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Sob tensão, Colômbia vai às urnas para escolher novo presidente
Reportagem Especial

Sob tensão, Colômbia vai às urnas para escolher novo presidente

O senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro pode ser o primeiro presidente da esquerda a governar o país. Num cenário de acirramento, a Colômbia vive ainda sob a ameaça da violência política, com magnicídios registrados nas últimas décadas

Sob tensão, Colômbia vai às urnas para escolher novo presidente

O senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro pode ser o primeiro presidente da esquerda a governar o país. Num cenário de acirramento, a Colômbia vive ainda sob a ameaça da violência política, com magnicídios registrados nas últimas décadas
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Neste domingo, 29 de maio, milhões de pessoas irão às urnas na Colômbia para escolher um novo presidente. Num cenário cercado de tensão, as pesquisas eleitorais apontam para uma polarização que deve ser confirmada com um segundo turno entre o candidato da esquerda, Gustavo Petro, e o postulante da direita, Federico Gutiérrez. Enquanto isso, outros nomes de centro e independentes correm por fora para tentar impedir um returno entre projetos opostos.

Os candidatos à presidência da Colômbia, Gustavo Petro (E), pela coalizão Pacto Histórico, Federico Gutierrez (2-E), pela coalizão Equipo Colômbia, e Sergio Fajardo (D), pela Coalizão Centro Esperanza participam de um debate presidencial na sede do jornal El Tiempo em Bogotá em 23 de maio de 2022, antes das eleições gerais do fim de semana. (Foto: YURI CORTEZ / AFP)
Foto: YURI CORTEZ / AFP Os candidatos à presidência da Colômbia, Gustavo Petro (E), pela coalizão Pacto Histórico, Federico Gutierrez (2-E), pela coalizão Equipo Colômbia, e Sergio Fajardo (D), pela Coalizão Centro Esperanza participam de um debate presidencial na sede do jornal El Tiempo em Bogotá em 23 de maio de 2022, antes das eleições gerais do fim de semana.

A vantagem é de Petro, da coalizão Pacto Histórico. O senador progressista e ex-guerrilheiro lidera a corrida presidencial com 40,6% das intenções de voto. Ele é seguido por Gutiérrez (27,1%), ex-prefeito de Medellín, e pelo empresário e candidato populista Rodolfo Hernández (20,9%). Os dados são da pesquisa Invemar divulgada neste mês (ver quadro). Um segundo turno, se necessário, está agendado para o dia 19 de junho.

Atores de ambos os lados alertam para eventuais riscos de golpe e desconfianças sobre o sistema eleitoral. O ex-presidente Andrés Pastrana (1998-2002) chegou a publicar carta aberta na qual disse que “o golpe (da esquerda) está dado” e pediu para o atual presidente Iván Duque “desfazê-lo”.

A prática de denunciar supostas fraudes eleitorais tem se tornado comum mundo afora, como nos casos de Estados Unidos em 2020, no Peru ano passado e até mesmo no Brasil, onde as eleições sequer foram realizadas e já são descreditadas. Em todos esses casos, os denunciantes apontam inconsistências sem apresentar provas para sustentar o argumento.

A consolidação de Petro na liderança fez ainda com que militares se manifestassem abertamente contra a sua candidatura, o que é vedado pela lei. Em abril, o comandante do Exército, general Eduardo Zapateiro, usou o Twitter para criticar o ex-guerrilheiro. 

Para Matheus Oliveira, professor de relações internacionais da PUC-SP e da Unaerp, é importante ficar de olho na postura dos militares, sobretudo após o resultado do pleito.

“As Forças Armadas tendem a perder muito caso Petro vença e execute o programa que vem prometendo (com reduções de investimentos em Defesa e outras medidas que afetam as forças de segurança). Essa é outra mazela regional que vem se aprofundando, o envolvimento de militares na política. Isso me parece um dado importante a se ter em vista”, considera. 

Neste cenário de acirramento, a Colômbia vive ainda sob a ameaça da violência política. O país registrou episódios de magnicídio nas últimas décadas, com presidenciáveis ou potenciais candidatos mortos em atentados. Na campanha deste ano, Petro já denunciou ter recebido ameaças de morte e chegou a cancelar agendas alegando risco à segurança.

Como lembrança, vale citar a campanha de 1990, que terminou com o assassinato de três potenciais candidatos a presidente: Luis Carlos Galán, Carlos Pizarro e Bernardo Jaramillo. Outro caso foi o homicídio de Álvaro Gómez Hurtado, presidenciável baleado em 1995, em Bogotá, ao sair de uma Universidade.

O candidato de esquerda à presidência colombiana Gustavo Petro (C), fala ladeado por guarda-costas segurando escudos à prova de balas durante seu comício de encerramento da campanha na praça Bolívar em Bogotá, Colômbia, em 22 de maio de 2022. Petro está liderando as pesquisas para a próxima eleição presidencial de maio próximo 29. (Foto: YURI CORTEZ / AFP)
Foto: YURI CORTEZ / AFP O candidato de esquerda à presidência colombiana Gustavo Petro (C), fala ladeado por guarda-costas segurando escudos à prova de balas durante seu comício de encerramento da campanha na praça Bolívar em Bogotá, Colômbia, em 22 de maio de 2022. Petro está liderando as pesquisas para a próxima eleição presidencial de maio próximo 29.

Embora a violência não seja novidade na dura realidade colombiana, ela ainda influencia na dinâmica de um país que viveu anos de conflitos entre o Estado e guerrilhas como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Assim como a guerra entre cartéis de tráfico de drogas, que viveu auge entre as décadas de 1980 e 1990.

Se por um lado as pesquisas não apontam uma vitória de Petro no primeiro turno, por outro ele já é o candidato da esquerda a chegar mais próximo do poder. Caso vença, será o primeiro presidente de esquerda a governar o país, historicamente gerenciado por conservadores e liberais de direita.

Iago Caubi, pesquisador ligado ao Núcleo de Estudos sobre Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ), avalia que, do ponto de vista político, a eleição coloca em perspectiva central reformas estruturais na Colômbia.

“Se Petro ganha, como é projetado, somado a uma maioria no Congresso, ele consegue fazer mudanças estruturais no país”, projeta. Nas eleições legislativas de março deste ano, a esquerda obteve 16 cadeiras no Senado, tornando-se a maior força da Casa junto ao partido conservador, e outros 25 assentos na Câmara, empatando com os conservadores.

O candidato presidencial colombiano de direita Federico Gutierrez chega para um debate em uma estação de rádio em Bogotá, em 26 de maio de 2022. A Colômbia realizará eleições presidenciais em 29 de maio. (Foto: DANIEL MUNOZ / AFP)
Foto: DANIEL MUNOZ / AFP O candidato presidencial colombiano de direita Federico Gutierrez chega para um debate em uma estação de rádio em Bogotá, em 26 de maio de 2022. A Colômbia realizará eleições presidenciais em 29 de maio.

“O que Petro representa é uma mudança no posicionamento tanto interno quanto externo. Quando ele coloca favorável a uma reforma agrária e questões de direitos humanos em evidência, num estado que é amplamente militarizado e que usa esse aparato contra a sua população, ele propõe uma inversão dessa visão do estado colombiano”, explica Caubi.

Em relação à política externa, a Colômbia construiu um alinhamento nos últimos governos com os Estados Unidos, se consolidando como o grande parceiro estratégico de Washington na América do Sul. 

Segundo Caubi, uma vitória de Petro não significaria um acirramento das relações com os EUA, mas uma “maior independência” na política externa. Sobretudo no trato com a Venezuela, vizinho com o qual a Colômbia rompeu relações diplomáticas nos últimos anos.

Os candidatos Gustavo Petro (E) e Federico Gutiérrez, participam de um debate presidencial na sede do jornal El Tiempo, em Bogotá, em 23 de maio de 2022, antes da eleições gerais do fim de semana. A Colômbia realizará eleições presidenciais em 29 de maio. (Foto: YURI CORTEZ / AFP)
Foto: YURI CORTEZ / AFP Os candidatos Gustavo Petro (E) e Federico Gutiérrez, participam de um debate presidencial na sede do jornal El Tiempo, em Bogotá, em 23 de maio de 2022, antes da eleições gerais do fim de semana. A Colômbia realizará eleições presidenciais em 29 de maio.

 

 

Com alta na desaprovação, Duque diz que seria reeleito se recondução fosse permitida

Às vésperas de uma eleição presidencial que pode mudar os rumos do país, o atual presidente da Colômbia, o direitista Iván Duque, afirmou que caso a reeleição fosse permitida, certamente estaria na briga e seria reeleito. O candidato da esquerda, Gustava Petro, é o favorito para assumir o governo local. As declarações de Duque foram feitas na última segunda-feira, 23, durante entrevista à rede britânica BBC.

O presidente colombiano Ivan Duque enquanto falava à imprensa no número 1 Carlton Gardens, em Londres, em 19 de maio de 2022. Os colombianos irão às urnas neste 29 de maio para escolher o sucessor de Duque, com um segundo turno em 19 de junho se não houver um vencedor claro(Foto: JUSTIN TALLIS / AFP)
Foto: JUSTIN TALLIS / AFP O presidente colombiano Ivan Duque enquanto falava à imprensa no número 1 Carlton Gardens, em Londres, em 19 de maio de 2022. Os colombianos irão às urnas neste 29 de maio para escolher o sucessor de Duque, com um segundo turno em 19 de junho se não houver um vencedor claro

“Se eu pudesse concorrer à reeleição, com certeza lutaria por isso e seria reeleito. Porque eu penso que temos resultados importantes para mostrar”, disse o presidente colombiano que está a meses de entregar o cargo e com uma desaprovação de 67% segundo pesquisa do instituto Invamer divulgada neste mês.

Na Colômbia a reeleição é vedada, portanto o atual mandatário não é candidato. Duque enfrentou problemas na condução da pandemia de Covid-19 e foi criticado após protestos massivos da população contra uma reforma da Previdência, marcados por forte repressão policial.

Em parte, a tendência das pesquisas pode ser vista como uma resposta das ruas ao autoritarismo com o qual o governo lidou com protestos entre 2019 e 2020, que culminaram em violência extrema das forças de segurança contra populares. Os atos tiveram como caso emblemático o assassinato do jovem Dilan Cruz, de 18 anos, por forças policiais de elite colombianas (Esmad). Dilan tornou-se o rosto das manifestações contra o governo Duque.

Parentes e amigos de Nicolas Guerrero, que foi morto durante confrontos com a polícia de choque em um protesto contra um projeto de reforma tributária, se reúnem em torno de velas e das palavras "Nico foi morto pela Esmad" ("Escuadron Movil Antidisturbios", uma unidade de controle de motins do Polícia colombiana). A vigília em sua homenagem foi realizada  em Cali, Colômbia, em 3 de maio de 2021(Foto: Luis ROBAYO / AFP)
Foto: Luis ROBAYO / AFP Parentes e amigos de Nicolas Guerrero, que foi morto durante confrontos com a polícia de choque em um protesto contra um projeto de reforma tributária, se reúnem em torno de velas e das palavras "Nico foi morto pela Esmad" ("Escuadron Movil Antidisturbios", uma unidade de controle de motins do Polícia colombiana). A vigília em sua homenagem foi realizada em Cali, Colômbia, em 3 de maio de 2021

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo O POVO, Duque deixou um saldo negativo em dois setores cruciais para a definição do voto: a segurança pública e a economia. O que, em tese, ajudou a favorecer os questionamentos à elite política local.

“A inflação colombiana tem crescido, os salários e o mercado de trabalho ainda não se recuperaram e as redes de tráfico têm se fortalecido. A relativa novidade é que isso se transformou em uma insatisfação geral contra o status quo”, representado por grupos políticos, analisa Matheus Oliveira, professor de relações internacionais da PUC-SP.

 

 

Colômbia pode ser mais um caso de guinada à esquerda na América do Sul

Caso o senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro confirme o favoritismo e se torne o próximo presidente da Colômbia, ele se somará a uma lista de líderes ligados a movimentos de esquerda na América do Sul, que atualmente governam países como Argentina, Bolívia, Chile e Peru. Além da Colômbia, o Brasil terá eleições neste ano, com pesquisas eleitorais também apontando favoritismo para o candidato à esquerda, no caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para Iago Caubi, especialista em temas ligados à Política Internacional, embora os contextos sejam diferentes em cada país, uma vitória para um lado ou para o outro sempre “respinga” nas relações com a vizinhança. Caubi diz que eventuais triunfos da esquerda na Colômbia e no Brasil representariam um “alinhamento histórico” na América do Sul.

“Ao meu ver, seria um alinhamento relevante, com países com capacidade de influência, de uma certa forma alinhados a um campo progressista, que propõem mais força nas políticas regionais, com mais integração entre esses países. Se concretizando essas vitórias da esquerda, veremos um fortalecimento de instâncias que devem ser remodeladas por essa nova conjuntura política regional, como o próprio Mercosul”, comenta.

Um mural com imagens do candidato presidencial colombiano da coalizão do Pacto Histórico, Gustavo Petro (E), e da candidata a vice-presidente Francia Marquez, é visto em Cali, Colômbia, em 23 de maio de 2022. A Colômbia realizará eleições presidenciais em 29 de maio.(Foto: RAUL ARBOLEDA / AFP)
Foto: RAUL ARBOLEDA / AFP Um mural com imagens do candidato presidencial colombiano da coalizão do Pacto Histórico, Gustavo Petro (E), e da candidata a vice-presidente Francia Marquez, é visto em Cali, Colômbia, em 23 de maio de 2022. A Colômbia realizará eleições presidenciais em 29 de maio.

Matheus Oliveira, especialista em Relações Internacionais, aponta que no caso colombiano é preciso levar em conta ainda a existência dos movimentos de guerrilha como um fator que “ajuda a entender a predominância da direita na política” local. Nessa perspectiva, ele chama a atenção para um esquerdista e ex-guerrilheiro ser o favorito a vencer o pleito.

“Mostra o esgotamento do status quo na região, coisa que já vimos no Chile, por exemplo, muito recentemente. Assim, é claro que existe uma sinalização positiva para a esquerda regional porque mantém-se uma conjuntura favorável a esses grupos”, projeta Oliveira.

Caubi destaca que apesar da tendência regional, não é correto colocar todos os projetos no mesmo pote sem fazer ponderações. “A chapa à esquerda que lidera no Brasil não fala em reforma agrária, por exemplo. Por mais que a esquerda no Brasil vença, ela não propõe uma ruptura tão grande quanto na Colômbia ou mesmo no Chile. Por mais que as tensões estejam agravadas em todos os países, elas não estão no mesmo nível”, conclui.

 



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