânones da figuração, da abstração ou de “ismos”, importa sempre mais à crítica do que a artistas da dimensão de Antonio Bandeira.

Kadma Marques é colunista do Vida&Arte, professora, pesquisadora, curadora e socióloga da arte

 

 

A abstração lírica na pintura de Bandeira

Por Vera Novis

Ao chegar a Paris em 1946, Bandeira não poderia imaginar que sua vida estaria para sempre ligada a essa cidade. Na verdade, já estava mesmo antes de sua primeira viagem ao exterior. Foi o suíço-francês Jean-Pierre Chabloz quem incentivou o artista a viajar para o Rio de Janeiro, então capital do País. E a bolsa de estudos em Paris lhe foi concedida por indicação de Raymond Warnier, adido cultural da Embaixada da França no Brasil.

Fala-se num Bandeira muito à vontade nos cafés frequentados por existencialistas, nos bares onde se podia ouvir Juliette Greco, e na companhia do pintor boêmio Wols. O ambiente parisiense de nihilismo pós-guerra certamente marcou o jovem de 24 anos, recém-saído de Fortaleza, pequena cidade onde nascera. Mas o artista conseguiu sobrepor a isso sua enorme alegria de viver. De fato, apesar das dificuldades financeiras, vivia rodeado de amigos brasileiros e franceses, atraídos por seu temperamento afável, por suas ideias romântico-utópicas e pelo vigor de seus projetos. Somava-se a isso o exotismo do tipo físico: alto, forte, moreno de rosto largo e com uma voz alta e rouca, incomum. Bandeira tinha o porte adequado para abrigar a personalidade exuberante que exibia. Por outro lado, uma extrema delicadeza de espírito, que frequentemente se traduzia em gestos de rara fidalguia, compensava o transbordamento psicológico ou físico.

A amizade entre Bandeira e Wols foi decisiva para a iniciação do nosso pintor na abstração lírica. Por intermédio de Wols, ele entrou em contato com artistas que integravam o movimento, inclusive com Camille Bryen. Juntos formaram o grupo Banbryols, denominação criada a partir do nome dos três artistas. Em pouco tempo, faria sua primeira exposição individual.

Obra "Ferro", 100 X 80cm, óleo sobre tela (1961)(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Obra "Ferro", 100 X 80cm, óleo sobre tela (1961)

Depois de quase cinco anos, decide ir ao Brasil. Expõe em importantes museus, participa de vários salões, e as novidades do seu trabalho são aplaudidas pela crítica. O pintor volta, em 1954, para sua segunda e fértil temporada em Paris: realiza exposições individuais em Londres (1955), Paris (1956) e Nova York (1957); cria um grande painel em Bruxelas (1958) e tem suas obras nos acervos de galerias ao lado de artistas renomados. Em 1960, volta mais uma vez ao Brasil, reconhecido e consagrado. Retorna a Paris em novembro de 1964, para a última temporada, encerrada com sua morte precoce em outubro de 1967.

Em sua curta vida, Bandeira participou de muitas bienais de São Paulo e de Veneza, de importantes salões no Brasil e em Paris, expôs nas principais cidades do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos. Como resultado da complexidade de seu temperamento, Bandeira transitava com facilidade da extrema delicadeza dos pequenos guaches em tons pastel ao vigor do colorido forte das grandes telas; das suaves aguadas e dos nanquins às enérgicas pinceladas; às largas espatuladas com matéria espessa, aos escorrimentos de tinta. E foi um incansável experimentador: fez colagem com papel e com miçangas, pintou sobre matriz de jornal e sobre isopor. Exímio colorista, famoso pelo "azul Bandeira", tenta, com êxito, os noturnos e chega à máxima depuração do branco sobre fundo branco. Mas seus antigos temas, as árvores, cidades e paisagens longínquas, permanecem sob suas galáxias de miríades de pontos brancos, seus féericos riscos luminosos, suas explosões de fogos de artifício. Se a vida do Bandeira não tivesse sido interrompida tão cedo, para onde o levaria a sua pintura?

(Vera Novis, publicado em março de 2010 no folder que acompanhava o convite para a exposição em Paris)

 


Antonio Bandeira - Um Pioneiro Internacional

 

Antonio Bandeira nasceu no emblemático ano de 1922, em Fortaleza, e faleceu, prematuramente, em 1967, em Paris. Foi um artista com trânsito internacional, fato raro na época, e sua obra ocupa um lugar singular, não apenas na arte brasileira, mas no contexto da expansão do Abstracionismo Informal na França. Realizou importantes exposições individuais em Paris, Londres e Nova Iorque, mas jamais abandonou o Brasil, e sempre manteve sua independência criativa.

Autodidata, desde cedo revelou seu talento e, na década de 1940, participou ativamente da cena artística cearense. Em 1943, recebeu medalha de bronze no 9º Salão Paulista de Belas Artes, fato extraordinário para um artista tão jovem e residente fora do circuito Rio-São Paulo.

Seu trabalho nesse período era figurativo, mas nada acadêmico, retratando a periferia de Fortaleza, em obras vibrantes, de intenso colorido. Em 1945, Pierre Chabloz organizou, na Galeria Askanasy, no Rio de Janeiro, uma exposição de artistas cearenses. Bandeira foi para a abertura e, de forma surpreendentemente rápida, realizou sua primeira exposição individual em 1946, no Instituto dos Arquitetos do Brasil - RJ, sendo no mesmo ano contemplado pelo governo francês com uma bolsa de estudos para Paris, onde permaneceu de 1946 a 1950.

Lá, Bandeira fez a opção pela Abstração Lírica, tornando-se um dos pioneiros dessa vertente, integrando o Grupo Banbryols (1949-1951). Em 1950 realizou exposição individual em Paris, na Galerie du Siècle, já apresentando as paisagens, cidades e árvores que se tornariam a sua marca como artista. Voltando ao Brasil em 1951, participou da I Bienal de São Paulo, e, se já era um pioneiro da abstração na Europa, aqui destacou-se imediatamente, sendo premiado com a medalha de prata. A partir daí o artista, com grande sucesso, alternou períodos no Rio e em Fortaleza, a outros em Paris, até ter sua carreira interrompida por um erro médico.

A pintura de Antonio Bandeira é inconfundível. Nas suas cores que escorrem, há uma insinuação de imagens e brilhos, que apenas se deixam entrever. É o acaso, mas sob controle, pois, no seu abstracionismo lírico há uma rede compositiva, uma estrutura, sobre a qual ele tece seus trabalhos, com cores, manchas, pingos e traços, e dos quais sempre emana, sutilmente, um perfume da figura.

Denise Mattar é curadora de artes visuais

 

 

Poeta das Cores

Longa sobre o artista dirigido por Joe Pimentel, "Antonio Bandeira, o poeta das cores" desvela trajetória do cearense e sua ligação com cinema

O ano é 1960. Antonio Bandeira caminha pela praia, no Mucuripe. Ora parece brincar com o vento, ora reencontrar-se consigo mesmo num lugar e tempo inesquecíveis". Começa assim a matéria de capa do Vida&Arte de 28 de outubro de 2008, escrita pela jornalista Regina Ribeiro. O mote é uma exposição especial promovida à época na Universidade de Fortaleza que traria à tona um registro pouco conhecido de Bandeira em movimento. As imagens, de um filme inacabado, são retomadas mais de uma década depois pelo cineasta Joe Pimentel no documentário "Antonio Bandeira, o poeta das cores", ainda em processo, mas com previsão de finalização em 2022.

Neste ano, são celebrados não somente o centenário de nascimento do pintor cearense Antonio Bandeira, em maio, mas também, em outubro, os 55 anos desde a morte dele. É pelo simbolismo da data que Joe pretende finalizar o longa documental até o final de 2022. O projeto foi gestado há cerca de cinco anos, a partir da amizade entre o diretor e Francisco Bandeira, artista visual e sobrinho do protagonista do filme.

"Foi através dele, que é meu amigo antigo. Ele começou a falar dessa ideia que tinha, o desejo de fazer um filme (sobre o tio). Foi através dele que me veio o interesse de fazer o filme, dos arquivos dele, que me mostrava muita coisa. Me convenci que o Bandeira era um personagem interessante", explica Joe, referenciando Francisco.

O projeto foi inscrito em um edital em 2017 e posteriormente contemplado. Os recursos, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), só foram liberados em 2019, quando começaram as filmagens — rapidamente interrompidas, porém, pelo início da pandemia. A retomada das gravações aconteceu no começo deste ano e a previsão é seguir com a montagem e a finalização até dezembro.

Registro de bastidor de gravações do longa "Antonio Bandeira, o Poeta das Cores"(Foto: divulgação)
Foto: divulgação Registro de bastidor de gravações do longa "Antonio Bandeira, o Poeta das Cores"

Além dessas dificuldades no caminho, o projeto também precisou enfrentar outro desafio, este revelador sobre a memória de Bandeira: a: a ausência de arquivos e materiais audiovisuais sobre o artista.

"Não tem registro da voz do Bandeira, não tem uma gravação", afirma Joe. As únicas imagens do cearense em movimento das quais se tem notícia são aquelas que, em 2008, estiveram compondo a exposição da Unifor. "A película está em preto e branco, sem som. Foi filmada pelo artista cearense João Maria Siqueira, ficou perdida por quase 40 anos até ser encontrada no meio do acervo particular do ex-coordenador da Casa Amarela, Eusélio Oliveira", informa o texto de 14 anos atrás.

Gravadas pelo desenhista, pintor e cineasta amador cearense João Maria Siqueira, as imagens são conhecidas pelos títulos "O Fazedor de Crepúsculos" ou "O Colecionador de Crepúsculos", mas nenhum, segundo Joe, é oficial. "Na verdade, não é nenhum filme acabado, é um copião que ele fez com umas imagens do Bandeira lá no Mucuripe, no Cais do Porto. É um filme inacabado ao qual tive acesso agora no Rio, vi esse material que conheci quando eu era bem garoto, lá na Casa Amarela", recupera o cineasta.

Há registros jornalísticos de outras incursões de Bandeira no audiovisual, mas as imagens em si não têm paradeiro conhecido. Em 8 de abril de 1995, no caderno especial Sábado, do O POVO, uma linha do tempo de vida e obra do artista elencou, além do "curta-metragem Bandeira em Fortaleza", também um "curta-metragem Bandeira em Copacabana", datado de 1963 e filmado por Luís Augusto Mendes.

Há, ainda, informações conhecidas sobre mais um filme perdido com Bandeira, intitulado "Periphérie". Gravado em 1965 e dirigido pelo pintor Flávio de Carvalho, o trabalho traria o pintor cearense contracenando com a atriz Maria Fernanda, filha de Cecília Meireles, na região periférica de São Paulo.

Finalmente, há ainda um outro projeto conhecido e mencionado no material de 2008: "(...) o próprio Bandeira escreveu um roteiro para um filme sobre ele mesmo. É um rascunho com desenhos e um texto resumido. Teria mar e jangada no filme", informa o texto. Assim como o filme inacabado de 1960, o "roteiro ilustrado" feito pelo próprio artista também será incorporado no documentário dirigido por Joe.

A obra, adianta o diretor, traz diferentes fases da vida de Bandeira, entremeadas inclusive por poesias escritas por ele ao longo da trajetória. Contextos e temas ligados ao cearense também serão aprofundados, como a segunda Escola de Paris, grupo artístico do qual ele fez parte, o abstracionismo, movimento ao qual se filiou, e a Semana de Arte Moderna de 1922, que ocorreu no ano de nascimento do artista.

Francisco Bandeira, sobrinho de Antonio Bandeira, é também artista e pesquisador da vida e obra do tio
Foto: FABIO LIMA
Francisco Bandeira, sobrinho de Antonio Bandeira, é também artista e pesquisador da vida e obra do tio

Apesar de documental, "Antonio Bandeira, o poeta das cores" terá, ainda, a participação de Francisco Bandeira interpretando o tio em momentos como a produção artística ou a vida em Paris. "Fui até o local onde ele morreu. Foi uma experiência fantástica, senti a presença do Bandeira ali", narra.

Principal incentivador da concretização do filme, Francisco vê no projeto um ponto alto da sua entrega à memória do tio. "Para mim, é uma missão. Quando eu falava com o Gilmar de Carvalho, ele dizia pra mim: 'Estou beijando o Bandeirinha que cuida do Bandeirão'. Estou realizando um sonho que tinha desde menino: que obra do meu tio seja mais reconhecida", celebra.

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